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Relato do leitor

 
(26/Jul) Buscas
 
Busca

Hoje recebi a visita de um amigo dos tempos da faculdade, uma amizade de quase 16 anos. Estávamos nos lembrando de nossa turma, pequena, porém muito diversificada.

Tinha um bancário, um comunista que fazia poesia, duas moças eram professoras de educação infantil e também gostavam de poesia, outras duas queriam estudar psicologia. Um policial rodoviário também fazia parte da turma, um músico, um micro empresário da área de telefonia e escritor de poesias, uma micro empresária do ramo de construção civil, um comerciário, umas três moças que queriam ser professoras, um sindicalista. Tinha alguns metalúrgicos, uma moça que gostava de música alternativa, de esoterismo e poesia, uma professora de tai chi chuan, dois seminaristas, uma noviça, uma secretária da paróquia, um missionário, um paraquedista e provavelmente mais alguns que não nos lembramos, afinal já se passaram mais de 15 anos desde nosso primeiro encontro.

Advertência: Quando rotulamos, como fiz acima, reduzimos as pessoas ao rótulo. Porém o ser humano é muito mais que este rótulo que usamos para identifica-las. O rótulo mostra apenas uma das características da pessoa.

Pelas informações que tenho, o nosso amigo bancário fazia o curso para manter-se no emprego, o banco que ele trabalhava foi comprado por outro e na política de cargos do novo patrão um supervisor tinha que ter curso superior, senão estava fora. O militante do PC do B e poeta, aparentemente, buscava mais conhecimento sobre essa ideologia que ele tanto defendia e o colocava na condição de opositor a tudo que vinha do governo, ao que ele chamava de sistema. As moças da educação infantil estavam ali porque não conseguiram entrar no curso de pedagogia, elas se transferiram para o curso de pedagogia depois de algum tempo. As colegas que gostavam de psicologia foram para a filosofia como segunda opção, estudaram psicologia posteriormente. Não sei do objetivo de todos que estavam ali, nem se todos tinham de fato um objetivo.

Alguns atingiram suas Buscas, outros não, alguns mudaram a Busca no meio do caminho, outros se tornaram algo que nunca sonharam. Porém, de alguma forma as experiências que vivemos ali passaram a fazer parte de nossa caminhada existencial.


A questão da Busca do ser humano nos leva há uma série de questões:
Quando buscamos realizar algo partimos do pré-suposto que não temos um destino pré-determinado. Aqui cabem algumas variações, alguns acreditam que temos vários caminhos possíveis e cabe a nós escolher um deles, outros acreditam que o caminho é flexível e conseguimos muda-lo, porém dentro de um limite. Conheci uma pessoa que era dona de seu próprio destino e atribuía a responsabilidade de seu caminho a si próprio. Temos também as pessoas que não pensam sobre o assunto, outros que embora acreditem em uma das teorias acima não se orientam por ela.

Na Grécia antiga esta questão aparece na história de Édipo. Seu pai Laio consultou o oráculo e descobriu que seria morto pelo filho e que este se casaria com a própria mãe. Laio então abandonou o filho no monte Citerão para que morresse. Porém o menino foi encontrado e criado por outra família. Depois de adulto Édipo ficou sabendo da mesma história pelo oráculo: que mataria seu pai e casaria com sua mãe. Édipo então decide sair de casa para fugir de seu destino, porém, sem saber que era adotado, vai para a cidade em que moravam seus pais biológicos. Chegando nesta cidade matou o pai e se casou com a mãe, sem saber quem eram. Assim, ao fugir do que lhe estava predestinado acabou caminhando em direção ao seu destino.

Muitas pessoas são donas de seu destino, notamos em suas historicidades que elas decidem para onde querem ir e são responsáveis por estar onde estão. Porém, isso não é uma regra para todos, algumas pessoas vivem à mercê do acaso ou deixam que outras pessoas decidam por elas. Para algumas pessoas tomar uma decisão e ser responsável por ela é algo temerário, são incapazes de defender sua posição, assim deixam que outros decidam ou que os acontecimentos deem o encaminhamento. Podemos dizer que a pré-destinação pode existir para algumas pessoas, para outras não, elas fazem seus caminhos.

Na prática do dia-a-dia encontramos pessoas que se estruturaram de forma a não se importarem com o futuro, não buscam nada, querem apenas viver o momento, as oportunidades, as aventuras, as alegrias, as tristezas, mas desde que sejam no presentes. Algumas pessoas passam a vida como turistas, parece que estão no mundo a passeio, não querem muito, não lutam por nada.

Notamos com isso que não existe uma receita ideal, não podemos dizer que o ser humano deve viver apenas o momento e nem que ele precisa sempre estar buscando algo. O que vamos ver na prática é que cada um se estruturou de forma diferente e que a resposta está dentro de cada um. A falta de objetivo pode paralisar uma pessoa a ponto desta não conseguir caminhar, pois para isso precisa de um alvo no final. Porém, para outras pessoas isso não faz o menor sentido. Uma ação, uma decisão, uma iniciativa só faz sentido se trouxer uma resposta imediata, algo palpável para o momento, não faz sentido viver o presente se orientando pelo futuro.

Para algumas pessoas a Busca existe apenas como abstração, elas precisam querer alguma coisa, sempre dizem o que querem, porém não vão em direção a esta Busca, nem precisam ir, pois isso não as afeta. Porém, se uma busca é determinante na vida de uma pessoa, suas ações são direcionadas por esta.

Uma pessoa pode trabalhar para a realização da Busca de outra. Vimos isso, por exemplo, na relação entre casais que se ajudam mutuamente para atingir os objetivos de um e de outro. Isso pode acontecer em vários casos, na relação entre pais e filhos também há compartilhamento de Buscas.

Uma busca pode ser pequena e se realizar em poucos meses. Porém, temos exemplos de buscas que uma geração não é o suficiente para sua realização, assim vimos filhos e netos trabalhando para a realização ou continuação de uma causa que teve inicio em gerações anteriores.

Ter uma busca pode ser algo pesado para algumas pessoas, pode lhes tirar o sono, sua tranquilidade, sua paz. Algumas pessoas podem piorar sua qualidade de vida diante de uma busca. Em alguns casos isso ocorre por não saberem lidar com ela, por não saberem dosar suas energias em sua direção.


Recentemente um amigo fez um curso e me falou empolgado sobre o que aprendera. Chamou-me a atenção o que o instrutor fez nos final do curso: pediu a todos os alunos que traçassem um objetivo, uma meta para os próximos 5 anos. Perguntou aos participantes: "onde vocês querem estar daqui a 5 anos, o que vocês imaginam que estarão fazendo? Pensem em algo e escrevam, pensem no que vocês estão fazendo para atingir este objetivo e o que vocês podem fazer, não sejam modestos".

A advertência aqui é que a Busca nem sempre é uma receita adequada, o ser humano possui alternativas, muitas outras. Não existem respostas prontas, cada um possui sua própria história, suas experiências, suas formas de lidar com as coisas, suas peculiaridades. Para sabermos o que é mais adequada a uma pessoa temos de conhecê-la, precisamos de sua historicidade. A sua Estrutura de pensamento indicará o caminho.
     

 
 
Como referenciar: "Relato do leitor" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2025. Consultado em 17/06/2025 às 04:34. Disponível na Internet em http://www.filosofia.com.br/vi_relato.php?id=30