Herbert Spencer - Classificação das Ciências ÍNDICE Prefacio Classificação das Ciências Post-Scriptum, em resposta aos críticos Porque me separo de Augusto Comte Das leis em geral PREFÁCIO Herbert Spencer natural de Derby (1820) faleceu em Brighton. Seu pai, modesto professor na sua terra natal, orientou-o, incutindo-lhe no espírito hábitos de observação das coisas e de reflexão. De saúde delicada, Spencer recebeu uma educação essencialmente doméstica. Confiado mais tarde aos cuidados de um tio, pastor anglicano, muito cedo manifestou propensão pelo estudo da natureza, e, durante muitos anos, a sua preocupação predileta foi colecionar insetos; também se entregou com carinho, igualmente, ao estudo da a “scientia amabilis" de Lineo: - a Botânica. Os pais de Spencer, a princípio metodistas, converteram-se depois à seita dos “quakers". O espírito de Spencer, porém, influenciado por Stuart Mill e pela sua inclinação a ciência, tornava-o eminentemente liberal em matéria religiosa. Ao pensamento dos seus progenitores, de enviá-lo a Cambridge, Spencer apôs-se tenazmente, prosseguindo os seus estudos a sós. Em 1837, começou a trabalhar na via férrea Londres-Birmingham, sob a direção de um engenheiro, e se entregou, durante alguns anos, aos estudos de engenharia. A seguir, esteve empregado no "The economist", do qual se tornou diretor, em 1848, cargo que exerceu até 1852. Dedicou-se, entretanto, ardentemente, ao estudo que jamais interrompeu senão nas fases agudas, reiteradas, da moléstia que o vitimou. A vida de Spencer girou toda em torno do trabalho e da reflexão. Assim, esse escritor deixou-nos uma obra volumosa, que, com razão, considerava como sua missão ultimar, conseguindo-o, aliás, em 1896, com a enorme satisfação de um dever cumprido. A obra de Herbert Spencer é, sobretudo, de caráter filosófico. Gênio enciclopédico, tudo compendiou e abrangeu nos seus escritos. O seu nome acha-se ligado indissoluvelmente a teoria da evolução ou evolucionismo, escola que ainda hoje encontra prosélitos mais ou menos disfarçados. Na Sociologia, foi organicista. A maior gloria de Spencer consiste em haver estabelecido uma sucessão perfeita, sem hiatos, entre os vários reinos da natureza e o reino humano ou social, sem o qual seria impossível existir apropria ciência. Em nossos dias, a vasta literatura Spenceriana ainda é atual. Sua leitura atenta predispõe o espírito para largos voos no campo da especulação cientifica, não se falando do rico manancial nela pacientemente acumulado por esse gênio fecundo. RODRIGUES DE MERÉJE. CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS I Em um ensaio sobre a “gênesis da ciência", publicado pela primeira vez em 1854, tentei demonstrar que as ciências não podem ser racionalmente dispostas em ordem serial. Neste opúsculo, consagrado em parte a crítica da classificação de Comte, provei que nem a ordem de sucessão, segundo a qual esse autor dispõe as ciências e nem outra qualquer em que se possa dispô-las, não representam a sua dependência lógica, nem a sua dependência histórica. Deixei, então, de lado, a questão de saber como seria possível determinar exatamente as relações das ciências entre si; hoje, é essa a questão que me proponho examinar. Uma classificação verdadeira contém, em cada classe, os objetos que têm entre si mais caracteres comuns do que cada um dentre eles apresenta com os objetos exclui dos dessa classe. Demais, os caracteres que são comuns aos objetos que constituem um só todo, e que não pertencem a outros objetos, têm mais importância que aqueles que podem pertencer a outros objetos, isto é, envolvem maior número de caracteres subordinados. São estas as duas faces de uma mesma definição; porque as coisas que possuem em comum maior número de atributos são precisamente as que possuem em comum os atributos essenciais de que as outras dependem, e, reciprocamente, a posse em comum dos atributos essenciais compreende a posse em comum do maior número de atributos. Segue-se disto que um ou outro caráter pode servir, segundo as circunstâncias e as necessidades. Por conseguinte, se é possível classificar as ciências, isso só será possível agrupando os objetos semelhantes, e, à parte, os objetos diferentes, conforme a definição acima dada. É o que vamos tentar fazer. A mais ampla divisão natural das ciências é a que as divide em duas classes: ciências que têm por objeto as relações abstratas em que os fenômenos se nos apresentam, e as que têm por objeto os próprios fenômenos. As relações de qualquer ordem apresentam entre si mais afinidade do que com qualquer outro objeto. Os objetos de qualquer ordem têm uns com os outros mais afinidade do que com qualquer relação. Quer o espaço e o tempo sejam, como alguns consideram, formas do pensamento, ou, como considero, formas das coisas transformadas em formas do pensamento por meio do conhecimento organizado e hereditário, é sempre verdade que o espaço e o tempo são absolutamente diferentes das coisas que encerram, e que as ciências que tratam exclusivamente do espaço e do tempo são separadas por uma linha profunda de demarcação das ciências que se ocupam das coisas compreendidas no espaço e no tempo. O espaço é uma ideia abstrata que encerra todas as relações de coexistência. O tempo é uma ideia abstrata que abrange todas as relações de sucessão. Ora, como as relações de coexistência e sucessão, em suas formas gerais e particulares, são o único objeto da Lógica e da Matemática, estas formam uma classe de ciências que diferem muito mais das outras ciências, do que estas últimas divergem entre si. As ciências que não se ocupam das fôrmas várias sob as quais as coisas nos aparecem, mas das próprias coisas, comportam uma subdivisão menos profunda do que a divisão acima indica da, mas mais profunda do que qualquer outra divisão entre as ciências consideradas cada uma de per si. Dividem-se em duas classes, de aspecto, fim e meto dos diferentes. Cada fenômeno é mais ou menos complexo e a manifestação de uma força sob vários modos. Disto resultam dois objetos de investigação: podemos estudar separadamente cada um dos diferentes modos de força, ou então podemos estudá-los em suas relações, isto é, como elementos produtores desse fenômeno complexo. De um lado, desprezando todas as circunstâncias dos casos particulares, podemos tentar desembaraçar as leis de cada modo de força, operando só; de outro lado, tendo em conta todas as circunstâncias dos casos particulares, podemos tentar explicar o fenômeno inteiro, como produto de múltiplas forças agindo simultaneamente. As verdades obtidas pelo primeiro modo de investigação, embora concretas quando se referem a uma realidade objetiva, são, entretanto, abstratas, quando se referem a modos de existência considerados separadamente uns dos outros enquanto que as verdades obtidas pelo segundo modo de investigação são propriamente concretas, desde que representam os fatos em seu estado de combinação, isto é, tais como existem na natureza. Podemos, pois, apresentar do seguinte modo as principais divisões da ciência: Ciência é: 1 – A que trata das formas sobas quais os fenômenos nos aparecem. 1.1 – Ciência abstrata 1.1.2 – Lógica e matemática 2 – A que trata dos próprios fenômenos estudados. 2.1 – Em seus elementos 2.1.1 - Ciência abstrato-concreta 2.1.1.1 – Mecânica, Física, Química, etc., 2.2 – No seu conjunto 2.2.1 – Ciência concreta 2.2.1.1 - Astronomia, Geologia, Biologia, Psicologia, Sociologia, etc. É necessário dizer que sentido dou aqui às palavras abstrato e concreto, porque são algumas vezes tornadas em outros sentidos. Comte divide a ciência em abstrata e concreta; mas as divisões que ele estabelece por estas palavras são completamente diferentes das que adoto aqui. Em vez ele considerar certas ciências como inteiramente abstratas e outras como inteiramente concretas, ele considera cada uma como sendo em parte abstrata e em parte concreta. Ha, segundo a sua opinião, uma Matemática abstrata e uma Matemática concreta, uma Biologia abstrata e uma Biologia concreta. "É preciso distinguir, diz ele, em relação a todas as ordens de fenômenos, duas espécies de ciências naturais: umas abstratas, gerais, têm por fim a descoberta das leis que regem as diversas espécies de fenômenos, considerando todos os casos que se podem conceber; outras concretas, particulares, descritivas, e que se designam algumas vezes pelo nome de ciências naturais propriamente ditas, consistem na aplicação dessas leis a história efetiva de diferentes seres existentes". E para apoiar esta distinção sobre exemplos, cita a Fisiologia geral como ciência abstrata, e a Zoologia e a Botânica como ciências concretas. Aqui é evidente que as palavras abstrato e geral são empregadas como sinônimas. Entretanto, elas possuem significações diversas que convém distinguir. A palavra abstrato aplica-se a um fato destacado da soma das circunstâncias de um fenômeno particular; a palavra geral aplica-se a um fato que resume, em si, ou representa muitos fatos análogos. De um lado, consideram-se os caracteres próprios de um fenômeno, independentemente dos outros fenômenos com os quais pode estar envolvido; de outro lado, somente se considera a repetição ou a frequência do fenômeno, sem se preocupar em saber se está ou não ligado a outros fenômenos. As relações ideais dos números são, ao mesmo tempo, abstratas e gerais; mas, fora disso, uma verdade abstrata jamais pode ser objeto de percepção, enquanto que uma verdade geral é objeto de percepção em todos os casos possíveis. Alguns exemplos tornarão clara esta distinção: é uma verdade abstrata que o angulo inscrito em um semicírculo é angulo reto, abstrata no sentido de ser afirmada não pelos semicírculos e pelos ângulos reais, que são sempre imperfeitos, mas pelos semicírculos e pelos ângulos concebidos por abstração do modelo dos semicírculos e dos ângulos concretos; mas esta verdade abstrata não é uma verdade geral, quer no sentido dela manifestar-se comumente na natureza, quer no sentido de consistir uma relação no espaço compreendendo muitas relações secundarias da mesma espécie, porque ela constitui uma relação no espaço inteiramente particular. Outro exemplo: que o movimento de um corpo o obrigue a mover-se em linha reta com velocidade uniforme, é verdade abstrato-concreta: abstrata, por estar separada de certos fatos cujo complexo constitui um fenômeno concreto; mas esta verdade não é inteiramente verdade geral; tanto não é que não há fato algum na natureza que a confirme por exemplo. Reciprocamente, tudo que nos cerca fornece-nos milhares de verdades gerais que não são de nenhum modo abstratas. É uma verdade geral que os planetas giram ao redor do sol de Oeste para Leste, verdade de que temos cem exemplos sob os olhos (mesmo no que concerne aos asteroides); mas esta verdade não é absolutamente abstrata, visto como ela se realiza para nós como um fenômeno concreto. Todos os vertebrados têm duplo sistema nervoso; todos os passaras e mamíferos têm sangue quente: são outras tantas verdades gerais, mas concretas, isto é, que cada vertebrado nos oferece individualmente a manifestação completa e absoluta dessa dualidade do sistema nervoso, que cada pássaro vivo nos oferece um tipo perfeito da sua espécie considerado como representante da raça dos animais de sangue quente. O que chamamos e o que devemos entender aqui por verdade geral é simplesmente a proposição que resume certos fatos atualmente observados por nós, e não a expressão de uma verdade colhida nas nossas observações atuais, não verificada em nenhum dos fatos observados. Por outros termos, a verdade geral resume um certo número de verdades particulares, enquanto que a verdade abstrata não resume verdades particulares, mas formula uma verdade que é envolvida em certo número de fenômenos, mas que, entretanto, não se encontra atualmente realizada em nenhum deles. Emprestando deste modo, às palavras, a sua significação própria, torna-se evidente que as três classes de ciências apresentadas acima não podem ser distinguidas umas das outras por seu grau de generalidade. Todas são igualmente gerais, ou antes, universais, se as consideramos como grupos. Cada objeto, qualquer que seja, fornece a cada uma delas matéria própria, e isto, ao mesmo tempo. A menor partícula de matéria apresenta simultaneamente verdades abstratas, que são as relações no tempo e no espaço, verdades abstrato-concretas, que são os modos de ação particular pelos quais a força se manifesta nessa partícula, e, finalmente, verdades concretas, que são as leis da ação combinada desses diferentes modos de força. Assim estas três classes de ciências se ocupam, cada uma de per si, de classes de fatos diferentes, mas coextensivos. Em cada grupo se encontram verdades mais ou menos gerais, verdades abstrato-gerais e verdades abstrato-particulares; verdades abstrato-concretas gerais e verdades abstrato-concretas particulares; verdades concretas gerais e verdades concretas particulares. Mas se, em cada classe, os grupos que a dividem e a subdividem diferem entre si por seus graus de generalidade, as próprias classes diferem entre si por seu grau de abstração. (Certas proposições emitidas por Littré em um livro publicado recentemente e intitulado: Augusto Comte e a Filosofia positiva exigem um exame que não será fora de propósito nesta ocasião. Na sua resposta franca e cortes a crítica que fiz, Genesis da ciência, a classificação de Comte, ele tenta explicar certas contradições assinaladas por mim estabelecendo distinção entre generalidade objetiva e generalidade subjetiva: “Existe, diz ele, duas ordens de generalidades: uma objetiva e nas coisas; outra subjetiva, abstrata e no espírito". Esta frase, pela qual Littré identifica a generalidade subjetiva e a abstração, me fez a princípio acreditar que ele teve em vista a mesma distinção que eu estabeleci mais acima entre a generalidade e a abstração. Mas, relendo o parágrafo, percebi que não era assim. Em uma frase precedente, diz: "A Biologia passou da consideração dos órgãos á dos tecidos, mais gerais do que os órgãos, e da consideração dos tecidos á dos elementos anatômicos, mais gerais do que os tecidos. Mas esta generalidade crescente é subjetiva, não objetiva; abstrata e não concreta ". Aqui é evidente que as palavras abstrato e concreta têm pouco mais ou menos o sentido que lhes dá Comte, que, como vimos, considera a Fisiologia geral como abstrata, e a Zoologia e a Botânica como concretas. E é evidente que a palavra abstrato, de que se servem aqui, não é empregado no seu sentido próprio. Porque, como acima se demonstrou, fatos tais como os da estrutura anatômica não podem ser fatos abstratos pois que podem ser somente mais ou menos gerais. Vejo-me também impossibilitado de seguir Littré, quando considera esses fatos mais gerais da estrutura anatômica como subjetivamente gerais e não como objetivamente gerais. Os fenômenos orgânicos apresentados por um tecido qualquer tal como a membrana mucosa, são mais gerais do que os fenômenos apresentados por este ou aquele órgão formado pela membrana mucosa, simplesmente no sentido de que os fenômenos particulares à membrana se renovam em maior número de casos do que os fenômenos particulares ao órgão que a membrana contribui para formar. E, igualmente, os fatos relativos aos elementos anatômicos dos tecidos são mais gerais do que os fatos relativos a um tecido particular, no sentido de serem fatos apresentados em maior número de casos pelos corpos organizados; são objetivamente mais gerais, e se podemos dizer que são subjetivamente mais gerais, é somente no sentido da concepção corresponder aos fenômenos. Procuremos esclarecer este ponto. Ha, como diz com razão Littré, uma generalidade decrescente que é objetiva. Se deixamos de lado os fenômenos de dissolução, que são mudanças do particular para o geral, todas as mudanças que a matéria sofre são do geral para o particular, são mudanças que envolvem uma generalidade decrescente nos grupos reunidos de propriedades. Tal é a marcha das coisas. A marcha do pensamento dá-se não somente na mesma direção, mas ainda em direção oposta. O estudo da natureza nos oferece um número sempre crescente de fatos particulares; mas ela nos oferece ao mesmo tempo fatos inteiramente gerais nos quais se resumem os fatos particulares. Tomemos um exemplo. A Zoologia, à medida que vai multiplicando o número das espécies e completando o conhecimento de cada espécie (generalidade decrescente), vai descobrindo os caráteres comuns pelos quais as espécies se grupam em gêneros (generalidade crescente). Estes dois processos são um e outro subjetivo, e, neste caso, as duas espécies de verdades descobertas são concretas, isto é, formulam fenômenos que se manifestaram atualmente. Littré, apesar de reconhecer a necessidade de modificar em certos pontos a hierarquia das ciências tal como foi estabelecida por Comte, considera-a, entretanto, como verdadeira em substancia, e, para prova do seu valor, coloca na frente sobretudo a constituição essencial das ciências. Não é necessário examinar nesta ocasião detalhadamente os argumentos de que se serve para provar que a constituição essencial de cada ciência e justifica a ordem na qual Comte as dispôs. Bastará volver-nos ás páginas que precedem e para as que vão seguir-se; aí se encontrará a definição desses caracteres fundamentais que exigem uma classificação das ciências análoga à que indicamos. Como já mostrámos, e como mostraremos ainda mais claramente a seguir, as diferenças radicais que existem entre as ciências nos obrigam a dividi-las em três classes: ciências abstratas, ciências abstrato-concretas e ciências concretas. Para ver quanto esta divisão das ciências difere da classificação de Comte, bastará lançar um golpe de vista sobre esta última. Ei-la: Matemáticas (compreendendo a mecânica racional) em parte abstratas, em parte abstrato-concretas. Astronomia – Concreta; Física - Abstrato-concreta; Química - Abstrato-concreta; Biologia – Concreta; Sociologia – Concreta). Passando às subdivisões dessas classes, achamos que a primeira pode dividir-se em duas partes: uma contendo verdades universais, outra