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Resenhas de um Clássico

(17/Set) O Princípio Responsabilidade, de Hans Jonas
Responsável - Will Goya


Por que Hans Jonas poder ser considerado um clássico na filosofia contemporânea? Todas as éticas clássicas: antigas, modernas e contemporâneas até o momento da publicação de O Princípio Responsabilidade não lidavam diretamente com os seres futuros quanto à possibilidade de termos responsabilidades e deveres para com eles; apenas com aqueles que já existem (proximidade no tempo, embora não no espaço). Com Jonas inicia-se uma nova perspectiva quanto aos seres futuros exigirem eticamente compromisso daqueles que os gerarão - mesmo que ainda não tenham sido gerados. Jonas coloca, portanto uma questão antes em aberto, qual seja: não haveríamos de nos preocupar com quem realmente ainda não existia e quiçá poderia nem vir a existir. Contudo, Jonas assevera que não é bem assim, pois o futuro não pode ficar refém de atos irresponsáveis para aqueles que eventualmente venham a nascer tornando-o inviável para esses futuros (eventuais) seres. Em uma abordagem tout court é basicamente isso que torna o filósofo alemão um clássico contemporâneo: o ineditismo de suas reflexões sobre os seres futuros e a nossa responsabilidade para com eles.

Hans Jonas nasceu em 1903, em Möchengladbach, Alemanha. Estudou filosofia e teologia em Freiburg, Berlim e Heidelberg. Foi aluno de Martin Heidegger (considerado por muitos o maior filósofo da Alemanha no século XX, apesar de sua adesão ao nazismo por 10 meses) e de Rudolf Bultmann (um dos mais célebres teólogos reformistas alemães). No período o qual Hitler ascendeu ao poder, Jonas fugiu para Inglaterra, foi membro do exército britânico, e depois Palestina. Mudou-se finalmente para New York (EUA) onde viveu até sua morte em 1993.

Influenciado pela analítica existencial de Heidegger, pela fenomenologia de Husserl, pela leitura cristã, crítica das perspectivas éticas clássicas e modernas, de Bultmann e pelos horrores dos campos de concentração nazista, concentrou-se em construir uma teoria ética que fizesse frente à perene possibilidade de a humanidade destruir-se utilizando o enorme avanço tecnológico contemporâneo. Em 1979 publica o que se tornaria sua obra magna: O Princípio Responsabilidade: ensaio para uma ética da civilização tecnológica (1).

A época a qual Jonas viveu ajuda-nos a compreender o porquê da busca por uma ética da vida futura e o porquê de tantos pensadores e pensadores terem se esforçado para construírem perspectivas teóricas que nos ajudassem a compreender o que deu errado com os ideais do Iluminismo.

O período da ascensão do nazismo na Europa, em especial Áustria e Alemanha, tornou-se o contraponto contemporâneo ao Iluminismo dos séculos XVII, XVIII e XIX. A Época das Luzes fez surgir o ideal da superação das guerras, das superstições, das intolerâncias, da submissão aos dogmas, da escravidão e dos direitos individuais civis. Mas o projeto iluminista enfrentou toda uma série de fatores históricos contrários: a reação romântica, guerras, perseguições religiosas, manutenção da rota do tráfego internacional de escravos por países como o Brasil (o qual assumiu todas as rotas da Inglaterra quando essa abandonou o tráfego de escravos a partir de 1809).

Os campos de concentração na Polônia, Alemanha, dentre outros, tornaram-se o grito antiiluminista por excelência, a zombaria suprema ao ideal da razão iluminadora. O uso sistemático das mais modernas técnicas disponíveis à época de Hitler tornou a razão, doravante, suspeita de abrigar aquilo que mais denunciava: a possibilidade da destruição sistemática da vida em escalas antes inimagináveis. Esse é o transfundo histórico no qual, dentre outros pensadores da ética contemporânea, Hans Jonas irá se debater durante toda a sua vida.

