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Relato do leitor

 
(03/Out) O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO
 
RESUMO


LIVRO TERCEIRO


O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO


Segundo ponto de vista

A representação, considerada independentemente do princípio de razão.
A idéia platônica: o objeto da arte


§ 30

Apresentado no primeiro livro como pura representação, objeto para um sujeito, consideramos o mundo no segundo livro por sua outra face e verificamos como esta é vontade, que unicamente se mostrou como o que aquele mundo é além da representação; em conformidade, denominávamos o mundo como representação, no todo ou em suas partes, a objetividade da vontade, quer dizer: a vontade tornada objeto, representação. Recordamos também que tal objetivação da vontade possuía graus numerosos, porém determinados, em que , com clareza e perfeição gradualmente crescente, a vontade surgia na representação e se apresentava como objeto. Reconhecíamos as idéias de Platão em tais graduações, na medida em que estas são as espécies determinadas, ou as formas e propriedades invariáveis originárias de todos os corpos naturais, orgânicos ou inorgânicos, como também as forças genéricas se manifestando conforme leis naturais. Tais idéias, portanto, se manifestam em indivíduos e particularidades inumeráveis, comportando-se como modelo para estas suas imagens. A multiplicidade de tais indivíduos é concebível unicamente mediante o tempo e o espaço, seu surgir e desaparecer unicamente mediante a causalidade, em cujas formas reconhecemos somente as diversas modalidades do princípio de razão, princípio ultimo de toda finitude, toda individuação, forma geral da representação, tal como esta se dá na consciência do indivíduo como tal. A idéia, porém, não se submete àquele princípio: por isto não experimenta pluralidade nem mudança. Enquanto os indivíduos em que se manifesta são inumeráveis e nascem e perecem incessantemente, ela permanece invariavelmente a mesma, e para ela o princípio de razão não possui significado algum. Mas como este é a forma sob a qual se encontra todo conhecimento do sujeito, enquanto este conhece como indivíduo, assim as idéias se localizarão totalmente fora da esfera do conhecimento do sujeito como tal. Portanto, se as idéias devem se tornar objeto do conhecimento, a condição é a supressão da individualidade no sujeito cognoscente.



O mundo é apresentado no primeiro livro como representação (objeto para um sujeito), e no segundo livro, verificou-se sua outra face, a vontade. A vontade foi mostrada como o que o mundo é além da representação. A objetividade da vontade é a vontade tornada objeto para o sujeito, a representação.
A objetivação da vontade possui graus numerosos.
As idéias de Platão são as espécies determinadas, as formas e propriedades invariáveis originárias de todos os corpos naturais, orgânicos ou inorgânicos.
As idéias se manifestam em indivíduos e particularidades inumeráveis, comportando-se como modelo para estas imagens. A multiplicidade de tais indivíduos é concebível unicamente mediante o tempo, espaço e causalidade (principio de razão). A idéia não se submete ao princípio de razão por isso não experimenta pluralidade nem mudança.
O princípio de razão é a forma sob a qual se encontra todo conhecimento do sujeito, enquanto este conhece como indivíduo, assim as idéias se localizam totalmente fora da esfera do conhecimento do sujeito como tal. Portanto, se as idéias devem se tornar objeto do conhecimento, a condição é a supressão da individualidade no sujeito cognoscente.