verdades não universais. Tendo por único objeto as relações consideradas independentemente das próprias coisas entre as quais existem, a ciência abstrata procura, em primeiro lugar, o que é comum a todas as relações em geral, e, em segundo lugar, o que é comum a cada ordem de relações em particular. Além das conexões indefinidas e variáveis existentes entre os fenômenos, enquanto se manifestam juntos no tempo e no espaço, achamos que há também conexões definidas e invariáveis, - que ha, entre cada espécie de fenômenos e outras espécies, relações uniformes. É uma verdade abstrata universal a existência de uma ordem imutável para as coisas, enquanto existem no tempo e no espaço. Chegamos após às diferentes espécies de relações invariáveis, que, consideradas juntas, constituem o objeto da segunda divisão da ciência abstrata. A subdivisão mais geral desta segunda divisão é a que se ocupa dos caracteres ou da natureza das relações no tempo e no espaço, considerados independentemente dos termos entre os quais existem. As condições que nos permitem afirmar uma relação de coincidência ou de proximidade no tempo e no espaço (ou uma relação de não coincidência ou de não proximidade), formam o objeto ou matéria da Lógica. Aqui a qualidade e a quantidade dos termos entre os quais as relações são afirmadas (ou negadas) não tem importância alguma: as proposições da Lógica são independentes de toda especificação qualitativa ou quantitativa das coisas unidas por relações. A outra subdivisão tem por objeto ou por matéria as relações entre os termos que são especificados sob o ponto de vista da quantidade, e não sob o ponto de vista da qualidade. Os termos em relação são estudados aqui em sua quantidade, sem nenhuma atenção à sua natureza ou às suas qualidades; e as Matemáticas têm por fim estabelecer as leis da quantidade considerada independentemente da realidade. A quantidade considerada independentemente da realidade é o lugar ocupado no espaço ou no tempo, e o lugar ocupado no espaço ou no tempo se mede pelo número, por extensões justapostas ou pelas durações sucessivas; isto é, que as quantidades podem ser comparadas e as relações entre elas estabelecidas, somente por uma enumeração direta ou indireta de suas unidades componentes, e que as unidades finais, em que todas as outras são decomponíveis, são pontos ocupados no espaço, que, percebidos ou concebidos pelo espírito se transformam em pontos ocupados no tempo. Entre as unidades não especificadas em suas naturezas (extensiva, protensiva ou intensiva), mas ás quais o espírito dá existência ideal e distinta dos atributos, as relações quantitativas que se concebe são as relações mais gerais que podem exprimir-se pelos números. As relações deste gênero dividem-se em duas espécies, conforme as unidades sejam consideradas simplesmente como capazes de ocupar pontos separados na consciência, ou conforme elas sejam consideradas como ocupando pontos não somente separados, mas iguais. Em um caso, temos o cálculo indefinido pelo qual os números de existências abstratas, mas não de quantidades de existência abstrata, são suscetíveis de determinação. No outro caso, temos o cálculo definido pelo qual os números de existências abstratas e de quantidades de existência abstrata são conjuntamente suscetíveis de ser determinadas. Vem depois a divisão das Matemáticas que se ocupa das relações quantitativas das grandezas ou dos agregados de unidades, considerados como coexistente ou como ocupando uma parte do espaço; - chama-se Geometria. E então chegamos às relações cujos termos compreendem ao mesmo tempo quantidades de duração e quantidades de extensão; - aquelas nas quais se avalia o tempo pelas unidades do espaço percorridas com velocidade uniforme, e outras nas quais, sendo dadas unidades iguais de tempo, se avalia os espaços percorridos com velocidades uniformes ou variáveis. As ciências abstratas, que tratam exclusivamente das relações e das relações entre relações, podem ser agrupadas como no quadro n. 1. Passando das ciências que tratam das formas várias ou ideais das relações, às ciências que tratam das relações reais ou das relações entre objetos reais, chegamos primeiramente às ciências que se ocupam das realidades, não tais como se manifestam habitualmente sob nossos olhos, mas tais como se manifestam em seus modos diferentes, quando estes são artificialmente separados uns dos outros. Assim como as ciências abstratas são ideais em relação às ciências abstrato-concretas e em relação às ciências concretas, assim as ciências abstrato-concretas são ideais em relação às ciências concretas. Assim como a Lógica e as Matemáticas têm por objeto generalizar as leis das relações qualitativas e quantitativas, consideradas fora dos objetos entre os quais se estabelecem, assim a Mecânica, a Física, a Química etc., têm por objeto generalizar as leis de relação a que obedecem as propriedades da matéria e do movimento, quando elas são, cada uma particularmente, separadas de todas as circunstâncias fenomenais que as modificam na realidade. Assim como a Geometria formula as propriedades das linhas e das superfícies, independentemente da espessura e das irregularidades das linhas e das superfícies, tais como existem na realidade, assim o físico e o químico formulam as manifestações de cada modo da força, independentemente elas perturbações que sofrem, em cada caso particular, por parte dos outros modos da força. Nas obras sobre Mecânica as leis do movimento são formuladas sem ter em conta o atrito e a resistência do meio. Explicam aí, não o que é o movimento na realidade, mas o que seria se não fosse modificado por forças retardatárias. Tendo-se em conta a força retardadora, então o efeito desta força é considerado isoladamente, abstração feita das outras forças retardadoras. Consideremos também as generalizações do físico no que concerne ao movimento molecular. A lei, segundo a qual a luz se propaga, na razão inversa do quadrado das distâncias, é verdadeira de maneira absoluta, somente quando a radiação tem lugar de um ponto sem dimensões, o que nunca acontece; a mesma lei faz supor também que os raios são perfeitamente retos, o que não pode acontecer, a menos que o meio não seja diferente de todos os meios que conhecemos, isto é, perfeitamente homogêneo. Se estudamos as perturbações causadas pela diferença dos meios, as fórmulas que exprimem as leis da refração pressupõem como assentado que os meios diferentes são homogêneos, o que na realidade nunca tem lugar. Mesmo quando se procura explicar os efeitos mutáveis das causas mutáveis, como quando se quer submeter ao cálculo a refração sofrida pela luz atravessando um meio de densidade sempre crescente, como a atmosfera, supõe-se sempre condições que nunca se realizam, supõe-se que a atmosfera não é atravessada por correntes heterogêneas, suposição contraria ao que tem lugar sempre. Pode-se fazer as mesmas observações em relação às pesquisas do químico: ele não toma as substancias tais como a natureza lhes apresenta. Antes de proceder ao estudo de suas propriedades respectivas, ele as purifica, as separa de todos os elementos heterogêneos. Antes de determinar o peso especifico de um gás, ele o separa do vapor de água com o qual está misturado. Antes de descrever as propriedades de um sal, ele se põe de sobreaviso contra qualquer erro que poderia originar-se com a presença de uma parte não combinada de ácido ou de base. E quando afirma que um elemento tem certo peso atômico, e que se combina com tais ou quais equivalentes de outros elementos, não quer dizer que os resultados assim formulados sejam exatamente os resultados aos quais se chega em uma experiencia particular; mas afirma que são os resultados aos quais se chegaria, depois de muitas experiencias, se pudéssemos obter uma pureza perfeita, e se a experiencia pudesse ter lugar sem perda. O fim que ele se propõe, é o de determinar as leis da combinação das moléculas, não tais quais se mostram atualmente, mas tais como se mostrariam na ausência dessas influencias cuja ação imperceptível não pode ser neutralizada. Assim todas as ciências abstrato-concretas têm por fim a explicação analítica dos fenômenos. Em cada caso, o fim a que nos propomos é o de decompor o fenômeno, de separar uns dos outros todos os elementos que o compõem, ou separar dois ou três do resto. Se algumas vezes se faz uso da síntese, é apenas para verificar a análise. (Devo ao professor Frankland o ter feito uma objeção a esta asserção. A produção de compostos novos por meio da síntese tornou-se ultimamente um ramo importante da Química. Segundo certas leis conhecidas, as substancias compostas que não existiram antes são formadas e justificam todas as previsões no concernente às suas propriedades gerais e às proporções nas quais os seus elementos se combinam, o que é provado pela análise. Aqui podemos dizer com verdade que a análise é empregada para verificar a síntese. Entretanto, a exceção que opõem ao que eu avancei mais acima é aparente somente, mas não real. A produção de compostos novos, enquanto que se propõe simplesmente obter novas substancias, não é uma ciência, mas uma arte, isto é, a aplicação de conhecimentos anteriores a realização de um fim. O processo somente é parte da ciência enquanto é meio de melhor explicar a ordem da natureza. Ora como pôde ele nos ser útil para este fim? Somente verificando as conclusões já estabelecidas concernentes às leis da combinação molecular, ou servindo-nos para explica-las mais claramente. Isto é, que as sínteses, encaradas pelo seu lado científico, têm simplesmente por fim fazer progredir a análise das leis da combinação Química). As verdades descobertas são todas apresentadas, não como verdades que se mostram neste ou naquele objeto particular, mas como verdades que podem ser afirmadas universalmente da matéria e do movimento, considerados em suas formas gerais ou especiais, independentemente dos objetos particulares e dos lugares que podem ocupar no espaço. As subdivisões deste grupo de ciências podem ser estabelecidas sobre o mesmo princípio daquele em que se baseiam as subdivisões do grupo precedente. Os fenômenos, considerados como manifestações mais ou menos complexas da força, se aproximam, em última análise, a certas leis de manifestação que são universais, e a outras leis de manifestação que, dependendo de certas condições, não são universais. Segue-se disto que as ciências abstrato-concretas podem primeiramente dividir-se em leis da força, considerada em si mesmo e independentemente dos seus modos distintos, e em leis da força, considerada em cada um dos seus modos separados. E esta segunda divisão das ciências abstrato-concretas comporta subdivisões essencialmente análogas. É inútil definir aqui essas diferentes ordens e esses diferentes gêneros de ciências. O quadro n. 2 indicará suficientemente as suas relações. Chegamos agora a terceira grande classe. Acabamos com as ciências que se ocupam exclusivamente das formas vazias das relações sob as quais o ser se nos manifesta. Deixamos atrás as ciências que se ocupam do ser sob seu modo universal, e de seus diversos modos particulares considerados como independentes, estabelecem os termos de suas relações como simples e homogêneos, caracteres que jamais apresentam na natureza. Restam-nos as ciências que, estudando esses modos do ser tais quais são ligados uns aos outros, tomam para termos de relações as combinações heterogêneas de forças que constituem os fenômenos atuais. O objeto dessas ciências concretas é o real, enquanto se opõe ao que é ideal completa ou parcialmente. Seu fim não é separar e generalizar separadamente os elementos de todos os fenômenos, mas explicar cada fenômeno como o produto desses elementos combinados. Suas relações não são, como as das ciências abstrato-concretas as mais simples, relações entre um antecedente e um consequente; elas não são tão pouco, como as das ciências abstrato-concretas mais complicadas, relações entre um pequeno número de antecedentes, separados por abstração dos outros antecedentes, e um pequeno número de consequentes igualmente separados por abstração dos outros consequentes; mas são relações que têm cada uma por termos um plexo completo de antecedentes e um plexo completo de consequentes. Isto é manifesto nas ciências concretas menos complicadas. O astrônomo procura explicar o sistema solar. Ele não para depois de haver generalizado as leis do movimento planetário, tal como esse movimento existiria, se houvesse somente um planeta; mas resolve esse problema abstrato-concreto, para que isto o auxilie a resolver o problema concreta dos movimentas planetários combinados juntas. Na linguagem dos astrônomos a teoria da Lua significa a explicação dos movimentas da Lua, não como simplesmente determinadas pelas forças centrípetas e centrifugas, mas coma perpetuamente modificadas pela gravitação para o crescimento equatorial da Terra, para o Sal, e mesmo para Vênus; - forças que variam de dia para dia em sua intensidade e em suas combinações. E o astrônomo não para tão pouco, quando determina pelo calcula a posição de um corpo dada em certa época, tendo em conta todas as influencias perturbadoras; mas continua examinando os efeitos produzidos pela reação sobre as próprias forças perturbadoras; continua examinando como as perturbações mutuas dos planetas produzem, em um longa período, desvios crescentes de um estado media, e depois como forças contrarias produzem um decrescimento continuo nos desvios. Isto é, o fim ao que ele tende é a explicação completa desses movimentos planetários complexas, consideradas em sua totalidade. O mesmo sucede com a geólogo. Ele não estabelece somente como problema as irregularidades da crosta terrestre, que são produzidas pela denudação, nem somente as que são produzidas pela ação do fogo. Não procura compreender somente como foram formados os terrenos de sedimento, como foram produzidas as desordens nas camadas minerais, como se formaram os rochedos escarpados, ou como foram escavados os leitos dos lagos alpinos. Mas, tendo em conta todas as influencias, do seu concurso sem fim e de suas combinações sempre mutáveis, propõe-se por fim explicar a completa estrutura da crosta terrestre. Se estuda separadamente a ação da chuva, dos rios, das geleiras) dos bancos de gelo, das marés, das ondas, dos vulcões, dos tremores de terra, etc., é para melhor conhecer sua ação combinada sobre os fenômenos geológicos, visto ser objeto da ciência generalizar esses fenômenos, considerados em suas relações complexas e como partes de um só todo. Igualmente a Biologia é a elaboração de uma teoria completa da vida-estudada em cada uma e no conjunto de suas manifestações complexas. Se os fenômenos vitais são examinados separadamente e sob alguns de seus aspectos somente, se um observador se ocupa da classificação das formas orgânicas, outro das suas dissecções, outro da sua composição química, outro das suas funções, outra das leis segundo as quais eles se modificam, todos, sabendo ou ignorando, concorrem para a explicação do fenômeno vital inteira, tal como se manifesta em cada organismo em particular, e em todos os organismos em geral. De modo que, nas ciências concretas, o fim é a proposição conversa daquilo que nos propomos nas ciências abstrato-concretas. Em um caso, temos a explicação analítica; em outro caso, a explicação sintética. Em vez da síntese empregada simplesmente para verificar a análise, a análise é aqui empregada somente para ajudar a síntese. O fim não é, pois, agora descobrir os fatores dos fenômenos, mas descrever os fenômenos produzidos por esses fatores, tais como o universo os apresenta, com suas circunstâncias variadas. Esta terceira classe de ciências pode, como as outras classes, dividir-se em duas ordens de verdades: as que são universais e as que não o são. Assim como há verdades relativas aos fenômenos considerados em seus elementos, assim também há verdades relativas aos fenômenos considerados em sua totalidade. Assim como a força tem certas leis finais comuns a cada um de seus modos de manifestação, assim, nessas combinações de forças que constituem os fenômenos atuais, encontramos certas leis finais que são aplicadas em cada caso particular. São as leis da redistribuição das forças. Visto como não podemos tomar conhecimento de um fenômeno senão por meio da mudança operada em nós, cada fenômeno pressupõe necessariamente uma redistribuição de força, - uma mudança nas combinações da matéria e do movimento. Nos movimentos das moléculas como nos movimentos das massas se manifesta uma grande e mesma uniformidade. Uma quantidade decrescente de movimento, sensível ou insensível, é sempre acompanhada de uma agregação crescente de matéria; por outra parte, a quantidade crescente de movimento, sensível ou insensível é acompanhada de uma agregação decrescente de matéria. Daí às moléculas de uma massa maior quantidade desse movimento insensível que chamamos calor, e as partes dessa massa perdem alguma coisa de sua coesão. Acrescentai maior quantidade de movimento insensível, e a coesão torna-se tão fraca que a massa se liquefaz; aumentai ainda o movimento insensível, a massa converte-se em gás, o qual ocupa espaço tanto maior quanto mais se aumenta a quantidade de movimento insensível. De outro lado, cada perda de movimento insensível suportada por uma massa gasosa, liquida ou solida, é acompanhada de uma condensação progressiva da massa. O mesmo acontece com os movimentos sensíveis, quer os corpos movidos sejam grandes ou pequenos. Aumentai a velocidade dos planetas, suas orbitas tornar-se-ão maiores; - o sistema solar ocuparia maior espaço. Diminuí a sua velocidade, e suas orbitas tornar-se-ão menores; - o sistema solar ocuparia menor espaço. Semelhantemente vemos que todo o movimento sensível à superfície da terra faz supor uma desagregação parcial do corpo em movimento, enquanto que a perda de movimento é acompanhada por uma agregação maior desse corpo com a terra. Em todos os fenômenos, temos, ao mesmo tempo, ou uma agregação de matéria e perda de movimento, ou uma absorção de movimento e desagregação de