Em O Princípio Responsabilidade analisam-se as éticas clássicas e modernas e procura demonstrar-se como estas não consegue lidar com a possibilidade ou com o futuro, mas apenas com a proximidade e com o presente. A partir dessa impossibilidade dos sistemas éticos clássicos e modernos, Jonas propõe sua tese: devemos evitar arriscar a vida humana futura, ou seja, diante dos avanços inevitáveis das tecnologias devemos nos perguntar se temos o direito de arriscar a vida futura da humanidade e do planeta. Jonas conclui que não devemos, embora tenhamos o poder tecnológico e a arrogância política, porque não temos o direito de estabelecer o fim da vida humana e planetária como um princípio ético válido, justificável. A fim de evitar a circularidade em seu raciocínio, Jonas toma como exemplo concreto a atitude dos pais diante da possibilidade da vida de seus filhos, evitando colocar seu futuro como ser humano em risco apesar de o filho ou filha ser apenas uma possibilidade eventualmente não concretizável - o bebê pode não vir a nascer. Esse ponto será retomado durante toda a trajetória teórica de Jonas em suas obras posteriores.

O livro está dividido em seis capítulos com algumas passagens menos sistemáticas do que as outras - aqui e ali Jonas anuncia a necessidade de outra obra a fim de analisar pormenores que escapariam à sua análise em O Princípio Responsabilidade . No capítulo I é feita a análise das diferentes perspectivas éticas clássicas e modernas ao longo de nove tópicos procura demonstrarem-se como as perspectivas clássicas e modernas não lida com a possibilidade do futuro ou com a vida potencial e seu direito à existência.

No capítulo II desenvolve-se o projeto de tese e esboço do método mediante seis tópicos quanto à necessidade de um princípio responsabilidade que alcance as gerações futuras e vida planetária.

No capítulo III o pensador alemão, em cinco tópicos, constrói uma perspectiva crítica ontológico-ética a partir de algumas categorias fenomenológicas e heideggerianas quanto aos conceitos de "bem", "valor", "vida", "sobrevivência", "medo", "proximidade" e "futuro".

No capítulo IV Jonas mediante sete tópicos desenvolve toda a sua perspectiva de uma ética da responsabilidade baseada no cuidado com as futuras gerações e com a vida planetária perpassando a política, religião, valores morais e comparando com o marxismo como uma forma de utopia política que pretendeu alcançar o futuro também eticamente.

No capítulo V analisa-se em seis tópicos a idéia contemporânea de progresso, os avanços tecnológicos e científicos, o capitalismo versus marxismo como duas formas de lidar com os problemas advindos dos avanços tecnológicos e científicos e as utopias que movem essas duas concepções políticas.

No último capítulo Jonas por meio de três tópicos procura demonstrar, à luz do princípio responsabilidade, como nem o capitalismo nem o socialismo são capazes de lidar com a possibilidade da vida futura e conclui pela necessidade absoluta de uma ética da responsabilidade tanto humana quanto planetária.

Destaque-se que o enorme esforço teórico de Jonas suscitou e ainda suscita muitas polêmicas quanto aos pressupostos evocados pelo pensador alemão: (1) o medo de ferir as gerações futuras como um princípio ético absoluto, (2) a tecnologia como uma face onde a possibilidade da catástrofe é maior do que a possibilidade de evitá-la, (3) as utopias políticas vigentes como incapazes de lidar com o futuro, (4) a sua leitura das perspectivas éticas clássicas e modernas como relativas exclusivamente as relações éticas presentes ou próximas e incapazes de lidar com a possibilidade da vida futura.

O livro de Jonas merece uma leitura atenta e cuidadosa porque propõe uma reflexão cada vez mais necessária a nossa sobrevivência e a do planeta. E o seu princípio responsabilidade abre uma perspectiva de diálogo crítico em uma época onde o niilismo tecnológico e político fez sua morada, talvez, definitiva.

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1.JONAS, Hans (2006) O Princípio Responsabilidade: Ensaio de uma Ética para a civilização tecnológica. RJ: Contraponto / PUC-RIO.
 
       

 
 
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