§ 31

Sendo a vontade a coisa em si, e a idéia a objetividade imediata desta vontade em um grau determinado, atinamos com a coisa em si de Kant e a idéia de Platão.
Com efeito o que Kant diz é essencialmente o seguinte: "Tempo, espaço e causalidade não são determinações da coisa em si, mas pertencem unicamente a seu fenômeno, na medida em que não passam de formas de nosso conhecimento. Mas como toda multiplicidade e todo surgir e fenecer são possíveis unicamente mediante tempo, espaço e causalidade, também aquelas pertencem apenas ao fenômeno, e de modo algum à coisa em si. Contudo como todo nosso conhecimento é condicionado por aquelas formas, toda a experiência é apenas conhecimento do fenômeno, não da coisa em si; por isto suas leis não podem ser aplicadas à coisa em si. Isto é valido inclusive para nosso próprio eu, que nós conhecemos unicamente como fenômeno, e não pelo que possa ser em si". Por seu lado, Platão afirma: "As coisas deste mundo, percebidas por nossos sentidos, não possuem ser verdadeiro: elas sempre vêm a ser, mas nunca são: possuem apenas um ser relativo, são em conjunto apenas em e mediante sua relação recíproca: assim é possível denominar todo seu ser-aí um não-ser. Em conseqüência também não são objetos de um conhecimento propriamente dito (epistéme), pois este é possível quanto ao que é em e para si e de um modo sempre idêntico elas porém são apenas o objeto de uma suposição sugerida pela sensação (dóxa met’ aisthéseos alógou). Enquanto limitados à percepção das coisas, parecemos homens em uma caverna escura, atados de maneira tal que impossibilite mesmo os movimentos da cabeça, e que nada vissem além das silhuetas de coisas reais projetadas em uma parede à sua frente pela luz de um fogo aceso por trás de suas costas, inclusive uns em relação aos outros e mesmo cada um quanto a si próprio: somente as sombras naquela parede. Sua sabedoria, porém, constituir-se-ia na previsão da seqüência daquelas sombras, aprendida por experiência. Por outro lado, que pode ser denominado única e verdadeiramente existente (óntôs ón) porque sempre é, mas nunca vem a ser, nem deixa de ser, são os modelos de tais imagens: as idéias eternas, as formas reais de todas as coisas. Não lhes cabe a multiplicidade: pois cada uma é, conforme sua essência, unicamente enquanto é o próprio modelo, cujas reproduções ou sombras são todas as coisas da mesma espécie, de igual nome, individuais e transitórias. Também não possuem começo e nem fim, pois são verdadeiramente existentes, nunca porém o que começa, nem o que termina, como suas cópias perecíveis. (Estas duas determinações negativas contêm necessariamente o pressuposto, porém, de que tempo, espaço e causalidade não possuem significado nem validade para as idéias, que não existem nestes). Assim, apenas delas podemos ter um conhecimento propriamente dito, uma vez que pode ser objeto deste unicamente o que existe sempre e sob qualquer consideração (portanto em si), e não o que existe, mas também não existe, conforme seja enfocado".
A vontade em Shopenhauer é a coisa em si em Kant, e a idéia de Platão é a objetividade imediata da vontade em um determinando grau.
Para Kant tempo, espaço e causalidade pertencem unicamente ao fenômeno e não à coisa em si. Toda experiência é conhecimento do fenômeno e não da coisa em si.
Para Platão as coisa percebidas pelos sentidos não possuem ser verdadeiro, são sombras. As idéias eternas são as formas originais de todas as coisas.