matéria. E onde, como nos corpos vivos, os dois fenômenos se dão simultaneamente, a agregação da matéria é proporcionada à perda do movimento, e a absorção do movimento proporcionada a desagregação da matéria. Tais são as leis universais da redistribuição da matéria e do movimento que tem lugar por toda a parte; redistribuição que atinge a evolução, quando a agregação da matéria e a perda do movimento predominam, mas que atinge a dissolução por toda a parte onde o aumento do movimento e a desagregação da matéria predominam. Disto resulta uma divisão da ciência concreta, que está para as outras ciências concretas como a lei universal de relação está para as Matemáticas, e como a Mecânica universal (composição e decomposição das forças) está para a Física, uma divisão da ciência concreta que generaliza as leis da redistribuição que tem lugar para todos os objetos concretos de qualquer ordem; - divisão que explica porque, conforme predominam a agregação da matéria e a perda do movimento predominante, há passagem da homogeneidade indefinida, incoerente, a uma heterogeneidade definida, coerente, e porque uma redistribuição contrária de matéria e de movimento é acompanhada de uma mudança contrária na estrutura dos corpos. Passando desta ciência concreta universal para as ciências concretas não universais, achamos que estas podem antes de tudo dividir-se em duas partes: ciência que trata elas redistribuições da matéria e do movimento entre as massas no espaço, enquanto agem e reagem umas sobre as outras como massas; e ciência que trata das redistribuições da matéria e do movimento, resultante das ações reciprocas das moléculas em cada massa. Destas duas ciências, igualmente gerais, a última pode dividir-se em duas ciências: uma que se limita às leis da redistribuição entre as moléculas de cada massa, considerada como independente; e a outra que se ocupa das leis do movimento molecular, comunicado por outras massas. Mas estas divisões e suas subdivisões se verão melhor no quadro n. 3, É evidente, creio eu, que estas grandes divisões das ciências, e suas subdivisões respetivas, são conformes a definição, que demos no princípio, da verdadeira classificação. Os objetos de investigação contidos em cada divisão principal possuem em comum atributos essenciais que não pertencem a nenhum dos objetos contidos nas outras divisões principais, e, por consequência, possuem um maior número de atributos comuns pelos quais se assemelham cada um em particular a todos os objetos agrupados juntos, e diferem dos objetos agrupados diferentemente. Entre as ciências que tratam das relações independentemente das realidades, e as ciências que tratam das realidades, a distância é tão grande quanto pode ser visto a existência comum com alguns de seus atributos ou com todos atributos e a todas as ciências da segunda classe, enquanto o mesmo não se dá com todas as ciências da primeira classe. A distinção entre as formas várias das coisas e as próprias coisas é distinção além da qual não se pode ir. E quando dividimos as ciências que tratam das realidades em ciências que tratam de seus elementos considerados separadamente, e as que tratam de seus elementos combinados, estabelecemos distinção mais profunda do que a que pode existir entre ciências que tratam de uma ou de outra das partes componentes, ou entre as que tratam de uma ou de outra ordem das coisas compostas. Os três grupos de ciências podem ser definidos em poucas palavras: - leis das formas; leis dos fatores; leis dos produtos; e quando os definimos por este modo, torna-se manifesto que os grupos são inteiramente dissemelhantes em suas naturezas, que estão separados como por um abismo, e que a ciência pertencente a um dos grupos é diferente das ciências de qualquer outro grupo, ao ponto de ser impossível toda transposição. Se considerarmos as suas funções, ver-se-á melhor ainda as diferenças radicais que os separam. O primeiro grupo, o das ciências abstratas, serve de instrumento em relação aos dois outros; o segundo, ou o das ciências abstrato-concretas, serve de instrumento em relação ao terceiro, o das ciências concretas. Se tentarmos inverter a ordem destas funções, ver-se-á imediatamente quanto são essenciais suas diferenças de caracteres. O segundo e o terceiro grupo fornecem ao primeiro o seu objeto ou a sua matéria, e o terceiro fornece a sua matéria ao segundo; mas nenhuma das verdades que constituem o terceiro grupo pode servir para solução dos problemas apresentados pelo segundo; e nenhuma das verdades que constituem o segundo grupo pode servir para solução dos problemas apresentados pelo primeiro. Resta-nos poucas coisas a dizer concernente às subdivisões destes três grandes grupos. Dizer que cada um dos grupos, estendendo-se a todos os fenômenos, contém verdades que são universais e outras verdades que não são universais, e que estas últimas devem ser classificadas separadamente, é dizer uma coisa evidente por si mesma. Que as subdivisões das verdades não universais possam ser apresentadas pouco mais ou menos como o são nos quadros, é o que está provado pelo fato de que as palavras lidas a partir da raiz até a extremidade de cada ramo, dão a definição da ciência que constitui esse mesmo ramo. Que as divisões menos importantes podem ser de outro modo dispostas e melhor definidas, é o que considero como muito possível. Os quadros foram compostos para mostrar qual o processo do método que se pode empregar neste gênero de classificação. Acrescentarei apenas uma última observação: é que ainda assim são muito imperfeitamente apresentadas as relações das ciências: suas relações podem ser figuradas não sobre um plano, mas sobre uma superfície com três dimensões. Os três grupos não podem ser colocados sobre o prolongamento de uma linha reta, como estão aqui. Efetivamente, o primeiro se liga ao terceiro por meio do segundo, de uma maneira não somente indireta, mas ainda direta, visto servir-lhe diretamente de instrumento e receber dele o seu objeto ou a sua matéria. As relações dos grupos não podem ser figuradas senão por meio de ramos que saiam da mesma raiz, mas desenvolvendo-se uns ao lado dos outros e em sentidos diversos. Somente por um arranjo desta natureza é que se poderá representar exatamente as relações que existem entre as subdivisões de cada grupo. II POST-SCRIPTUM, EM RESPOSTA AOS CRÍTICOS Entre as objeções que podem ser feitas a uma doutrina, as que partem de partidários declarados de uma doutrina contraria devem ser postas as coisas nos seus devidos termos, consideradas como tendo menos valor do que aquelas que partem de escritores que não estão ligados a nenhuma doutrina contraria, ou que a da se acham ligados em parte somente. A prevenção, real no primeiro caso, quase ou inteiramente ausente no segundo, é uma causa bem conhecida da diferença no valor dos conceitos, desde que estes sejam suscetíveis de comparação. Por consequência, quando somos obrigados a encerrar-nos em um espaço restrito, fazemos bem em responder às objeções dos críticos independentes preferentemente às objeções que, no fundo, são apenas argumentos indiretos a favor de uma doutrina contrária, anteriormente adotada. É por esta razão que me proponho limitar-me aqui, quanto possível, às críticas dirigidas contra a classificação acima pelo professor Bain em sua obra recente sobre a Lógica. Antes de responder ás que são mais graves, tentemos limpar o terreno afastando primeiramente as mais simples. Quando esse autor discute as minhas ideias acerca do lugar que deve ocupar a Lógica em uma classificação das ciências, Bain observa, de passagem, que a Lógica, a mais abstrata das ciências, recebe muito da Psicologia, que eu coloco entre as ciências concretas; e pretende constatar uma contradição entre este fato e a minha asserção que as ciências concretas não podem servir de instrumento para a descoberta das verdades pertencentes ás ciências abstratas. Em outro lugar salienta ainda esta aparente anomalia, dizendo: "Não é possível encontrar razões legitimas para colocar a Psicologia toda inteira no rol das ciências concretas. É uma ciência analítica em supremo grau, como Spencer sabe perfeitamente." Como resposta completa, dada implicitamente, posso enviar Bain ao capitulo 56 dos Princípios de Psicologia, onde sustentei que, "se, enquanto objetiva, a Psicologia deve ser classificada entre as ciências concretas, ciências que diminuem gradualmente em extensão à medida que sua especialidade aumenta; como subjetiva, constitui uma ciência inteiramente à parte, única na sua espécie, independente de todas as outras ciências, e antiteticamente oposta a cada uma delas. Suponho que um idealista puro não reconhecerá esta distinção; creio, porém, que para qualquer outro, deve ser evidente que a ciência das existências subjetivas encontra um correlativo em todas as ciências das existências objetivas, e que ela é tão absolutamente distinta como o sujeito é distinto do objeto. A Psicologia objetiva, que classifico entre as ciências concretas, é puramente sintética, desde que se limite, como as outras ciências, a dados objetivos; todavia, na interpretação destes dados, colhe-se grande auxilio da correspondência observada entre os fenômenos da Psicologia objetiva, tais como se representam nos outros seres, e os fenômenos da Psicologia subjetiva, tais como se apresentam no teatro da consciência. Ora, é só a Psicologia subjetiva que é analítica, e ajuda o desenvolvimento da Lógica. Esta explicação faz desaparecer a aparente contradição de que se trata. Podemos agora passar a uma dificuldade levantada por Bain relativamente a linguagem de que me servi para explicar a natureza das Matemáticas. Eis o que ele escreve: "Em primeiro lugar há que censurar na linguagem de que se serve na discussão sobre as ciências mais abstratas, quando fala das formas vazias que nelas são consideradas. Dizer que o espaço e o tempo são formas vazias, é dizer que o primeiro pode ser concebido sem a ideia preliminar de uma substancia qualquer extensa, e que o segundo pó de ser concebido sem a ideia de uma sucessão concreta, qualquer. Ora, esta doutrina é muitíssima contestável." Concedo a Bain que "esta doutrina é muitíssima contestável," mas não admito que ela esteja compreendida na definição que dei da ciência abstrata. Falo do espaço e do tempo, como todos falam, e como é somente possível falar nas Matemáticas puras. Se, para os pontos, as linhas e as superfícies, as Matemáticas fazem uso habitualmente de certos objetos concretos, não os empregam habitualmente senão como representando pontos, linhas e superfícies puramente ideais; suas conclusões somente são legitimas com a condição de serem daquele modo. Em suas definições, recusam aos pontos as dimensões, às linhas a largura, aos planos a espessura. É verdade que a Geometria, emprega representações materiais de extensão linear, superficial ou solida; mas nega peremptoriamente sua materialidade e firma-se nas verdades de relação que elas apresentam. Admitindo com Bain que a concepção do espaço nos é sugerida pelas ideias que possuímos da extensão; havendo tentado, como fiz nos Princípios de Psicologia,) provar que esta concepção é uma ideia complexa, abrangendo todas as relações de coexistência que sucessivamente se apresentam ao espírito em presença da matéria, eu sustento, entretanto, que é possível abstrair essas relações da matéria, e as formulas como verdades abstratas; sustento também que esse gênero de abstrações não difere em nada das abstrações que se fazem habitualmente em outros casos, por exemplo, daquela a que recorremos, para formular (como se faz no sistema de Comte) as leis gerais do movimento, não tendo em nenhuma conta as propriedades dos corpos de que nos ocupamos, exceto a de receber, de conservar e de transmitir certas quantidades de movimento, conquanto essas propriedades não possam ser concebidas como existindo fora da extensão, atributo que de propósito se despreza. Tomando outras objeções de Bain, não na ordem em que elas se acham, mas na ordem que melhor convém ao fim que me proponho, cito a passagem seguinte: "A lei da irradiação da luz (na razão inversa do quadrado das distâncias), é considerada por Spencer como concreto - abstrata, enquanto que as perturbações causadas pelos meios não podem ser tratadas senão pela Ótica, ciência concreta. Não temos necessidade de observar que uma separação deste gênero é desconhecida na ciência." É perfeitamente verdade "que uma separação deste gênero é estranha a ciência." Mas, infelizmente para a objeção, é perfeitamente verdade também que esta pretendida separação não foi nem proposta por mim, nem compreendida na minha classificação. Como, pois, Bain pôde enganar-se desse modo sobre o sentido que dei a palavra "concreto"? É o que não posso compreender. Depois de ter observado que "nunca ninguém traçou, como eu, uma linha de demarcação entre as ciências concreto-abstratas e as ciências concretas" ele me exproba uma anomalia que não existe senão na suposição de ter eu traçado essa linha no lugar onde é costume traça-la. Guiado, segundo parece, pela concepção de Comte que considera a Ótica como ciência concreta, e aplicando-a sem reflexão a minha classificação, imputa-me uma contradição que não me pertence. Se Bain quiser ter o incomodo de reler a definição das ciências concreto-abstratas, ou de estudar as suas subdivisões, tais como estão apresentadas no quadro n.º 2, verá, creio eu, que ali se encontram reunidas as leis mais especiais e as leis mais gerais da redistribuição da luz; e se passar a definição e a classificação das ciências concretas, verá, julgo, não menos distintamente que a Ótica não pode fazer parte dela. Bain crê que não tenho nenhuma razão para colocar a Química no rol das ciências concreto-abstratas, e de excluir do seu domínio a consideração das formas brutas das diversas substancias de que ela se ocupa; e funda a sua dissenção sobre o fato dos químicos descreverem habitualmente o minério e as matérias impuras com as quais os elementos, etc., se acham naturalmente misturados. Sem dúvida os químicos procedem desse modo. Mas têm eles por isto a pretensão de considerar a descrição do minério de uma substancia como parte integrante da ciência que estuda a sua constituição molecular, assim como a constituição de todos os compostos particulares nos quais ela entra? Eu ficaria muito surpreendido se tivessem tal pretensão. Os químicos colocam ordinariamente no princípio das suas obras uma divisão que trata da Física molecular; mas, entretanto, não consideram por isto a Física molecular como uma parte da Química. Se põem, igualmente, na frente do estudo químico de cada substancia um esboço da sua Mineralogia, não creio que considerem por isso a segunda como fazendo parte da primeira. A Química propriamente dita somente compreende o estudo da constituição das propriedades e dos diversos graus de afinidade das substancias consideradas como absolutamente puras; e tão pouco ela não reconhece as substancias impuras como a Geometria não reconhece as linhas irregulares. Imediatamente depois, criticando a distinção fundamental que estabeleci entre a Química e a Biologia, consideradas uma como concreto-abstrata, outra como concreta, Bain exprime-se assim: "Mas os objetos da Química e os objetos da Biologia são todos igualmente concretos; os corpos simples da Química e seus diferentes compostos, são considerados pelo químico como todos concretos, e são descritos por ele não em relação a um só fator, mas em relação a todos os seus fatores." Fornece-nos aqui ocasião favorável para elucidar a questão geral. É verdade que, com o fim de identificação, o químico descreve todas as qualidades sensíveis de uma substancia, mencionando a sua forma cristalina, o seu peso especifico, o seu poder de refratar a luz, a sua ação magnética ou diamagnética. Mas considera ele, por isto, estes fenômenos como fazendo parte da ciência Química? Parece-me que a relação entre o peso de um corpo e o seu volume, relação que se determina medindo o peso especifico, é fenômeno físico e não fenômeno químico. Creio também que o físico reclamará, como fazendo parte da sua ciência, todas as investigações concernentes á refração da luz, qualquer que seja a substancia que a produza. E a circunstância de poder o químico verificar a propriedade magnética ou diamagnética de um corpo, como meio de reconhecê-la, ou como meio de ajudar os outros químicos a certificar-se se têm diante de si o mesmo corpo, não será considerada nem pelo químico, nem pelo físico, como uma prova de que se faz passar um fenômeno magnético do domínio de um para o domínio do outro. Em resumo, conquanto o químico, no estudo de um corpo simples ou composto, possa, examinando a sua constituição molecular e suas afinidades, consultar certas qualidades Físicas que encontra nele, não muda, por isto, as propriedades Físicas em propriedades Químicas. Apesar daquilo que os químicos possam escrever nos seus livros, a Química, considerada como ciência, somente compreende os fenômenos de estrutura e de mudanças moleculares, de composições e decomposições. (Alguém dirá talvez que os fenômenos acidentais, como os do calor e da luz, produzidos durante as operações químicas, devem ser classificados entre os fenômenos químicos. Segundo minha opinião, entretanto, o físico pretenderá que todos os fenômenos de redistribuição de movimento molecular, qualquer que seja a sua origem, são do domínio da Física. Mas, por maior que seja a dificuldade que ele tenha em traçar a linha que separa a Física da Química (e como eu indiquei de passagem nos Principias de Psicologia, § 55, as duas ciências são intimamente unidas pelos fenômenos da alotropia e do isomerismo), esta dificuldade não deixa de existir na classificação de Comte como em outra qualquer, e eu posso acrescentar que disto não resulta inconveniente para a classificação que sustento. A Física e a Química tendo sido classificadas por mim no número das ciências concreto abstratas, ·a dificuldade que pode haver para distinguir uma da outra, não pode afetar em nada a distinção que estabeleci entre a grande classe de ciências a qual elas