§ 32


Assim idéia e coisa em si não são simplesmente uma e a mesma: mas a idéia é para nós somente a objetividade imediata, e por isto adequada, da coisa em si, que porém ela própria é a vontade, a vontade enquanto ainda não objetivada, ainda não tornada representação.
A idéia platônica é necessariamente objeto, algo reconhecido, uma representação, e justamente devido a isto, e somente devido a isto, distinta da coisa em si. Ela se despojou apenas das formas subordinadas do fenômeno, todas por nós compreendidas sob o princípio de razão, ou melhor, ainda não as adotou; contudo manteve a forma primeira e mais geral, a da representação em geral, do ser objeto por um sujeito. A coisa individual que aparece em conformidade com o princípio de razão é portanto somente uma objetivação mediata da coisa em si (que é a vontade), entre as quais se encontra a idéia, como a única objetividade imediata da vontade, ao não adotar forma alguma própria ao conhecer como tal, senão a da representação em geral, e do ser objeto para um sujeito. Por isto também unicamente ela é a objetivação mais adequada da vontade ou coisa em si, é ela mesma toda a coisa em si, apenas sob a forma da representação: e nisto reside o motivo da grande concordância entre Platão e Kant, embora, a rigor extremo, o dito por ambos não seja idêntico. As coisas individuais porém não são uma objetividade da vontade inteiramente adequada, mas a que esta já se encontra obscurecida por aquelas formas, cuja expressão comum é o princípio de razão, que constituem, contudo, condições do conhecimento, tal como esta é possível ao indivíduo enquanto tal.
É certo que se for possível nos elevarmos do conhecimento das coisas individuais ao das idéias, isto somente pode se verificar pela ocorrência de uma transformação no sujeito, correspondente e análoga àquela grande mudança de todo o modo do objeto, e mediante o qual, o sujeito enquanto conhecendo uma idéia, não é mais indivíduo.
A vontade é a coisa em si, a idéia é a objetivação imediata da coisa em si. O fenômeno é a objetivação mediata da coisa em si. A objetivação da coisa em si (mediata ou imediata) é a representação. As coisas subordinadas ao principio de razão (tempo, espaço e causalidade) são somente uma objetivação mediata da coisa em si.


§ 33

Toda relação possui, ela mesma, somente uma existência relativa: por exemplo, todo ser no tempo é também um não-ser: pois o tempo é apenas aquilo mediante o que podem corresponder à mesma coisa determinações opostas, por isto todo fenômeno no tempo também não é: pois o que separa seu começo de seu fim é justamente apenas o tempo, algo essencialmente passageiro, desprovido de substancia e relativo, aqui denominado duração. O tempo, porém, é a forma mais geral de todos os objetos do conhecimento a serviço da vontade e o protótipo das demais formas do mesmo.

§ 34

A transição possível, porém, sempre excepcional, do conhecimento comum de coisas individuais, ao conhecimento da idéia, ocorre de modo repentino, ao arrancar-se o conhecimento ao serviço da vontade, por cessar precisamente o sujeito de ser meramente individual, tornando-se agora sujeito puro do conhecimento, destituído de vontade, não mais se ocupando, conforme o princípio de razão, das relações, mas repousando e sendo absorvido na contemplação firme do objeto oferecido fora de quaisquer conexões com outros.
Quando, erguidos pela força do espírito, abandonamos o modo comum de examinar as coisas, cessando de acompanhar somente suas relações entre si, cujo objetivo último é sempre a relação com a própria vontade, pelo fio condutor das configurações do princípio de razão, sem mais considerar nas coisas o onde, quando, por que e para que, mas única e exclusivamente o que; não permitindo também que se aloje na consciência o pensamento abstrato, os conceitos da razão; entregando porém todo poder de nosso espírito à contemplação, submergindo nesta inteiramente, permitindo o preenchimento pleno da consciência pela tranqüila contemplação do objeto natural ocasionalmente presente, seja uma paisagem, uma árvore, um rochedo, uma construção, ou o que for; ao nos perdermos inteiramente neste objeto (sich gaenzlich in diesen Gegenstand verliert), num significativo modo de expressão alemão, ou seja, esquecendo nosso indivíduo, nossa vontade, continuando a subsistir somente como sujeito puro, límpido espelho do objeto: de tal modo que tudo se passasse, como se existisse unicamente o objeto, sem alguém que o percebesse, não se podendo mais distinguir portanto a intuição do seu sujeito, mas ambos se tornaram um, ao ser a consciência plenamente preenchida e ocupada por uma única imagem intuitiva; quando, portanto, o objeto abandonou toda relação com algo externo a ele, e o sujeito toda relação com a vontade; então o que é conhecido não é mais a coisa individual como tal; mas é a idéia, a forma eterna, a objetividade imediata da vontade neste grau; e precisamente por isto o referido nesta intuição já não é indivíduo, pois o indivíduo se perdeu numa tal intuição; mas ele é sujeito puro do conhecimento, destituído de vontade, de dor, de temporalidade.
Numa tal contemplação, de um só golpe a coisa individual se torna a idéia de sua espécie, e o indivíduo que intui, o sujeito puro do conhecimento. O indivíduo como tal conhece apenas coisas individuais; o sujeito puro do conhecimento, somente idéias. O indivíduo que conhece, como tal, e a coisa individual por ele conhecida, sempre estão em algum lugar, um momento, e são membros da cadeia de causas e efeitos. É primeiramente na medida em que um indivíduo conhecedor eleva-se a si próprio, do modo descrito, a sujeito puro do conhecimento, e com isto também o objeto observado, a idéia, que aparece puro e por inteiro o mundo como representação, e ocorre a objetivação perfeita da vontade, já que unicamente a idéia é sua objetividade adequada. A vontade é o em si da idéia, esta objetivando perfeitamente aquela; ela também é o em si da coisa individual e do indivíduo que conhece esta; estes objetivando imperfeitamente aquela.
A transição do conhecimento comum de coisas individuais, ao conhecimento da idéia ocorre, ao arrancar-se o conhecimento ao serviço da vontade, não mais se ocupando, conforme o principio de razão, das relações; mas repousando e sendo absorvido na contemplação firme do objeto oferecido fora de quaisquer relações com outros .
Numa tal contemplação, de um só golpe a coisa individual se torna a idéia de sua espécie, e o indivíduo que intui, o sujeito puro do conhecimento.