pertencem, e as duas outras grandes classes). Sustento, pois, que a Química não estuda nada como um todo concreto, diferente nisto da Biologia que estuda um organismo como todo concreto. Isto se torna mais evidente ainda se examinando os caracteres das investigações biológicas. Todos os atributos de um organismo, desde os fenômenos de estrutura os mais aparentes até os mais ocultos; desde os movimentos externos que atraem a nossa atenção até as menores subdivisões de suas numerosas funções internas; desde os caracteres que ele possui em estado de gérmen até as diversas mudanças de grandeza, forma, organização e hábitos que suporta até morrer; desde os caracteres físicos que o distinguem como um todo, até os caracteres físicos das suas células, dos seus vasos e das suas fibras microscópicas; desde as propriedades Químicas da sua substancia em geral, até as propriedades Químicas de cada tecido e de cada secreção; estes atributos, digo eu, e estes fenômenos, a Biologia os abarca todos, assim como a muitos outros, e não somente compreende tudo isto, mas, ainda, também, como fim ideal da ciência, o consensus ou o acordo de todos os fenômenos em suas coexistências e em suas sucessões, para formarem um todo individual, perfeitamente uno e ocupando lugar determinado no espaço e no tempo. É esse caráter de individualidade no seu objeto que faz da Biologia, como de qualquer outra ciência da mesma classe, uma ciência concreta. Assim como a Astronomia se ocupa de corpos que têm cada um seu nome próprio, ou que são classificados segundo a sua posição (como se faz com as estrelas menores), e considera cada um deles como um indivíduo distinto; assim como a Geologia, enquanto percebe obscuramente na lua e nos planetas mais próximos outros grupos de fenômenos geológicos (que ela consideraria como inteiramente independente se a distância não se opusesse), ocupa-se do grupo individual de fenômenos que a terra apresenta; assim a Biologia se ocupa quer de um indivíduo distinto de todos os outros, quer das partes ou dos produtos pertencentes a um indivíduo, quer da estrutura ou das funções comuns a muitos individuas já conhecidos do mesmo gênero, e supostos comuns a outros indivíduos que se lhes assemelham na maior parte ou na totalidade de seus atributos. Cada verdade biológica cor responde a um objeto particular, individual, ou a muitos objetos particulares, individuais da mesma espécie, ou a muitas espedes compostas cada uma de objetos individuais. Constatemos, pois, aqui, os contrastes e as diferenças. As verdades das ciências concreto-abstratas não pressupõem de modo algum a individualidade especifica. Nem a Física molar, nem a Física molecular, nem a Química não se preocupam com ela. As leis do movimento se exprimem sem que se tenha em nenhuma conta a grandeza ou a forma das massas que se movem; estas podem ser indiferentemente sóis ou átomos. As relações entre a contração e a perda do movimento molecular, entre a dilatação e a absorção do movimento molecular, se exprimem em suas formas gerais sem que se preste atenção a espécie da matéria; e si, por uma espécie particular de matéria procurasse determinar essas relações, faz-se sem ter em conta a quantidade dessa matéria, e ainda menos da sua individualidade. O mesmo acontece com a Química. Quando ela procura o peso atômico, a estrutura molecular, a atomicidade de uma substancia, e as proporções nas quais ela se combina, etc., pouco lhe importa que se trate de uma grama ou de um quilo, - a quantidade é absolutamente estranha a questão. O mesmo sucede com os atributos mais especiais: O enxofre, considerado quimicamente não é o enxofre considerado sob sua forma cristalina, ou sob sua forma viscosa e alotrópica, ou considerado como liquido, ou como gás, mas sim o enxofre considerado independentemente de todos os atributos que se tiram da quantidade, da forma, do estado, etc., e que lhe dão a individualidade. Bain acha "mais que arbitrária" a distinção que estabeleci entre a ciência concreta da Astronomia e a ciência concreto-abstrata dos movimentos modificados pela ação reciproca das massas hipotéticas, no espaço; ele se exprime deste modo: "Podemos supor uma ciência que se limitasse unicamente aos fatores, ou aos elementos separados, sem ir até o estudo de uma terceira realidade que resultaria da sua combinação. Esta hipótese é inteligível e muito sustentável. Na Astronomia, por exemplo, a lei do movimento realizando-se sempre em linha reta, poderia, assim como a lei de gravitação, discutir-se, abstração feita de toda espécie de moral; e estas duas teorias entrariam na parte concreto-abstrata da Mecânica, e poderiam então ser reunidas em uma parte concreta para o estudo do movimento de um projetil ou de um planeta. Esta não é, entretanto, segundo Spencer, a linha de demarcação. Ele permite a Mecânica teórica fazer esta combinação particular, e chegar às leis do movimento planetário, no caso de um só planeta. O que não permite, é ir até a hipótese de dois planetas, ou de um planeta e de um satélite, modificando reciprocamente o seu movimento, o que se chama comumente o "problema dos três corpos." Se eu tivesse dito o que Bain me faz dizer, teria dito um absurdo, mas ele se enganou acerca do meu pensamento, e seu engano provém em parte de que, aqui, como algures, ele toma a palavra "concreto" no sentido que lhe deu Comte, como se eu a tivesse tomado no mesmo sentido, e em parte porque não me expliquei assaz claramente. Por causa alguma deste mundo eu quis dizer que a ciência concreto-abstrata da Mecânica, quando ela trata dos movimentos dos corpos no espaço, limita-se a explicação do movimento planetário tal como se produziria, se existisse somente um planeta. Eu nunca pensei que as minhas palavras pudessem ser interpretadas por esse modo (vide quadro n. o 2). Os problemas concreto-abstratos são, de fato, susceptíveis de uma complicação indefinida, sem jamais ir além da definição. Eu não tracei, como Bain pretende, linha de demarcação entre a combinação de dois fatores e a combinação de três, nem entre a combinação de qualquer outro número de fatores e um número maior. Mas separo a ciência que se ocupa da teoria dos fatores, tomados isoladamente, ou combinados dois a dois, três a três, quatro a quatro ou em maior número, da ciência que, dando a estes fatores o valor que se tira da observação dos objetos atuais) se serve da teoria para explicar os fenômenos atuais. É verdade que, nestes departamentos da ciência, nem sempre se reconhece a distinção radical que existe entre a teoria e as suas aplicações. "Newton, diz Bain, adotou, no primeiro livro dos Principias, o problema dos três corpos e o aplicou a lua, e o seguiu em todas suas consequências. Assim, aqueles que escrevem sobre a Mecânica teórica continuam a fazer aparecer em seus livros o problema dos três corpos, a teoria da precessão, e a explicação das marés." Mas, por mais importante que seja a autoridade de Newton como matemático e como astrônomo, e por muito ilustres que sejam os nomes de Laplace e Herschell, que, nas suas obras, misturam igualmente os teoremas ás aplicações que eles fizeram, não creio que estes fatos tenham muito valor, a menos que não seja bem demonstrado que esses escritores, procedendo desse modo, tiveram a intenção de emitir suas ideias acerca da classificação das ciências. Esta mistura de elementos diversos que se encontram em suas obras, e que nelas foi introduzida para mais comodidade, não é, no fundo, senão o índice do desenvolvimento incompleto da ciência; e é encontrado em outras ciências mais simples que, posteriormente, ultrapassaram seus acanhados limites. Este fato está provado por dois exemplos que podemos citar: a palavra Geometria que é impossível agora aplicar a ciência tal como existe, convinha-lhe outrora perfeitamente, quando o pequeno número de verdades que ela continha, eram ensinadas como preparatórias para a Agrimensura e a Arquitetura; mas em época comparativamente remota, estas verdades, relativamente simples, separam-se de suas aplicações e foram reunidas pelos geômetras gregos em um corpo de doutrina teórica. (Pode-se dizer que a mistura dos problemas e dos teoremas em Euclides, está em contradição com o fato que eu cito; é verdade que nesta mistura encontramos os traços da primeira forma da ciência, mas deve-se notar que esses problemas são todos puramente abstratos, e demais, que cada um deles pode ser apresentado como teorema). Seleção de igual gênero produz-se agora em uma outra divisão da ciência. Na Geometria descritiva de Monge, os teoremas estavam misturados em suas aplicações, a projeção e ao traçado dos planos. Mas, depois da sua época, a ciência e a arte separam-se pouco a pouco; e a Geometria descritiva, ou, para lhe dar o nome que melhor lhe convém, a Geometria de posição, é hoje reconhecida pelos matemáticos como um sistema muito desenvolvido de verdades, das quais algumas foram já reunidas em livros não contendo nada relativo aos métodos práticos que possam ser usados pelo arquiteto e pelo engenheiro. Para repelir antecipadamente um exemplo que poderiam citar contra nós, observarei que, se nas obras de Álgebra destinadas aos principiantes, as teorias das relações quantitativas, tratadas algebricamente estão acompanhadas de grupos de problemas a serem resolvidos, a matéria desses problemas nem por isso é considerada como fazendo parte da ciência algébrica. Dizer que ela faz parte, seria dizer que a Álgebra compreende, como partes integrantes, as concepções das distâncias, das relações de velocidade e tempo, ou dos pesos e volumes e dos pesos específicos, ou das superfícies lavradas e dos dias e salários, visto como todas estas coisas, como muitas outras, podem ser tomadas por termos de suas equações. Assim como os problemas concretos, resolvidos pelos processos algébricos, não podem ser considerados como fazendo parte da ciência abstrata da Álgebra, e do mesmo modo, segundo minha opinião, os problemas concretos da Astronomia não podem ser de nenhuma maneira incorporados a esta divisão da ciência concreto-abstrata que desenvolve a teoria da ação e da reação dos corpos livres atraindo-se uns aos outros. Sobre este ponto estou em desacordo não somente com Bain, mas também com Mill, que sustenta as seguintes proposições: "Ha uma ciência abstrata da Astronomia, a saber: a teoria da gravitação, que poderia aplicar-se igualmente bem a explicação dos fatos de um sistema solar inteiramente diferente desse, de que a nossa terra faz parte. Os fatos atuais do nosso próprio sistema, as dimensões, as distâncias, as velocidades, as temperaturas, a constituição física, etc., do sol, da terra e dos planetas, são propriamente objeto de uma ciência concreta, semelhante a história natural; mas a ciência concreta está mais inseparavelmente unida a ciência abstrata que em outro qualquer caso, visto como o pequeno número de fatos celestes, realmente acessíveis ás nossas observações quase todos necessários para descobrir e para demonstrar a lei de gravitação como uma propriedade universal dos corpos, e por consequência acham necessariamente lugar na ciência abstrata como devendo servir-lhe de princípios fundamentais". - Augusto Comte e o positivismo. Pag. 43. Nesta passagem, Mill reconhece a distinção fundamental entre a parte concreta da Astronomia, que se ocupa dos corpos atualmente espalhados no espaço, e uma outra parte que se ocupa de corpos hipotéticos, hipoteticamente espalhados no espaço. Entretanto, ele considera estas duas partes como inseparáveis, porque a segunda retira da primeira os dados de onde se extrai a lei da ação e reação dos corpos uns sobre os outros. Mas a verdade desta premissa, e a legitimidade desta conclusão podem ser igualmente postas em dúvida. A descoberta da lei da ação e reação não é devida primitivamente a observação dos corpos celestes, só secundariamente deriva dela. A concepção de uma força cuja ação varia na razão inversa do quadrado das distâncias, é uma concepção a priori que se deduz racionalmente dos princípios-mecânicos e geométricos. Conquanto diferente, quanto á sua origem, das numerosas hipóteses empíricas de Kepler concernentes ás orbitas e aos movimentos planeta rios, ela era em suas relações com os fenômenos astronômicos, semelhantes aquelas que, entre essas hipóteses foram confirmadas pela experiencia: foi uma dessas numerosas hipóteses possíveis, cujas consequências puderam ser observadas e verificadas, hipóteses que, confrontada em suas consequências com os resultados da observação, reconheceu-se fornecer a explicação destes ultimas. Em resumo, a teoria da gravitação teve sua origem na experiencia dos fenômenos terrestres, mas encontrou a sua verificação na experiencia dos fenômenos celestes. Passando agora da premissa á consequência, não vejo como, mesmo tomando por verdadeiro o seu pretendido parentesco, estas ciências fossem necessariamente inseparáveis como se supõe, tão pouco não vejo como a Geometria deva ficar inseparavelmente unida á Agrimensura, porque esta lhe deu nascimento. Na Álgebra, como mostrámos acima, as leis das relações quantitativas estendem-se a uma multidão de fenômenos extremamente heterogêneos, e este fato estabelece, claramente, a distinção entre a teoria e suas aplicações. Aqui as leis das relações quantitativas entre as massas, as distâncias, as velocidades e os movimentos, aplicando-se em grande parte (ainda que não exclusivamente) aos fenômenos concretos da Astronomia, a distinção entre a teoria e suas aplicações é menos evidente; mas no fundo, ela é tão grande em um caso como no outro. Para melhor ver quanto esta distinção é grande, empregaremos uma comparação. Eis um homem vivo: tudo o que conhecemos dele reduz-se pouco mais ou menos ao que nos revelam nossos sentidos da vista e do tato, ou forma um conjunto assaz considerável para uma biografia volumosa. De outro lado, temos um personagem imaginário que, semelhante aos heróis dos antigos romances, pode ser a personificação da virtude ou do vício, ou que, semelhante a um herói moderno, apresenta em seu caráter misto, nos diversos motores que o fazem obrar e em toda a sua conduta, uma aparência de realidade. Mas, por muito exata e completa que seja a pintura deste ente fictício, não. pode transforma-lo em um ser real e vivo. Do mesmo modo a ignorância em que podemos achar-nos do que diz respeito a um homem realmente existente não pode transforma-lo em personagem imaginário. Entre a ficção e a biografia encontraremos sempre um abismo insondável. O mesmo acontece com as ciências de que se trata; aquela que se ocupa dos movimentos que recebem e comunicam os corpos imaginários, e a que se ocupa da ação e da reação reciproca de corpos realmente existentes no espaço, se conservarão eternamente separadas uma da outra. Podemos levar a primeira ao mais alto grau de perfeição possível pela introdução de três, quatro, ou de um maior número de fatores, podemos supor todas as condições necessárias para formar uma espécie de sistema solar: a descrição desse sistema solar ideal será sempre tão diferente da descrição do sistema solar atual como a ficção é da biografia. O caráter radical desta distinção torna-se de alguma forma mais evidente ainda se consideramos que dá mais simples proposição da Mecânica geral, podemos, sem intervalo a transpor, passar a proposição mais complexa da Mecânica celeste. Tomamos um corpo que se move com velocidade uniforme, e principiamos pela proposição de que ele continuará a mover-se eternamente da mesma maneira. Depois, estabelecemos a lei do seu movimento acelerado sobre a mesma linha, quando ele está submetido a ação de uma força constante. Mais tarde, complicamos a proposição supondo que a força cresce sob a influência de um corpo atraente que se aproxima; e podemos formular uma série de leis de aceleração, do que resulta outras tantas leis supostas de atração crescente (leis das quais faz parte a da gravitação). Acrescentando então um outro fator, supondo que o corpo se move em uma direção diferente daquela segundo a qual opera o corpo atraente, podemos determinar, de conformidade com os graus da potência das forças supostas, se o seu curso será hiperbólico, parabólico, elítico ou circular, - podemos, começando, considerar como infinitesimal a força hipotética adicional, e formular os resultados diferentes à medida que ela cresce pouco a pouco. O problema toma um novo grau de complicação, se fazemos intervir uma terceira força, obrando em alguma outra direção; e considerando a princípio esta força como infinitesimal, podemos eleva-la sucessivamente a um grau qualquer de potência. Igualmente, se introduzirmos fator após fator, dando primeiramente a cada um deles somente uma potência insensível em relação ao resto, chegaremos, por uma infinidade de graus, á uma combinação da maior complexidade que quisermos. Assim pois a ciência que se ocupa da ação e da reação reciproca dos corpos imaginários colocados no espaço, é a sequência necessária, o desenvolvimento continuo da Mecânica geral. Vimos já que ela somente pode formar um todo absolutamente descontínuo com esta ciência que se ocupa dos corpos celestes e que desde o princípio recebeu o nome de Astronomia. Reconhecidos estes fatos, parece-me que não pode restar dúvida alguma concernente ao seu verdadeiro lugar na classificação das ciências. Deixando de lado as objeções de menor importância, quer porque foram indiretamente refutadas, quer porque exigiram muito espaço, seja-nos permitido expor rapidamente os argumentos gerais que estabelecem a nossa tese. Temos aqui dois processos à nossa disposição: um deles somente convém aqueles que admitem a doutrina geral da evolução; é este o que vamos empregar primeiramente. Tomamos por ponto de partida a concentração da matéria nebulosa. Seguindo as redistribuições desta matéria até o momento em que, condensando-se, forma esferoides, girando sobre si mesmos, e deixando atrás de si anéis concêntricos, que se quebram cada um de seu lado e conseguem algumas vezes formar esferoides secundários, dotados do mesmo movimento, chegamos finalmente aos planetas tais como existem desde a sua origem. Até aqui consideramos