§ 36

Mas que espécie de conhecimento examinará então o que existe exterior e independente de toda relação, único propriamente essencial do mundo, o verdadeiro conteúdo de seus fenômenos, submetido a mudança alguma e por isto conhecido com igual verdade a qualquer momento, em uma palavra, as idéias, que constituem a objetividade imediata e adequada da coisa em si, da vontade? É a arte, a obra do gênio. Ela reproduz as idéias eternas, apreendidas mediante pura contemplação, o essencial e permanente de todos os fenômenos do mundo, e conforme a matéria em que ela reproduz, se constitui em artes plásticas, poesia ou música. Sua única origem é o conhecimento das idéias; seu único objetivo, a comunicação deste conhecimento. O que se dá conforme o princípio da razão, é o procedimento racional, único válido e útil na vida prática, bem como na ciência: o que abstrai do conteúdo daquele princípio, é o procedimento genial, único válido e útil na arte. Somente mediante a contemplação pura acima descrita, inteiramente absorvida no objeto, as idéias podem ser captadas, e a essência do gênio consiste justamente na capacidade predominante para tal contemplação: como esta requer um esquecimento completo da própria pessoa e de suas relações, assim a genialidade nada mais é do que a mais perfeita objetividade.
O homem comum, este produto industrial da natureza, tal como esta o apresenta diariamente aos milhares, é incapaz, ao menos de modo persistente, de uma observação em todo sentido inteiramente desinteressada: ele pode dirigir sua atenção às coisas somente enquanto estas apresentam uma relação qualquer, mesmo que apenas mui mediatizada, com sua vontade. Como a este respeito, que solicita sempre apenas o conhecimento das relações, o conceito abstrato da coisa é suficiente e em geral mesmo mais útil, o homem comum não permanece muito tempo com a pura intuição, não fixando por muito tempo sua visão num objeto, mas procura em tudo que se lhe apresenta, apenas rapidamente o conceito sob o qual o alojar, assim como o indolente procura a cadeira, após o que isto já não lhe interessa. O gênio, contudo, cuja faculdade de conhecimento, dado seu sobrepeso, se subtrai por uma parte do seu tempo, ao serviço de sua vontade, perseverando na contemplação da própria vida, ambicionando apreender a idéia de todas as coisas, e não suas relações com outras coisas.
Contudo há que fazer a restrição de que tudo o abordado aqui neste sentido, somente lhes dirá respeito enquanto estiverem efetivamente no exercício do modo de conhecimento genial, o que de modo algum ocorre em todos os momentos de sua vida, já que a grande tensão, por mais espontânea, requerida para a percepção das idéias isenta de vontade, necessariamente sofre um relaxamento, portando grandes intervalos em que, tanto no que se refere às vantagens quanto as deficiências, sua situação se assemelha bastante da dos homens comuns. É por isto que a ação do gênio desde sempre foi encarada como uma inspiração, e como o próprio nome indica, como a atividade de um ser sobre-humano, distinto do indivíduo ele mesmo, e que apenas periodicamente dele se apropria. Também a experiência confirmou que grandes gênios da arte não possuem capacidade para a matemática, jamais houve homem notável em ambas simultaneamente. Alfieri narra não ter mesmo nunca entendido sequer o quarto teorema de Euclides. A Goethe se reprovou muito a carência de conhecimento matemático, por parte de adversários ineptos de sua teoria das cores. O conhecimento genial porém não se orienta para as relações; um homem esperto, enquanto o for, não será genial, e um homem genial, enquanto o for, não será esperto. Por fim, o conhecimento intuitivo, em cuja área se localiza sobretudo a idéia, é diretamente oposto ao conhecimento racional, ou abstrato, orientado pelo princípio de razão do conhecimento. Que a genialidade e a loucura possuem um lado pelo qual se encontram, e até se confundem, já foi observado com freqüência, e mesmo o entusiasmo artístico já foi denominado uma espécie de loucura.
Particularmente instrutivo a este respeito é o "Torquato Tasso" de Goethe, em que situa a nossos olhos não somente o sofrimento, o martírio essencial do gênio como tal, mas também sua constante transição à loucura. Devo por outro lado acrescentar ter encontrado, em freqüentes visitas aos hospícios, sujeitos isolados de talento indiscutivelmente grande, cuja genialidade transpirava nitidamente através da loucura, que contudo se mantinha totalmente dominante.
Que o padecimento espiritual intenso, acontecimentos terríveis imprevistos, freqüentemente provocam loucura, eu explico da maneira seguinte: Todo sofrimento deste tipo sempre está limitado, como acontecimento real, ao presente, portanto é somente passageiro e nesta medida suportável, torna-se grande em excesso apenas como dor permanente, mas, como tal, é novamente apenas um pensamento situando-se na memória; quando então uma tal mágoa, um saber ou lembrança, tão doloroso, é a tal ponto penoso que se torna insuportável, ameaçando o indivíduo de destruição, então a natureza a tal ponto aterrorizada recorre à loucura como ao último meio de salvação da vida.
Vendo assim o louco reconhecer o presente individual, também muito do passado individual, de modo correto, sem fazê-lo contudo com a conexão, as relações, agindo e falando então de maneira adoidada; percebemos neste o seu ponto de contato com o indivíduo genial: pois também este, abandonando o conhecimento das relações, que é conforme ao princípio de razão , para ver nas coisas apenas suas idéias, e procurar apreender sua essência apresentada intuitivamente, a cujo respeito uma coisa representa o conjunto da sua espécie, fazendo, nas palavras de Goethe, um caso valer mil, também o homem de gênio negligencia o conhecimento das relações das coisas.
O conhecimento que examina o que não está submetido a qualquer principio de razão é arte, a obra do gênio. Ela reproduz as idéias eternas, apreendidas mediante pura contemplação, o essencial e permanente de todos os fenômenos do mundo.

§ 37

Se percebemos com mais facilidade a idéia na obra de arte, do que imediatamente na natureza e na realidade, isto é devido a que o artista que conheceu apenas a idéia e não mais a realidade também reproduz em sua obra unicamente a idéia, isolando-a da realidade, suprimindo todas as contingências perturbadoras. O artista nos permite contemplar o mundo por sus olhos.

§ 38

Todo querer se origina da necessidade, portanto, da carência, do sofrimento. A satisfação lhe põe um termo, mas para cada desejo satisfeito, dez permanecem irrealizados.
Contudo, quando um estímulo exterior, ou uma disposição interior, nos arranca da torrente infinita do querer, libertando o conhecimento do serviço da vontade, a atenção não é mais dirigida para os motivos do querer, compreendendo as coisas livres de sua relação com a vontade, examinando-as sem interesse, sem subjetividade, de modo estritamente objetivo, abandonado-se a elas enquanto representações e não enquanto motivos, então se apresenta de um golpe aquele repouso, que tanto se buscou por aquela primeira via, instituindo um bem-estar total.

§ 39

O que distingue o sentimento do sublime do sentimento do belo é que no belo o predomínio do conhecimento puro se exerce sem luta, a beleza do objeto e sua constituição, facilitando o conhecimento de sua idéia, afastando a vontade e o conhecimento das relações que coroam seus serviços sem oposição, e portanto, imperceptivelmente, da consciência, que persiste como puro sujeito do conhecimento, destituído inclusive de toda recordação da vontade; em contraposição, em face do sublime, este estado de conhecimento puro é conquistado primeiramente por meio de uma libertação violenta das relações do objeto com a vontade reconhecidas como desfavoráveis, por meio de uma elevação livre e consciente acima da vontade e do conhecimento a ela referido.
Quando nos perdemos na contemplação da grandeza infinita do mundo no espaço e no tempo, refletindo sobre os milênios passados e futuros - ou também quando à noite o céu traz realmente a nossos olhos mundos sem numero, agindo assim sobre a consciência a incomensurabilidade do mundo nos sentimos reduzidos à insignificância, sentimo-nos como indivíduo, como corpo animado, como fenômeno transitório da vontade, como gota no oceano, sumindo e se perdendo no nada. Mas ao mesmo tempo se ergue contra um tal fantasma de nossa própria nadidade, contra tal impossibilidade enganosa, a consciência imediata, de que todos estes mundos existem somente em nossas representação, apenas como modificações do sujeito eterno do conhecimento puro, pelo qual nos tomamos logo que esquecemos a individualidade, que é o portador necessário, condicionante de todos os mundos e todos os tempos. A grandeza do mundo, que antes no inquietava, agora repousa em nós: nossa dependência em relação a ela é suprimida pela sua dependência de nós.
Nossa explicação do sublime permite inclusive sua transposição ao ético, ou seja, àquilo que se designa por caráter sublime. Também este se origina por a vontade não ser estimulada por objetos, que aliás seriam apropriados a fazê-los, mas por o conhecimento manter o predomínio. Um caráter tal considerará portanto os homens de modo puramente objetivo, e não conforme as relações que eventualmente possuam para com sua vontade, por exemplo, perceberá seus erros, mesmo seu ódio e sua injustiça em relação a si próprio, sem por isto ser conduzido ele próprio ao ódio; observará sua felicidade, sem sentir inveja; reconhecerá suas boas qualidades, sem contudo almejar ligação mais íntima com eles; apreciará a beleza das mulheres, sem cobiçá-las.

§ 40

Porque os opostos se elucidam, é oportuno assinalar aqui que o propriamente oposto do sublime é algo que à primeira vista não é reconhecido como tal: o provocante. Na pintura histórica e na escultura o provocante consiste em figuras despidas, cuja posição, seminudez, e modo de apresentação se dispõem a provocar no observador a lascívia, com que imediatamente se suprime a pura observação estética, contrapondo-se ao objetivo da arte.O provocante portanto há que ser evitado sempre na arte.