os fenômenos que se tem produzido como puramente astronômicos; e com quanto a nossa terra, considerada como um desses esferoides, fosse formada de matérias gasosas e dissolvidas, ela não oferece nenhum dado distinto para uma ciência concreta mais complexa; no lapso do tempo cósmico, forma-se uma crosta solida, que, no decurso de milhares de anos, torna-se mais espessa, e, depois de outros milhares de anos, resfria a ponto de permitir a precipitação, primeiramente dos diferentes compostos gasosos, e, afinal da agua. Então as exposições mutáveis das diferentes partes do esferoide aos raios do sol começam a produzir efeitos apreciáveis, até o momento em que finalmente se produzem os fenômenos meteorológicos, e, mais tarde, os fenômenos geológicos tais como os conhecemos agora; fenômenos determinados talvez, em parte, pelo calor do sol, em parte, pelo calor interno da terra, e em parte pela ação da lua sobre o oceano! Como chegámos a estes fenômenos geológicos? Em que época as revoluções astronômicas acabaram e as revoluções geológicas principiaram? Para ver que não há divisão real entre elas, basta estabelecer esta questão. Pondo de lado um grupo de fenômenos tornando-se cada vez mais complicados sob a influência dos mesmos fatores primitivos; e vemos que as nossas divisões arbitrarias baseiam-se sobre razões de conveniência. Transpusemos mais um degrau. Á medida que a superfície da terra continua a resfriar, passando insensivelmente por todos os graus de temperatura, a formação de compostos inorgânicos cada vez mais complexos torna-se possível; mais tarde a sua superfície desce ao grau de temperatura que permite a existência dos compostos menos complexos das espécies chamadas orgânicas; e, finalmente, a formação dos compostos orgânicos mais complexos torna-se possível. Os químicos nos mostram hoje que estes compostos podem ser, por meio da síntese, formados nos laboratórios, - cada grau de complexidade ascendente tornando possível o grau mais elevado seguinte. Disto pode-se inferir que, nas miríades de laboratórios, diversificando infinitamente em seus materiais e condições, que a superfície da terra encerrava durante os milhares de anos que lhe foi preciso para passar sucessivamente por todos estes graus de temperatura, tiveram lugar sínteses sucessivas do mesmo gênero; e que a substancia instável, tão complexa, da qual saíram todos os organismos, foi formada a seu turno por porções microscópicas; e que foi dela que se produziu por integrações e diferenciações continuas a evolução de todos os organismos. Onde pois traçaremos a linha de demarcação entre a Geologia e a Biologia? A síntese do composto mais complexa é uma continuação das sínteses com as quais se formaram todos os compostos mais simples. Os mesmos fatores primitivos cooperaram com esses fatores secundários, meteorológicos e geológicos, aos quais eles próprios deram nascimento. Em nenhuma parte, encontramos o vácuo na série que vai sempre se complicando, porque há conexão manifesta entre os movimentos que diversos compostos complexos experimentam durante suas transformações isoméricas, e as mudanças de forma experimentadas pela matéria plástica primitiva que chamamos vivente. Os fenômenos biológicos, apesar das diferenças que os distinguem na série, foram, em sua origem, inseparáveis dos fenômenos geológicos, - inseparáveis da série de transformações continuas produzidas pela ação das forças Físicas nas matérias que formam a superfície da terra. É inútil percorrer outros graus. Que do grupo dos fenômenos biológicos nasce e se desenvolve gradualmente o grupo dos fenômenos mais particulares que chamamos psicológicos, parece-me que nenhuma demonstração exige. E quando chegamos aos fenômenos psicológicos de ordem mais elevada, é claro que seguindo o desenvolvimento gradual da humanidade desde as mais simples famílias errantes até as tribos e as nações maiores ou menores e mais ou menos civilizadas, passamos insensivelmente dos fenômenos da atividade humana individual para os fenômenos da atividade humana coletiva. Em resumo, não é, pois, evidente que nesta classe de ciência formada pela Astronomia, a Geologia, a Biologia, a Psicologia e a Sociologia, temos um grupo natural cujas partes não podem ser desunidas nem colocadas em ordem inversa? Aqui há, ao mesmo tempo, para os fenômenos, dependência sob o ponto de vista de sua origem e de sua geração, e dependência no ponto de vista da maneira pela qual podem ser explicados. No tempo cósmico, os fenômenos se reproduziram nessa ordem de sucessão; e a explicação cientifica e completa de cada grupo depende da explicação cientifica dos grupos precedentes. Nenhuma outra ciência pôde ser intercalada entre os membros deste grupo sem destruir a sua continuidade. Colocar a Física entre a Astronomia e a Geologia, seria abrir uma lacuna na história de uma série continua de transformações; e outro tanto aconteceria, se colocássemos a Química entre a Geologia e a Biologia. É verdade que a Física e a Química são necessárias para explicar as series sucessivas de fatos; mas daí não se segue que elas devam ser colocadas entre estas series. Sendo a ciência concreta composta das cinco ciências concretas particulares, formando assim, deste modo, um todo de perfeita coerência e distinguindo-se de qualquer outra ciência, podemos estabelecer a questão de saber se alguma outra ciência forma igualmente um todo cujas partes sejam unidas de maneira indissolúvel, ou se ela admite alguma divisão secundaria formando um todo igualmente distinto: - devemos responder que este último caso é verdadeiro. Um teorema de estática ou de dinâmica, por simples que seja, tem sempre por matéria sobre a qual sustenta alguma coisa que é concebida como extensiva, e desenvolvendo uma força ou forças - como sendo a sede de uma resistência, de tensão ou de ambas ao mesmo tempo, e como capaz de possuir mais ou menos força vital. Se examinarmos a mais simples proposição da estática, vemos que a concepção da força está sempre unida a concepção do espaço, antes que a proposição possa formar-se no pensamento; e se examinamos igualmente a mais simples proposição da dinâmica, vemos que a força, o espaço e o tempo são seus elementos essenciais. A quantidade nos termos é indiferente; e estes, levados pela redução, aplicam-se às simples moléculas: a Mecânica molar e a Mecânica molecular se unem e se prolongam. Das questões concernentes aos movimentos relativos de duas moléculas ou de um maior número, a Mecânica molecular passa aos diferentes modos de agregação entre muitas moléculas, às mudanças na quantidade e espécie dos movimentos possuídos por elas como membros de um agregado, e ás mudanças de movimentos transmitidos por intermédio dos agregados formados por elas (como aqueles que apresenta a luz em, movimento). Estendendo todos os dias o seu domínio, ela vai até ao estudo das partes constituintes de cada molécula composta segundo os mesmos princípios. E estas combinações e decomposições de moléculas mais ou menos compostas, que constituem os fenômenos da Química, são também consideradas como fatos da mesma ordem, porque as afinidades das moléculas uma por outra, e suas reações em relação à luz, ao calor e ás outras manifestações da força, são consideradas como resultado dos diversos movimentos determinados mecanicamente em suas diferentes partes componentes. Sem seguir até ao fim esta marcha progressiva na interpretação Mecânica dos fenômenos moleculares, basta observar que os elementos essenciais em toda concepção relativa à Química, são unidades que ocupam lugar no espaço, e exercem ação umas sobre as outras. É este, pois, o caráter comum de todas as ciências que agrupamos atualmente sob os nomes de Mecânica, Física e Química. Deixando de lado a questão de saber se é possível conceber a força separada das substancias extensivas de onde ela se produz, podemos afirmar, sem receio de nos enganarmos, que suprimida a concepção da força, suprime-se ao mesmo tempo a ciência Mecânica, Física e Química. Unidas estreitamente, como estão por esse laço, estas ciências perderiam a sua ligação e continuidade, se entre elas intercalássemos uma ciência qualquer. Não podemos colocar a Logica entre a Mecânica molar as Matemáticas entre o grupo das proposições concernentes a ação das moléculas homogêneas umas em relação às outras, e o grupo das proposições concernentes a ação das moléculas heterogêneas umas em relação às outras (proposições cujo complexo toma o nome de Química). Evidentemente estas duas ciências ficam fora do todo rigorosamente unido de que acabamos de falar, - separadas como estão do mesmo por distância inatingível. Pelo que são elas radicalmente separadas? pela ausência da concepção da força. Conquanto seja verdade que a Lógica e as Matemáticas servem-se de termos que devem ser necessariamente suficientes para efetuar o sentido íntimo, e por consequência exercer uma ação, entretanto é também verdade que estas ciências têm por caráter distintivo não somente não fazer em suas proposições nenhuma alusão a essa força, mas mesmo, pretender ignora-la absolutamente. Em vez de ser, como em todas as outras ciências, um elemento não somente reconhecido, mas essencial, a força, na Matemática e na Lógica, é um elemento que não somente não é essencial, mas que, intencionalmente, nem é mesmo reconhecido. Os termos com os quais a Lógica exprime suas proposições são sinais que não têm a pretensão de representar causas, propriedades ou faculdades de uma espécie mais do que de outra, e que poderiam também servir para exprimir os atributos pertencentes aos membros de qualquer série conexa de curvas ideais que somente foram traçadas para representar outros tantos objetos reais. Quanto á Geometria, longe de empregar linhas e superfícies reais como elementos das verdades que demonstra, considera, pelo contrário, essas verdades como tornando-se absolutas somente quando as linhas e as superfícies tornam-se ideais, - quando a concepção de toda a substancia dotada de força é excluída. Permitam-me agora apresentar outros argumentos, que não importam em adesão a doutrina da evolução, mas estabelecem as distinções fundamentais com clareza ao menos igual. As ciências concretas, consideradas todas reunidas ou uma a uma, têm por objeto agregados, - quer um agregado inteiro de existências sensíveis, quer um agregado secundário separado do agregado inteiro, quer um outro agregado terciário separável do último, e assim em seguida. A Astronomia sideral ocupa-se da totalidade das massas visíveis distribuídas no espaço; e as considera como indivíduos dos quais podemos reconhecer a identidade, como ocupando lugar determinado e conservando, todos, relativamente uns aos outros, relativamente aos grupos parciais e relativamente ao grupo inteiro, relações constantes. A Astronomia planetária, separando deste agregado que compreende toda esta parte relativamente pequena que constitui o sistema solar, ocupa-se dessa parte como de um todo, - observa, mede, calcula as grandezas, as formas, as distâncias, os movimentos de seus membros primários, secundários e terciários; e tomando para as suas mais amplas investigações as ações e reações reciprocas de todos os membros considerados como partes de um conjunto coordenado, torna para as suas investigações menos amplas as ações de cada membro considerado como individuo, possuindo um certo número de propriedades ativas intrínsecas que são modificadas por certo número de propriedades ativas extrínsecas. Entre esses agregados, a Geologia (palavra empregada aqui em toda a sua compreensão) escolhe um que exige estudo atento, e limitando-se a ele, presta contas das ações e da estrutura terrestres, passadas e presentes; e toma para problemas mais especiais as formações locais com as suas causas; para problemas mais gerais as transformações seriais experimentadas pela terra inteira. Enquanto o geólogo se ocupa deste agregado pequeno em relação ao universo, mas grande por si mesmo, o biologista ocupa-se de pequenos agregados formados das partes da substância superficial da terra, e considera cada um deles como um todo coordenado em sua estrutura e nas suas funções; ou, quando se ocupa de um órgão particular, o considera como um todo formado de partes subordinadas elas próprias ou tendendo ao sistema de coordenação do organismo inteiro. Ele deixa ao psicologista os agregados especiais das funções que sabem acomodar a reação dos organismos às influencias múltiplas dos agentes que os cercam; e ele lhes deixa, não simplesmente porque são de uma ordem de especialidade mais elevada, mas porque são o oposto dos agregados ou estados de consciência que são objeto da Psicologia subjetiva, ciência que se separa inteiramente de todas as outras. Finalmente, o sociólogo considera cada tribo e cada nação como um agregado que apresenta uma multidão de fenômenos simultâneos e sucessivos que se ligam e se conservam como partes de uma única combinação. Deste modo, em todos os casos, uma ciência concreta ocupa-se com um agregado concreto (ou de muitos agregados concretos); e abrange como matéria própria tudo quanto pó de ser conhecido deste agregado relativamente à sua grandeza, forma, movimentos, densidade, contextura, arranjo geral das suas partes, estrutura microscópica, composição Química, temperatura, etc., e relativamente também ás numerosas mudanças, materiais e dinâmicas, que experimenta desde o momento em que principia a existir como agregado até o momento em que deixa de existir como tal. Nenhuma ciência concreto-abstrata procede desta maneira. Consideradas todas reunidas, as ciências concreto-abstratas descrevem as diferentes espécies de propriedades que os agregados possuem; e cada ciência concreto-abstrata se liga a uma certa classe destas propriedades. Esta estuda e formula as propriedades dos agregados que têm formas especiais, estados de agregação especiais, etc.; outras tomam dos agregados certas partes constituintes, os conservam separados dos outros, e estudam-lhe as propriedades. Mas que os agregados possam ser considerados como objetos individuais, é o que ignoram implicitamente todas as ciências. Uma propriedade isolada, ou um conjunto de propriedades reunidas, eis do que elas se ocupam exclusivamente. Pouco importa em coisa alguma a Mecânica que a massa em movimento que ela considera seja um planeta ou uma molécula, um pedaço de madeira lançado ao rio ou o cão vivo que salta atrás dele; em um e outro caso, a curva descrita pelo corpo em movimento conforma-se com as mesmas leis. O mesmo acontece com o físico, quando toma por objeto de estudo a relação entre o volume mutável de um corpo e sua quantidade variável de movimento molecular: considerando seu objeto em geral, ele não tem em nenhuma conta a espécie da matéria; e estudando-o em particular em relação a tal ou qual espécie de matéria, deixa de parte tudo o que concerne à grandeza ou a forma; exceto nos casos mais particulares ainda em que procura os efeitos que podem ser produzidos sobre a forma, e ainda nesses mesmos casos deixa de parte a grandeza do corpo. Outro tanto sucede ao químico. Qualquer que seja a substancia que examina, não somente ignora o que é ela, em extensão ou em quantidade, mas não exige mesmo que seja perceptível. A parte de carbono na qual faz as suas experiencias pode ter sido visível ou invisível sob as suas formas de diamante, de grafite ou de carvão, - isso lhe é indiferente. Ele o acompanha nos seus diversos disfarces e nas suas variadas combinações; - encontra-o ora unido ao oxigênio para formar um gás invisível; - ora oculto com outros elementos em compostos mais complexos, como o éter, o açúcar e o azeite. Com o auxílio do ácido sulfúrico ou de um outro reativo, ele o precipita sob forma de resíduo coerente ou de pó impalpável; e outras vezes, pela aplicação do calor ele o obriga a revelar-se como um elemento do tecido animal. Evidentemente, confirmando por este modo as afinidades e a equivalência atômica do carbono, o químico nada tem que fazer com um agregado qualquer que seja; ocupa-se do carbono como de uma coisa que não existe em nenhum estado particular de combinação, como de uma coisa desprovida de quantidade, de forma e de aparência, em uma palavra, como de uma coisa abstrata e ideal; e ele o concebe como dotado de certas potencias ou propriedades, das quais resultam os fenômenos particulares que descreve: confirmar estas potencias ou estas propriedades, eis o seu único fim. Finalmente as ciências abstratas por sua parte ignoram igualmente a realidade dos agregados e das potencias que os agregados ou suas partes componentes podem possuir; elas somente se ocupam com as relações: - relações entre os agregados, ou entre as partes dos agregados, relações entre os agregados e suas propriedades, relações entre as propriedades, ou relações entre as relações. A mesma fórmula lógica é igualmente aplicável, sejam os termos homens e sua não existência, cristais e seus planos de divisão Mecânica, ou letras e seus sons. Quanto às Matemáticas, elas se ocupam exclusivamente de relações, o que se pode ser constatando que empregam precisamente a mesma expressão para caracterizar o triangulo infinitamente pequeno, como para caracterizar o triangulo que tem Sírio por ápice e o diâmetro da orbita da terra por base. Não posso compreender como se possa pôr em dúvida a legitimidade das definições dos grupos de ciências. É impossível negar que cada ciência concreta tem por objeto um agregado ou agregados inorgânicos, orgânicos ou super-orgânicos (uma sociedade); e que não tendo em nenhuma conta as propriedades de tal ou qual ordem, somente se ocupa da coordenação das propriedades reunidas de todas as ordens. Não me parece menos certo que uma ciência concreta e abstrata se ligue a qualquer ordem de propriedades, desprezando os outros caracteres do agregado que os possui, e não reconhecendo mesmo agregados senão quando a sua concepção está envolvida no exame das propriedades da ordem particular que se estuda. E creio que é igualmente claro que uma ciência abstrata, desembaraçando as suas proposições de toda alusão aos agregados e às propriedades, tanto quanto o permitir