§ 41

Como duma parte toda coisa existente pode ser contemplada de modo puramente objetivo e exterior a todas as relações, e doutra parte também em toda coisa se apresenta a vontade, em um grau qualquer de sua objetividade, tornando-se expressão de uma idéia, assim toda coisa é bela. A figura e a expressão humana são o objeto mais importante das artes plástica, assim como a atividade humana o mais importante objeto da poesia. Contudo, toda coisa possui sua beleza específica, não apenas tudo o que é orgânico e se apresenta na unidade de uma individualidade, mas também tudo que é inorgânico, disforme, inclusive todo artefato. Pois tudo isto revela as idéias, pelas quais a vontade se objetiva nos graus mais inferiores, constituindo a afirmação pelos contrabaixos mais retumbantes da natureza. Gravidade, rigidez, fluidez, luz, etc., são as idéias que se exprimem em rochas, edifícios, correntes de água. De acordo com nossa visão, não podemos concordar com Platão (De Rep., X, e Parmênides), ao afirmar que mesa e cadeira exprimem a idéia mesa e cadeira; a nosso ver exprimem as idéias já expressas por seu material puro, como tal. Seja mencionado ainda nesta oportunidade um outro ponto, em que nossa doutrina das idéias diverge da de Platão: Ensina este (De Rep., X., p. 288) que o objeto que a arte pretende produzir, constitui o modelo da pintura e da poesia, não a idéia, mas a coisa individual.


§ 52

Do capítulo 42 ao 51 Schopenhauer considera todas as belas artes de seu grau mais inferior até o mais alto grau de objetivação da vontade. Após isto, Schopenhauer considera a música.

Após havermos considerado todas belas artes, na generalidade apropriada a nosso ponto de vista, iniciando pela arquitetura, tendo por fim a expressão da objetivação da vontade no grau mais inferior de sua visibilidade, onde se mostra como impulso opaco, regular, destituído de conhecimento, da massa, mas mesmo assim revelando antagonismo e disputa interna entre a gravidade e a rigidez, e encerrando nossa consideração com a tragédia, que apresenta no mais alto grau de objetivação da vontade precisamente esta sua luta consigo mesma com clareza e dimensões terríveis, percebemos que uma das belas artes permaneceu excluída de nossas considerações, e era necessário que assim fosse, pois no encadeamento sistemático de nossa apresentação não havia lugar apropriado para ela: a música. Esta se situa inteiramente isolada de todas as outras. Não reconhecemos nela qualquer cópia, reprodução de uma idéia dos seres no mundo, contudo trata-se de uma arte a tal ponto grandiosa e majestosa, a atuar tão intensamente sobre o que há de mais interior no homem, onde é compreendida com tal intensidade e perfeição, como se fosse uma linguagem totalmente comum, cuja clareza ultrapassa mesmo a do próprio mundo intuitivo. Contudo o ponto de comparação entre a música e o mundo, o modo pelo qual aquela se relaciona com este, como cópia ou reprodução, se encontra profundamente oculto.
Portanto de modo algum a música é, como as outras artes, reprodução das idéias, mas reprodução da própria vontade, cuja objetividade também são as idéias, por isto o efeito da música é tão mais poderoso e incisivo do que o das outras artes, pois essas somente se referem à sombra, aquela porém à essência. Como entrementes é a mesma vontade que se objetiva, ora nas idéias, ora na música, apenas em cada uma de modo inteiramente diverso, assim deve haver, mesmo que não uma semelhança direta, pelo menos um paralelismo, uma analogia entre a música e entre as idéias, cujo fenômeno na multiplicidade e imperfeição constitui o mundo visível..


Arthur Schopenhauer (1788 - 1860), filósofo alemão nascido em Dantzig.
Partindo essencialmente de Kant, Schopenhauer considera o mundo de nossa experiência como representação.
Para Schopenhauer a vontade de viver designa uma força universal de todos os seres. A vontade se manifesta na força cega da natureza e encontra-se na conduta do homem.






Bibliografia.
SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação: Porto - Portugal, Rés

     

 
 
Como referenciar: "Relato do leitor" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2025. Consultado em 17/06/2025 às 00:14. Disponível na Internet em http://www.filosofia.com.br/vi_relato.php?id=39