a natureza do pensamento, somente se ocupe das relações de coexistência e de sucessão, concebidas fora de todo o modo particular de existência e de ação. Se, pois, estes três grupos de ciências não são, respetivamente, senão teorias dos agregados, teorias das propriedades, teorias das relações, é evidente que as divisões entre si são não somente perfeitamente claras, mas que os intervalos que as separam não podem ser preenchidos. Aqui talvez ver-se-á mais claramente que antes, quanto é insustentável a classificação de Comte. Já (pag. 9), depois de ter exposto de maneira geral as distinções fundamentais, demonstrei as inconsequências em que incidimos quando as ciências, concebidas como abstratas, concreto-abstratas, e concretas, são classificadas na ordem proposta por este autor. As inconsequências tornam-se mais notáveis ainda, se aos nomes gerais dos grupos substituímos as definições dadas acima. Teríamos então a lista seguinte: Matemática - teoria das relações (Compreendendo as Matemáticas) – teoria das propriedades Astronomia – teoria dos agregados Física – teoria das propriedades Química – teoria das propriedades Biologia – teoria dos agregados Sociologia – teoria dos agregados Que aqueles que adotaram uma doutrina particular vejam claramente os defeitos da doutrina oposta, deixando de ver os defeitos da que professam, é uma observação trivial, mas verdadeira para as discussões filosóficas como para todo o resto: a parábola da palha e da trave pode muito bem ser aplicada tanto aos conceitos dos homens sobre suas opiniões como aos seus conceitos acerca uns dos outros relativamente ao caráter. Talvez que para os meus amigos da escola positiva eu confirme esta verdade com meu exemplo, - assim como eles me confirmam com o seu. Pertence aos que são estranhos a um e outro sistema dizer onde se acha a palha e onde se acha a trave. Enquanto esperamos, é claro que uma ou outra doutrina é essencialmente errônea, e que nenhuma modificação pode pô-las em harmonia. Ou as ciências não podem ser classificadas como elas o foram por mim, ou elas não podem ser dispostas na ordem serial proposta por Comte. III PORQUE ME SEPARO DE AUGUSTO COMTE Enquanto se imprimiam as páginas precedentes, apareceu na Revue des deux mondes, de 15 de fevereiro, um artigo sobre uma das minhas últimas obras, os Primeiros Princípios. Devo agradecer a Auguste Laugel, autor desse artigo, o cuidado com que expõe algumas das ideias principais dessa obra, e o espírito liberal e simpático com que as apreciou. Em um sentido, entretanto, Laugel transmite aos seus leitores juízo errôneo; - juízo que, indubitavelmente, deduziu daquilo que acredita ser a própria evidencia, e que incontestavelmente exprimiu com a mais completa boa-fé. Laugel me apresenta como discípulo de Comte, em certos pontos. Depois de ter descrito a influência de Comte, da qual encontra traços nas obras de alguns outros escritores ingleses, particularmente de Mill e de Buckle, pretende que esta influência, apesar de não confessada, se reconhece facilmente na obra que ele empreende tornar conhecida; e, em muitos lugares do seu artigo, faz observações que tendem a provar o que alega. É com grande pesar que me vejo obrigado a contradizer um crítico de tão boa-fé e de tanta habilidade. Mas, como a Revista dos dois mundos está muito propagada na Inglaterra como em outros países, e como existe em certos espíritos, tanto aqui como na América, um preconceito análogo ao que se apoderou de Laugel, - preconceito que tem de fortificar-se com o seu testemunho, - parece-me necessário combatê-lo, Duas causas de natureza inteiramente diferente contribuíram para espalhar a crença errônea de que Comte é reconhecido como o criador da ciência propriamente dita. Seus mais veementes inimigos e os seus mais afeiçoados amigos têm, sem sabê-la, concorrido para propaga-la. De um lado, Comte tendo designado sob o nome de filosofia positiva todos os conhecimentos definitivamente estabelecidos que os sabias hão, gradualmente, reduzidos a sistema ou a um só corpo de doutrina, e tendo-o ordinariamente oposto ao conjunto incoerente das opiniões sustentadas pelos teólogos, tornou-se habito no partido teológico designar o partido oposto, o dos homens da ciência, pelo nome de Positivistas. E o hábito de os chamar deste modo fez nascer a opinião de que eles próprios se apelidam Positivistas e são discípulos de Comte. De outro lado, os que adotaram o sistema de Comte, e que o consideram como filosofia do futuro, foram naturalmente impelidos a ver por toda a parte os sinais de seu progresso, e, por toda a parte onde encontram opiniões em harmonia com ele, as tem atribuído a influência do seu autor. Os discípulos tendem sempre a exagerar os efeitos do ensino do mestre, e a considerar o mestre como inventor de todas as doutrinas que ensina. No espírito dos discípulos, o nome de Comte associa-se ao do método cientifico, porque a maior parte não o compreendeu senão pela exposição que lhes fez. Sob a influência inevitável desta associação de ideias, eles pensam em Comte todas as vezes que encontram possibilidade de fazê-lo que tenha alguma analogia com o método cientifico descrito por este autor; e, por isso, são levados a imaginar que ele fez nascer no espírito dos outros as concepções que fez nascer nos seus. Semelhantes impressões, entretanto, são, na maior parte dos casos, sem fundamento. Que Comte fez uma exposição geral da doutrina e do método cientifico, é verdade; mas não é verdade que aqueles que admitem esta doutrina e que seguem este método sejam discípulos de Comte. Nem os seus processos de investigação, nem as suas ideias concernentes ao conhecimento humano na sua natureza e nos seus limites, diferem de maneira sensível do que esses processos e essas ideias foram antes de Comte. Se são positivistas, são como sempre foram, de maneira mais ou menos consequente, todos os homens da ciência; e, designando-os por esse nome, eles não são tão pouco discípulos de Comte, como não seriam os sábios que viveram e morreram antes deste autor, se lhes dessem o mesmo título. O próprio Comte não reclama de forma alguma o que alguns de seus aderentes são levados a reclamar para ele implicitamente: "Ha sem dúvida, diz Comte, muita analogia entre a minha filosofia positiva e o que os sábios ingleses entendem, desde Newton sobretudo, por filosofia natural (vide Advertência)." E, mais adiante, indica o "grande movimento impresso ao espírito humano, ha dois séculos, pela ação combinada dos preceitos de Bacon, das concepções de Descartes e das descobertas de Galileu, como o momento em que o espírito da filosofia positiva principiou a pronunciar-se no mundo". Por consequência, os processos gerais de investigação e a maneira de interpretar os fenômenos, que Comte chama filosofia positiva, são considerados por ele próprio como resultado do trabalho de dois séculos; reconhece que na época em que escrevia eles tinham já adquirido desenvolvimento notável, e os considera como herança de todos os homens da ciência. O que Comte tinha em vista era dar ao pensamento e ao método filosófico uma forma e uma organização mais perfeita, e aplica-los a interpretação das classes de fenômenos que não tinham ainda sido estudadas de uma maneira filosófica. Era concepção grandiosa, e tentar realiza-la, empresa digna de simpatia e admiração. Esta concepção foi igualmente a de Bacon; ele também aspirava por uma organização das ciências; ele também estava persuadido de que "a Física é a mãe de todas as ciências"; ele também estava persuadido que as ciências não podiam avançar senão com a condição de serem unidas e combinadas, e viu em que consistem esta união e esta combinação necessárias; compreendeu também que a filosofia moral e civil não poderia crescer e florescer enquanto tivesse suas raízes na filosofia natural; e, por isso, pressentiu igualmente a ideia de uma ciência social originada da ciência Física. Mas o estado dos conhecimentos na sua época impediu-o de ir além desta concepção geral; e, na verdade, é cousa maravilhosa que chegasse até lá. Em vez de uma concepção obscura e vaga, Comte apresentou ao mundo uma concepção clara e distintamente definida. Realizando esta concepção, mostrou notável grandeza de ideias, grande originalidade, imenso gênio de invenção, e extraordinário poder de generalização. Considerado em si mesmo, o seu sistema, de filosofia positiva, verdadeiro ou falso, é monumento de proporções gigantescas. Mas, depois de ter concedido a Comte a grande admiração que merece pela sua concepção, pelos seus esforços para realiza-la, e pelo talento que desenvolveu nesta tentativa, resta uma pergunta a fazer-se: Foi ele bem-sucedido? Um pensador que reorganiza o método cientifico e os conhecimentos do seu século, e que faz aceitar a seus sucessores a reorganização que tentou, pôde ser, com justa razão, considerado, chefe de escola, e aqueles podem ser considerados seus discípulos. Mas, entre os sucessores, os que aceitam o método e esses conhecimentos do século, mas que não aceitam a reorganização, não são certamente seus discípulos. Ora, o que aconteceu em relação a Comte? Ha alguns, mas em pequeno número, que adotaram as suas doutrinas quase sem reserva; e estes podem ser verdadeiramente chamados seus discípulos. Ha outros que aceitam como verdadeiro certo número destes princípios, mas que rejeitam o resto; estes, se são seus discípulos, o são apenas em parte. Finalmente, há os que rejeitam a sua doutrina em tudo o que ela tem de particular; e estes devem ser considerados seus antagonistas. Todos os membros desta classe são precisamente o que teriam sido, se ele não houvesse escrito. Recusando a sua reorganização das ciências, eles aceitaram essas ciências tais como existiam antes dele, como herança comum legada pelo passado ao presente. E sua adesão a esta doutrina cientifica não os coloca decididamente no número dos discípulos de Comte. É a esta classe que pertence a maioria dos homens da ciência. E é a esta classe que eu pertenço. Para chegar agora ao que me toca pessoalmente na questão, seja-me permitido particularizar primeiramente os grandes princípios gerais sobre os quais Comte está de acordo com os pensadores que o precederam e sobre os quais eu próprio estou de acordo com ele. Todo o conhecimento provém da experiencia: eis o que sustenta Comte, e é também o que eu sustento; mas eu o afirmo em sentido mais vasto do que ele, porque não somente creio que todas as ideias adquiridas pelos indivíduos, e por consequência todas as ideias transmitidas pelas gerações passadas derivam desta origem, mas creio também que as próprias faculdades que servem para aquisição destas ideias são produto das experiencias acumuladas e organizadas, transmitidas pelas raças anteriores (vide Princípios de Psicologia). Mas a doutrina de que todo o conhecimento vem da experiencia não foi dada a publicidade por Comte, e ele não a reclama como sua. Ele próprio diz que "todos os bons espíritos repetem, desde Bacon, que os conhecimentos reais que existem são os que se baseiam sobre fatos observados". Demais, o caráter distintivo da escola inglesa de Psicologia é ter estudado particularmente esta doutrina e havê-la definitivamente estabelecido. Não me consta que Comte, aceitando esta doutrina, tenha feito alguma coisa para forma-la mais certa ou para dar-lhe mais clareza. Efetivamente, isto lhe seria impossível, visto ele rejeitar esta parte da ciência do espírito, única que pode fornecer provas desta doutrina. É, além disso, crença de Comte que todo o conhecimento é relativo e somente atinge os fenômenos, e sobre este ponto eu estou inteiramente de acordo com ele, mas ninguém ousará pretender que a relatividade de todo o conhecimento fosse proclamada pela primeira vez por Comte. Entre os que professam esta doutrina e conservaram-se mais ou menos fieis a ela, sir William Hamilton coloca Protágoras, Aristóteles, Santo Agostinho, Boécio, Averróis, Alberto-o-Grande, Gerson, Leon, o Hebreu, Mélancton, Scaliger, Francisco Picolomini, Giordano Bruno, Campanella, Bacon, Spinoza, Newton, Kant. O próprio sir William Hamilton, na sua Filosofia do Incondicional, publicada pela primeira vez em 1829, deu uma demonstração cientifica desta crença. Recebendo esta doutrina de seus predecessores, em comum com os outros pensadores, Comte nada fez, que eu saiba, para seu adiantamento. E, na realidade, ele não podia fazê-la prosperar, porquanto, como já dissemos, considera como impossível a análise do pensamento que encerra as provas da relatividade de todos os nossos conhecimentos. Comte não quer que, na explicação das diferentes classes de fenômenos, se recorra a entidades metafísicas que consideramos como suas causas, e é também minha opinião de que o emprego de semelhantes entidades distintas, conquanto muito cômodo, senão indispensável mesmo para as necessidades do pensamento, é, no ponto de vista cientifico, inteiramente ilegítimo. Esta opinião não é, com efeito, mais do que um corolário da precedente, e deve manter-se ou cair com ela. Mas, igualmente como a precedente, ela se manteve durante séculos com mais ou menos consistência. O próprio Comte cita a expressão favorita de Newton: "Ó Física, livra-te da Metafísica!" Esta doutrina, assim como a precedente, não foi estabelecida por Comte sobre alicerce mais solido. Ele apenas reproduziu-a. Fazer mais era-lhe impossível, porque, sobre este ponto como sobre os outros, o seu ceticismo concernente a Psicologia subjetiva lhe impedia de provar que as entidades metafísicas são simples concepções simbólicas que deixam de ser suscetíveis de verificação. Em último lugar, Comte crê nas leis naturais invariáveis, nas relações constantes e uniformes entre os fenômenos. Mas muitos outros antes dele creram também. Aceita mesmo por aqueles que não têm a pretensão de ser sábios, a proposição de que há no universo uma ordem imutável tem, no mundo cientifico, conservado durante séculos, a autoridade de um princípio ou de um postulado, reconhecida como verdadeira por alguns somente no que concerne aos fenômenos do mundo inorgânico, mas reconhecida por outros sabias como universal. Recebendo esta doutrina de seus antecessores, Comte deixou-a como ela era. Conquanto descobrisse novas leis, não creio que os sábios admitam nunca que ele as tenha demonstrado de modo a tornar a indução mais certa; tampouco ele não as demonstrou por meio da dedução, provando, como se pode fazer facilmente, que a constância e a uniformidade das relações entre os fenômenos é corolário necessário da persistência da força. Tais são os princípios que servem de ponto de partida para Comte, - princípios que não se pode considerar como pertencendo propriamente a sua filosofia. "Mas, dirão, que necessidade ha de fazer estas observações, quando nenhum leitor instruído atribui a Comte a descoberta destas verdades?" A isto eu respondo que, conquanto nenhum discípulo de Comte tenha querido, de proposito deliberado, reclamar para este filosofo as verdades de que se trata, e que nenhum adversário pertencente ao partido teológico, pôr pouco que se tenha familiarizado com a ciência e a Filosofia, considere Comte como o primeiro que as expôs, entretanto existe forte tendência a atribuir quaisquer doutrinas aos que as expuseram por último e com certo brilho, - tendência que produz impressões falsas mesmo nos espíritos mais esclarecidos. Temos às mãos a prova dessa afirmação. No número da Revista dos dois mundos acima indicado, lê-se á pagina 936 as palavras seguintes: “Toda Religião, como toda a Filosofia, tem a pretensão de dar uma explicação do universo; a Filosofia que se denomina positiva distingue-se de todas as filosofias e de todas as religiões por ter renunciado à esta ambição do espírito humano"; o resto do parágrafo é consagrado a explicação da doutrina da relatividade de nossos conhecimentos. O parágrafo que se segue principia assim: "Completamente imbuído destas ideias, que expomos sem discuti-las por enquanto, Spencer separa", etc. Agora pergunto eu se estas expressões e estas ideias não tendem a produzir ou a fortalecer a impressão errônea que eu queria dissipar. Não suponho sequer por um momento que Laugel tivesse a intenção de dizer que as ideias que apresenta, como pertencendo a Filosofia positiva, sejam particularmente ideias de Comte. Mas, ainda que tal não tenha sido provavelmente a sua intenção, suas expressões fazem supor o contrário. No espírito dos discípulos e dos adversários, as palavras Filosofia positiva significam Filosofia de Comte, e estar imbuído das ideias de Filosofia positiva, é tê-las recebido de Comte. Depois do que ficou dito acima, não tenho necessidade de repetir que a opinião que fizeram nascer deste modo, por inadvertência, é uma opinião falsa. Comte não faz mais do que enunciar essas verdades gerais, e as proposições pelas quais as enuncia não deram ideia mais clara do que antes. Se sou devedor a alguém, em particular, por me ter tornado estes princípios mais claros, é a sir William Hamilton. Dos princípios comuns a Comte e a muitos pensadores antigos e contemporâneos, passemos agora aos princípios distintivos do seu sistema. Assim como estou inteiramente de acordo com Comte sobre as doutrinas fundamentais que são nossa herança comum, estou inteiramente em desacordo com ele sobre os princípios em que se baseia a sua Filosofia e que lhe determinam a organização. Para provar o que afirmo, bastará comparar entre si as proposições de Comte e as que eu lhe oponho: Proposições de Comte: Cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passam sucessivamente por três estados teóricos diferentes: estado teológico ou fictício; estado metafísico ou abstrato; estado cientifico ou positivo. Em outros termos, o espírito humano, por sua natureza, emprega sucessivamente em cada uma de suas investigações três métodos de filosofar, cujo caráter é essencialmente diferente e mesmo radicalmente oposto; primeiramente o método teológico, depois o método metafísico e finalmente o método positivo." (P. 3.) "O sistema teológico atingiu a maior perfeição de que era suscetível quando substituiu a ação providencial de um ser único pelo jogo variado de numerosas divindades independentes que foram imaginadas primitivamente. Do mesmo modo, o ultimo termo do sistema metafísico consiste em conceber, em vez de diferentes entidades particulares, uma única grande entidade geral, a natureza, encarada como origem única de todos os fenômenos. Semelhantemente, a perfeição do sistema positivo, para o qual ele tende incessantemente, conquanto seja muito provável que nunca deva atingi-lo, seria poder representar a si próprio todos os diversos fenômenos observáveis como casos particulares de um só fato geral, tal como o da gravitação, por exemplo. " (P. 5.) “Considerando como absolutamente inacessível, e privada de sentido para nós, a investigação do que chamam causas, quer primeiras, quer finais." (P. 14). “Não é aos leitores desta obra que eu acreditaria nunca dever provar que as ideias governam e agitam o mundo, ou, em outros termos, que todo o mecanismo social se baseia finalmente sobre opiniões. Eles sabem sobretudo que a grande crise política e moral das sociedades atuais se inclina, em última análise, para a anarquia intelectual." (P. 48) (Um crítico me objeta amistosamente que Comte não é lealmente representado por esta citação, e que é censurado pelo seu biografo, Litré, por ter demasiadamente insistido acerca do sentimento, considerado como móvel da humanidade. Se na sua Política positiva, a qual presumo que fazem alusão aqui, Comte abandona os princípios que emito antes, tanto melhor. Mas eu falo do que é conhecido como Filosofia positiva; e o que prova que a passagem citada acima representa tal como ela é a doutrina de Comte, é o fato de ser esta doutrina reproduzida no princípio da Sociologia). "Não devo deixar de indicar antecipadamente, como propriedade essencial da escala enciclopédica que quero propor, a sua conformidade geral com o conjunto da história cientifica, no sentido de que, apesar da simultaneidade real e continua do desenvolvimento das diferentes ciências, as que forem classificadas como anteriores serão, efetivamente, mais antigas e constantemente mais adiantadas do que as apresentadas como posteriores." (P. 84.) Esta ordem é determinada pelo grau de simplicidade, ou, o que vem a ser a mesma coisa, pela grande generalidade dos fenômenos. (P. 87.) "Em resultado definitivo, a Matemática, a Astronomia, a Física, a Química, a Fisiologia e a Física social: tal é a fórmula enciclopédica que, entre o maior número de classificações que admitem as seis ciências fundamentais, é a única Logicamente conforme Com a hierarquia natural e invariável dos fenômenos." (P. 115.) "Concebe-se, com efeito, que o estudo racional de cada ciência fundamental, exigindo a cultura preliminar de todas as que a precedem em nossa hierarquia enciclopédica, não pôde fazer progressos reais e tomar o seu verdadeiro caráter senão depois do grande desenvolvimento das ciências anteriores, relativas aos fenômenos mais gerais, mais abstratos, menos complicados e independentes dos outros. É, pois, nesta ordem que a progressão, conquanto simultânea, devia ter lugar." (P. 100.) Proposições de Spencer: O progresso de nossas concepções e de cada ramo de nossos conhecimentos é, de princípio ao fim, intrinsecamente o mesmo. Não é verdade que haja três métodos filosóficos radicalmente opostos; há somente um único método que se conserva sempre essencialmente idêntico a si mesmo. Desde o começo até o fim, as nossas concepções das causas dos fenômenos têm um grau de generalidade que corresponde a extensão das generalizações que as experiencias determinam; e as nossas generalizações mudam à medida que as experiencias se acumulam. A integração das causas, consideradas no princípio como múltiplas e locais, mas finalmente consideradas como únicas e universais, é processo que faz supor, na verdade, a passagem por todos os graus intermediários entre os seus dois extremos; mas imaginar que os passos que se dão de um para outro sejam graus pelos quais nos elevamos, só pode ser efeito de ilusão. As causas que supomos a princípio concretas e individuais se identificam no espírito à medida que os fenômenos semelhantes se formam em grupos. Identificando-se e estendendo-se a um número cada vez maior de fenômenos, as cada vez maior de fenômenos, as causas tornam-se cada vez menos distintas em sua individualidade; se a identificação continua, elas tornam-se gradualmente difusas e indefinidas ao pensamento; e algumas vezes, sem que haja nenhuma mudança na natureza do processo, o espírito adquire a consciência de uma causa universal, que não pode ser concebida. (A integração que fizeram ultimamente do calor, da luz, da eletricidade, etc., como modos de movimento molecular, nos fornece explicação muito clara deste processo. Se damos um passo para trás, vemos que a concepção moderna da eletricidade resultava da integração no espírito das duas formas sob as quais ela se apresentava na bateria galvânica e na máquina elétrica. Se remontamos a uma época mais antiga, vemos como a concepção da eletricidade estática resultou da identificação no pensamento das forças que a princípio se manifestaram separadamente no âmbar e no vidro polidos, e no raio. Depois de tais exemplos, ninguém, creio eu, duvidará que o processo não tenha sido sempre o mesmo desde o princípio). "Assim como a marcha do pensamento é uma, assim também o seu ponto de chegada é um. Não há três concepções finais possíveis; mas somente uma única concepção final. Quando a ideia teológica da ação providencial de um Só ente, substituindo todas as causas segundas independentes, se desenvolveu com toda a clareza que ela admite, tornou-se concepção de um ser cujo poder sempre agindo se manifesta sob todos os fenômenos; a concepção, tomando esta forma definitiva, fez desaparecer no pensamento todos os atributos antropomórficos que distinguiam a ideia primitiva. O pretenso ultimo termo do sistema metafisico, - a concepção de uma única grande entidade geral, a natureza, encarada como origem de todos os fenômenos, - é uma concepção idêntica a primeira: a ideia de uma só causa que, aparecendo-nos como universal, deixa de ser considerada como concebível, somente diferindo pelo nome da ideia de um só ser manifestando-se em todos os fenômenos. E igualmente o que nos descrevem como perfeição ideal a ciência, isto é, o poder de representar a nós mesmos todos os fenômenos observáveis como casos particulares de um só fato geral, faz supor a ideia de alguma existência final a que se refere este fato único, e a crença nesta existência constitui um estado de consciência idêntico aos dois outros. Conquanto as nossas generalizações, estendendo-se, reduzam para nós o número das causas, e tornem as concepções que delas temos cada vez mais indefinidas, conquanto as causas múltiplas, reduzindo-se a uma causa universal, deixem de poder ser representadas ao espírito, que as supõem não serem mais compreensíveis, contudo a ideia de causa conserva-se no fim como no princípio dominante e indestrutível no pensamento. O sentimento e a ideia de causa não podem ser destruídos senão destruindo a própria consciência. (Primeiros princípios, § 26, p. 256). (Dirão talvez que o próprio Comte admite que o que ele chama perfeição do sistema positivo, nunca será provavelmente atingido, e o que ele condena é a investigação da natureza das causas e não a crença geral em uma causa. A primeira alegação respondo que, segundo o meu modo de compreender Comte, o obstáculo a perfeita realização da Filosofia positiva é a impossibilidade de fazer progredir as generalizações afim de reduzir todos os fatos particulares a um só fato geral, e não a impossibilidade de destruir a ideia de causa. E à segunda alegação, respondo que o princípio fundamental da sua Filosofia é a profissão de ignorância concernente a causa em geral. Porque, não sendo assim, o que é da pretendida diferença entre a perfeição do sistema positivo e a perfeição do sistema metafísico? E me seja permitido observar aqui que afirmando o contrário do que Comte afirma, estou excluído da escola positiva. Se é preciso admitir a sua própria definição do positivismo, como, segundo minha opinião, o que ele chama positivismo é de absoluta impossibilidade, claro é que eu não posso ser o que ele chama um positivista). As ideias não governam nem agitam o mundo: o mundo é governado ou agitado pelos sentimentos aos quais as ideias servem somente de guias. O mecanismo social não se baseia finalmente sobre opiniões, mas quase inteiramente sobre o caráter. Não é a anarquia intelectual, mas o antagonismo moral que é causa das crises políticas. Todos os fenômenos sociais são produzidos pelo conjunto dos sentimentos e das crenças humanas: os sentimentos são em grande parte determinados antecipadamente, enquanto as crenças são geralmente depois. As paixões dos homens são antes de tudo hereditárias; mas suas crenças são em geral adquiridas e dependem das circunstâncias em que eles se acham colocados. Ora, entre estas circunstâncias, as mais importantes dependem do estado social, como este depende das paixões dominantes. O estado social, em qualquer época que seja, é a resultante das ambições, dos interesses, dos temores, das cóleras, das simpatias, de todos os cidadãos que viveram e dos que vivem ainda. As ideias em voga neste estado social devem, termo médio, conformar-se com os sentimentos dos cidadãos, e por consequência, conformar-se em média com o estado social que os sentimentos produziram. Ideias inteiramente estranhas ao estado social não podem desenvolver-se, e sendo introduzidas de fora, não podem ser aceitas, ou, se são aceitas, desaparecem quando os sentimentos que as fizeram aceitar desaparecem também. Por consequência, conquanto as ideias adiantadas, uma vez estabelecidas, influam sobre a sociedade e sobre seus progressos ulteriores, contudo o estabelecimento de tais ideias depende da aptidão da sociedade que tem de as receber. Na pratica, o caráter nacional e o estado social determinam as ideias que devem ter curso; não são as ideias em voga que determinam o estado social e o caráter nacional. A modificação da natureza moral dos homens, produzida gradualmente pela ação continua da disciplina da vida social, é a principal causa imediata do progresso das sociedades. (Estatística social, cap. XXX) A ordem na qual as generalizações da ciência tem lugar é determinada pela frequência e pela força com que diferentes classes de relações se repetem pela nossa experiencia consciente; e isto depende: em parte das relações mais ou menos diretas dos fenômenos com o nosso bem estar pessoal, em parte da importância de um ou de outro dos dois fenômenos entre os quais percebemos uma relação; em parte da frequência absoluta, em parte da frequência relativa com que os fenômenos se apresentam; em parte do seu grau de simplicidade e em parte do seu grau de abstração. (Primeiros princípios, 1ª edição, § 36.) A ordem na qual as ciências são classificadas por Comte não é logicamente conforme com a hierarquia natural e invariável dos fenômenos, e não há ordem serial, qualquer que seja, em que elas possam ser colocadas, que represente a dependência Lógica, quer dos conhecimentos, quer dos fenômenos. (V. a Genesis da ciência e o esboço precedente). O desenvolvimento histórico das ciências não teve lugar nessa ordem serial, nem em qualquer outra ordem serial; não há verdadeira filiação das ciências. Desde o princípio, as ciências abstrato-concretas e as ciências concretas progrediram juntas: as primeiras resolvendo os problemas apresentados pelas segundas e terceiras, e desenvolvendo-se somente pela solução dos problemas; as segundas desenvolvendo-se também em concorrência com as primeiras para solução dos problemas apresentados pelas terceiras. Em todo O tempo da duração de seus progressos houve ação e reação continua entre as três grandes classes que elas formam, - progressos dos fatos abstratos, e depois aplicação dos fatos abstratos a análise de novas classes de fatos. (Vide a Gênese da ciência). Tais são os principias que serviram a Comte para organização da sua Filosofia. Abstração feita das verdades gerais, que foram reconhecidas antes dele, e que são propriedade comum de todos os pensadores modernos, apenas ficam as doutrinas gerais, que distinguem e caracterizam o seu sistema. Sobre cada uma delas estou em desacordo com ele. A cada proposição oponho ou uma proposição inteiramente diferente, ou uma negação direta; e o que faço agora, sempre fiz a partir da época em que tive conhecimento de seus escritos. O fato de rejeitar por este modo os seus principias fundamentais deveria bastar, creio eu; mas há grande número de outras ideias que formam uma parte essencial do seu sistema, que eu rejeito igualmente. Indiquemo-las ao correr da pena: Proposições de Comte: A origem dos seres orgânicos é questão que Comte põe no número das especulações ociosas, porque estabelece realmente como fato que as espécies são imutáveis. A mais importante de todas as partes da Psicologia, a que consiste na análise subjetiva de nossas ideias, é considerada por Comte como absolutamente impossível. Segundo Comte, a sociedade mais perfeita é aquela onde o governo atinge seu maior desenvolvimento; - onde as funções distintas são, muito mais do que agora, submetidas a uma regulamentação publica; - onde a hierarquia solidamente organizada e armada de autoridade reconhecida dirigirá todas as coisas; - onde a vida individual será subordinada em grande parte a vida social. Comte não admitindo na sua Filosofia a ideia e o sentimento de uma causa, que se manifesta em nós sob todos os fenômenos, e, entretanto, reconhecendo a necessidade de uma religião, tendo um objeto próprio, dá para objeto a esta última a humanidade. A vida coletiva (da sociedade) é no sistema de Comte O Ser Supremo, o único ser que nos seria dado conhecer, e, por consequência, o único que poderíamos adorar. Proposições de Spencer: Esta questão pode ser resolvida, segundo minha opinião, e ela o será cedo ou tarde. A parte da Biologia que trata da origem das espécies me parece a parte mais importante, e à qual todas as outras estão subordinadas. Porquê da solução que a Biologia der a este problema deve depender inteiramente a nossa concepção da natureza humana, considerada no passado, no presente e no futuro, deve depender a nossa teoria da inteligência e a nossa teoria da sociedade. Na minha obra intitulada Princípios de Psicologia, cuja metade é subjetiva, exprimi com veemência a minha crença na ciência subjetiva do espirito. Segundo minha opinião, pelo contrário, o rumo para o qual caminhamos é a sociedade onde o governo será enfraquecido o mais que for possível, e a liberdade aumentada o mais que puder ser; onde a natureza humana será, pela disciplina social, ajeitada a vida civil de modo a tornar inútil toda a repressão exterior, e a deixar todo o indivíduo senhor de si próprio; onde o cidadão não sofrerá nenhum entrave em sua liberdade, exceto o que é necessário para assegurar aos outros liberdade igual; onde a cooperação espontânea que desenvolve o nosso sistema industrial, e continua a desenvolve-lo com rapidez sempre crescente, terá criado agencias para o exercício de quase todas as funções sociais, e não houvesse deixado por tarefa a ação governamental de outrora senão a de proteger a liberdade e tornar possível a cooperação espontânea: onde o desenvolvimento da vida individual não terá outros limites senão os que lhe são estabelecidos pela vida social, e onde a vida social não terá outro fim senão o de assegurar o livre desenvolvimento da vida individual. Concebo, pelo contrário, que o objeto do sentimento religioso continuará a ser o que tem sido sempre, origem desconhecida das causas. Enquanto as formas pelas quais os homens têm consciência da causa desconhecida das coisas mudam e desaparecem, a substancia, que está no fundo do fenômeno da consciência, permanece sempre a mesma. Começando pela concepção de agentes imperfeitamente conhecidos, passando depois para a concepção de agentes cada vez menos conhecidos e cada vez menos susceptíveis de serem conhecidos, e chegando finalmente a concepção de uma causa universal reconhecida como absolutamente incognoscível, o sentimento religioso atingiu o objeto do qual jamais deve deixar de ocupar-se. Chegando, no fim das suas evoluções, ao Infinito Incognoscível, como objeto de contemplação, este sentimento não pode mais (a menos de retrogradar) reaver por objeto de contemplação o Finito Cognoscível, como a humanidade. Eis aí pois, muitos outros pontos, todos importantes, os dois últimos sumamente importantes, sobre os quais as minhas ideias são diametralmente opostas às de Comte; e, se o espaço me permitisse, poderia adicionar muitas outras. Estando deste modo radicalmente em discordância com ele em tudo o que distingue a sua Filosofia, e tendo expressado meu dissentimento de maneira invariável, em público e, em particular, a partir da época em que tive conhecimento de seus escritos, qual não deveria ser o meu espanto quando me vi colocado no número de seus discípulos? Compreendo que aqueles que leram somente os Primeiros Princípios fossem induzidos em erro da maneira acima indicada pela ambiguidade dos termos Filosofia positiva. Mas que aqueles que conhecem as minhas obras precedentes suponham que além do proposito de preferir em tudo os fatos provados às simples crenças ou às superstições, haja entre a doutrina de Comte e a minha, semelhança geral, é o que me surpreende e espanta. É verdade que, afastando-me de Comte no que concerne aos princípios fundamentais que caracterizam o seu sistema, aproximo-me dele em muitos pontos de importância secundaria. Invoquei a sua autoridade quando tentei demonstrar por novas provas a doutrina segundo a qual a educação do individuo deve conformar-se, em seu objeto e na sua marcha, com a educação do gênero humano considerado historicamente. Partilho inteiramente a sua opinião sobre a necessidade de uma nova classe de sabias, cuja função será coordenar os resultados a que os outros chegaram. É a ele que sou devedor da concepção do consensus social; e, quando chegar o tempo de aprofundar esta concepção, eu lhe testemunharei o meu reconhecimento. Adoto a palavra Sociologia, que ele inventou. Ha, além disto, na parte de suas obras que li, grande número de observações acessórias de grande profundeza e de grande fecundidade, e não duvido que, se eu lesse maior número de seus escritos, encontrasse muitas outras. (Foi em 1853 que eu li a exposição de Comte no original; e em dois ou três outros lugares consultei o original para ter as suas expressões exatas. Quanto á Física inorgânica e ao primeiro capítulo da Biologia, li-as na tradução abreviada de Mlle. Martineau, antes de sua aparição. Conheço o resto das ideias de Comte pela análise de Lewes e por informações colhidas aqui e ali). É muito provável também (porque me asseguram) que eu dissesse certas coisas que Comte dissera antes de mim. Seria, creio eu, muito difícil encontrar dois homens que não tenham opiniões comuns. E seria extremamente estranho que dois homens, partindo das mesmas doutrinas gerais estabelecidas pela ciência moderna, possam atravessar em parte os mesmos campos de investigação, sem nunca se encontrarem. Mas o que vale que concordemos nos pontos secundárias, quando discordamos nos principias fundamentais? Se excetuarmos as verdades gerais que possuímos em comum com os sábios e os pensadores de nosso tempo, as diferenças entre nós são essenciais, enquanto que as semelhanças não o são. Ora tenho a ousadia de pensar que o parentesco se estabelece assessorias. (Na sua obra recentemente publicada, Augusto Comte e a filosofia positiva, Littré, defendendo a classificação das ciências de Comte contra a crítica que fiz na Genesis da ciência, me trata inteiramente como adversário. No princípio do capítulo que ele consagra a sua resposta, coloca-me em oposição direta com os discípulos ingleses de Comte, nomeados no capitulo precedente). Além da significação equivoca da frase "Filosofia positiva", que põe no número dos discípulos de Comte muitos pensadores que ignoram ou rejeitam os seus princípios, há uma circunstância particular mesma categoria. O que tem feito supor que existe alguma relação entre mim e Comte, é incontestavelmente o título que dei a minha primeira obra, Estética social. Quando este livro foi publicado, eu ignorava que este título tinha sido já empregado; se eu o soubesse, teria certamente empregado outro que tinha em vista. (Acreditei, nessa época, e tenho sempre acreditado até o presente, que a escolha do título tinha sentido inteiramente diferente do que lhe deu Comte. Enquanto eu escrevia estas linhas, encontrei razões para pensar diversamente. Relendo a Estática social, para ver quais eram as minhas ideias sobre a evolução social, em 1850, quando Comte não me era conhecido senão de nome, deparei a frase seguinte: “A filosofia social pode muito bem (como a economia política) dividir se em duas partes: estática e dinâmica." (P. 409). Eu me recordei que era uma alusão à divisão que tinha visto na Economia Política de Mill. Mas porque não citei o nome de Mill? Relendo a primeira edição da sua obra encontrei, no princípio do livro IV, esta frase: "As três partes precedentes compreendem, tão detalhadamente quanto o permitem os limites deste tratado, a ideia do que, por uma feliz generalização de uma formula Matemática, foi chamado estática do sujeito." Ali estava a solução da questão. A divisão não foi feita por Mill, mas, como eu supunha, por algum escritor de economia política, que ele não nomeava e que eu próprio não conhecia. Entretanto, é evidente agora que, quando eu supunha dar mais desenvolvimento a esta divisão, somente a empregava no sentido restrito que lhe deu Mill. Ha uma outra coisa que, me parece, é muito manifesta: desejando eu evidentemente mostrar-me reconhecido ao economista desconhecido, a cuja divisão eu supunha dar mais desenvolvimento, necessário o teria nomeado se o conhecesse. E, neste caso, não teria dado o desenvolvimento da divisão como novo). Entretanto, se, em vez do título, considerarem a própria obra, verão muito distintamente que ela não tem relações com a Filosofia de Comte. Existe sobre este ponto um testemunho decisivo. Na Revista Britânica do Norte do mês de agosto de 1851, um escritor que noticia a Estática social exprime-se deste modo: "O título desta obra, entretanto, é inteiramente improprio. Segundo todas as analogias, as palavras Estática social somente deveriam ser empregadas no sentido em que, como já explicamos o foram por Comte, isto é para designar o ramo de investigações que tem por fim descobrir as leis do equilíbrio ou da ordem social, enquanto estas leis se distinguem no pensamento das do movimento ou do progresso social. Eis pois do que Spencer parece não ter tido a menor ideia, porque faz supor ter dado esse título a sua obra somente para indicar vagamente que se propunha tratar dos negócios sociais de maneira cientifica". (P. 321.) Agora que compreendo a aplicação que Comte faz das palavras estática e dinâmica aos fenômenos sociais, me contentarei em dizer que, com quanto compreenda perfeitamente como, pelo desenvolvimento legitimo do sentido que elas têm nas matemáticas, uma possa ser empregada para indicar as funções sociais em equilíbrio, e a outra para indicar as funções de um estado fora de equilíbrio, julgo-me inteiramente incapaz de compreender como os fenômenos de estrutura possam ser envolvidos em uma preferentemente a outra. Mas duas coisas me interessam aqui: a primeira, certificar que eu não tinha "a menor ideia" de dar às palavras estática social o sentido que lhes dei. As unidades de qualquer agregado material estão em equilíbrio quando todas agem com forças iguais. Uma mudança no seu estado faz supor em umas a ação de certas forças que não são contrabalança das por forças iguais nas outras. O estado de repouso faz supor entre elas o equilíbrio das forças; - faz supor, se são homogêneas, a igualdade das distâncias entre elas; - faz supor que todas se mantêm em suas esferas respetivas de movimento molecular. Igualmente entre as unidades que compõem uma sociedade, a principal condição de equilíbrio consiste na ponderação das forças que elas opõem umas às outras. Se as esferas de ação de algumas unidades são diminui das pela extensão das esferas de ação de outras unidades, resulta necessariamente uma perturbação que tende a produzir uma mudança política nas relações dos indivíduos; e a tendência a mudança só pode acabar quando os indivíduos deixarem, cada um por seu lado, de invadir as atribuições uns dos outros, - quando cada um observar a lei que garante a todos liberdade igual, lei que a estática social tinha por fim estudar na sua natureza e em todas as suas consequências. Além desta diferença na concepção geral do que constitui a estática social, a obra a que dei este título é quase em todas as coisas radicalmente oposta às doutrinas de Comte. Longe de pretender, como Comte, que a reorganização social deva ter lugar pela Filosofia, pretendo que esta reorganização somente terá lugar pelos efeitos acumulados do habito sobre o caráter; pretendo que é preciso não estender, mas restringir o direito da autoridade sobre o cidadão, e que o ideal para o qual se deve tender, é, não o nacionalismo, mas o individualismo mais pronunciado. A minha crença política é tão profundamente diferente da de Comte, que foi, se não me engano, notada por um dos principais discípulos ingleses de Comte, como crença que lhe causava a maior aversão. Ha, entretanto, um ponto em que nos aproximamos: a analogia entre o organismo individual e o organismo social, percebida por Platão e por Hobbes, e reconhecida na Estática social) como na Sociologia de Comte. De conformidade com suas vistas, Comte fez desta analogia a ideia fundamental da divisão da sua Filosofia. Na Estática social, cujo fim é essencialmente moral, esta analogia somente de passagem é indicada, para dar mais força a certas considerações morais, e ali é evidentemente introduzida em parte pela definição da vida que Coleridge tomou de Schelling, e em parte pelas generalizações dos fisiologistas, a quem recorremos (Cap. XXX, §§ 12,13 e 16). A exceção desta semelhança, inteiramente insignificante, o conteúdo da Estática social é de tal modo diferente da Filosofia de Com te, que, sem o título, a minha obra nunca teria, creio eu, feito pensar na sua, a menos que não fosse por efeito da lei de associação das ideias que reúne os contrários. (Permitam-me acrescentar que a concepção desenvolvida na Estática social é posterior a uma série de cartas sobre a Esfera própria do governo, publicadas no Nonconformist, na última metade de 1842, e reimpressas em brochura em 1843. Encontra-se nessas cartas, entre muitos pensamentos indigestos: a mesma crença pelas leis invariáveis que regem os fenômenos sociais; a mesma crença, pelo progresso da humanidade determinado por estas leis; a mesma crença pela modificação moral dos homens produzida pela disciplina social; a mesma crença pela tendência das diferentes formas de governo "para constituir se por si mesmas em estado de equilíbrio estável”; a mesma condenação do direito autoritário nas diversas esferas da vida social; os mesmos limites postos à ação do Estado, reduzido a única função de assegurar o respeito da justiça e da equidade nas relações dos cidadãos entre si. A Estática social foi escrita somente com o fim de reconstruir sobre alicerce mais solido as doutrinas expostas nas cartas: na primeira parte separamos os principias dos quais elas se deduzem; na segunda, damos-lhes mais força e clareza). E agora seja-me permitido indicar o que realmente exerceu profunda influência na marcha de meu pensamento. A verdade, distinguida obscuramente por Harvey, nas suas Investigações embriológicas, percebida depois mais distintamente por Wolf, e finalmente formulada definitivamente por von Baer, - verdade que todo o desenvolvimento orgânico consiste na passagem do estado de homogeneidade para o estado de heterogeneidade, é o princípio de onde tirei indiretamente as conclusões nas quais definitivamente me firmei. Por toda a parte na Estática social se manifesta a crença dominante nas evoluções do homem e da sociedade. Por toda a parte também se manifesta a crença que, para um e para outro, estas evoluções são determinadas pela influência das condições incidentes e pela ação das circunstâncias. A esta crença reunimos, na mesma obra, o reconhecimento do fato que as evoluções orgânicas e sociais obedecem a mesma lei. Confirmando a minha crença nas evoluções de ordens diferentes, e por toda a parte determinaras por causas naturais (evoluções notadas além disso na Teoria da população e nos Princípios de Fisiologia), a fórmula de von Baer serviu-me de princípio organizador. Eu a estendi a outros fenômenos além dos da organização individual e social; eu a apliquei no último paragrafo de um esboço sobre a Filosofia do estilo, publicado em outubro de 1852; em um esboço sobre as Maneiras e a Moda) publicado em abril de 1854; mais tarde, e com mais afoiteza, no esboço sobre o Progresso: suas leis e suas causas) publicado em abril de 1857. Depois, reconheci necessidade de restringir ainda este princípio; estudei então as leis gerais da força, de onde resulta necessariamente a transformação universal; coligi então todas estas leis em uma lei única: a da persistência da força; descobri em seguida, manifesta por toda a parte, a lei de dissolução, complemento da lei de evolução; e finalmente, determinai as condições (especificadas no esboço precedente), sob as quais a evolução e a dissolução têm respetivamente lugar. A filiação destes resultados é, creio eu, muito evidente. O processo teve desenvolvimento continuo, e tornou-se o que ele é pela aplicação da lei de von Baer combinada com certas ideias que estavam em harmonia com ela, pela aplicação da lei de von Baer aos fenômenos diversos que ela pode explicar. Se o meu pensamento teve outras influencias, foi, eu o afirmo, inteiramente sem ciência minha. É possível, entretanto, que algumas influências que eu ignoro tenham atuado sobre o meu espírito; e, entre estas, se ache talvez a minha oposição mesmo a doutrina de Comte: é muitas vezes no conhecimento de um sistema contrário, que o pensador encontra ocasião de dar às suas próprias ideias maior clareza e desenvolvimento mais seguido. É provável que as doutrinas expostas no esboço sobre a Genesis da ciência nunca tivessem ocasião de se originar se a minha oposição decidida ao sistema de Comte não me houvesse impelido a prosseguir o desenvolvimento, e que, sem esta circunstância, eu nunca chegasse a cuasificação das ciências, apresentada no esboço que precede. É muito possível que sobre outros pontos a minha repugnância pelas ideias de Comte me tenha ajudado na elaboração das minhas próprias ideias; mas, se é assim, eu o ignoro completamente. Não vão supor, de tudo o que acabo de dizer, que eu não considero as especulações de Comte como sendo de grande valor. Verdadeiro ou falso, o seu sistema, no conjunto, produzi o nas ideias de muitos pensadores, importantes e salutares revoluções, e fora de dúvida que ele exerce esta influência sobre muitos outros. É também fora de dúvida que para muitos dos que rejeitam os seus princípios gerais, o conhecimento mesmo destes princípios tem sido estimulo enérgico e salutar. O conjunto do seu sistema e do seu método cientifico, bem ou mal coordenado, não têm deixado de engrandecer as concepções da maior parte de seus leitores. Demais prestou serviço singular familiarizando os homens com a ideia de uma ciência social, baseada sobre as outras ciências. Além dos serviços, que resultam do caráter geral e do fim da sua Filosofia, creio que semeou por toda a parte, nas suas páginas, muitas ideias vastas, não somente capazes de fazer nascer outras, mas ainda notáveis pela sua verdade própria. Foi para mim tarefa pouco agradável ter de ocupar-me de uma questão pessoal; mas é tarefa que acreditei não poder declinar. Professando ideias radicalmente opostas ás de Comte, sobre todas as doutrinas fundamentais, exceto as que herdamos em comum do passado, julguei necessário não deixar subsistir a opinião de que estou de acordo com ele, como mostrar que uma grande parte do que é conhecido geralmente sob o nome de "Filosofia positiva" não é "Filosofia positiva" no sentido de ser Filosofia particular de Comte, e, finalmente, patentear que rejeito tudo, do que chamam "Filosofia positiva", exceto o que não lhe pertence propriamente. Seja-me permitido, concluindo, como no começo, dizer quanto sinto que estas explicações fossem provocadas pela crítica de um escritor que me tratou com tanta liberalidade. Nada, receio muito, impedirá que estas páginas pareçam resposta pouco graciosa às simpáticas observações de Laugel; só me resta uma esperança, é que a importância da questão, naquilo que me diz respeito possa servir-me de desculpa, quando não de suficiente apologia. IV DAS LEIS EM GERAL (Este capitulo foi impresso na primeira edição dos Primeiros Principias. Eu o omiti na segunda edição refundida, porque deixou de formar parte essencial do mesmo. Como nas páginas precedentes é citado muitas vezes, e as matérias que contém se relacionam com as que tratamos agora, acreditei que não seria inútil colocá-lo aqui sob forma de apêndice. De mais, conquanto eu conte incorporá-lo mais tarde na divisão dos Princípios de Sociologia, que trata do progresso intelectual, entretanto, como pode decorrer muito tempo antes que apareça no lugar que lhe convém, e, como no caso de não poder eu acabar a minha empresa, aconteça que nunca reapareça, pareceu-me conveniente tornar a leitura mais acessível do que é atualmente. As primeiras e as últimas secções, que serviam para ligá-lo ao sujeito da obra a que pertencia em princípio, foram omitidas aqui. O restante foi revisto cuidadosamente, e em algumas partes consideravelmente modificado). Reconhecer as leis, é reconhecer a uniformidade das relações entre os fenômenos; segue-se, disto, que a ordem pela qual os diferentes grupos de fenômenos são ligados às leis deve depender da frequência com que as relações uniformes que manifestam separadamente são percebidas distintamente. Qualquer que seja o grau a que tenhamos atingido, do conhecimento destas relações uniformes, as melhores conhecidas são as que impressionam o espírito mais vezes e com maior veemência. A constância e a regularidade que supusermos entre os fenômenos sucessivos serão proporcionadas, em parte, ao número de vezes que uma relação se houver apresentado não somente aos nossos sentidos, mas, ainda, a nossa consciência, em parte a vivacidade da impressão que os dois termos da relação produziram em nós. Tal é o princípio que dirige o espírito na descoberta das leis. Deste princípio geral derivam certos princípios secundários aos quais a sucessão deve conformar-se de maneira mais imediata e evidente. - Em primeiro lugar, a influência mais ou menos direta dos fenômenos sobre nosso bem-estar pessoal. Enquanto que, naquilo que nos cerca, muitas coisas não exercem sobre nós nenhuma influência apreciável, outra, em diferentes graus, produzem em nós prazeres ou desgostos: é evidente que os fenômenos cuja ação sobre nossos órgãos, quer para o bem, quer para o mal, seja mais forte, serão os primeiros cujas lei hão de ser confirmadas e reconhecidas. - Em segundo lugar, a evidencia dos dois fenômenos entre os quais pode ser percebida uma relação, ou ao menos de um deles. Entre os fenômenos, uns são por tal forma ocultos que não podem ser descobertos senão por meio de observação muito atenta; outros têm muito pouca importância para serem considerados; outros apenas solicitam mediocremente a nossa atenção; outros, finalmente, têm tanta importância e brilho que por si próprios se impõem a nossa observação; é fora de dúvida que, supondo-se existirem as mesmas condições, os ultimas estarão entre aqueles cujas leis serão reconhecidas em primeiro lugar. - Em terceiro lugar, a frequência absoluta com que as relações se apresentam. Ha muitos graus na maneira pela qual os fenômenos se manifestam, quer em sua simultaneidade, quer em sua sucessão: uns são de longa duração ou se acham constantemente sob nossos olhos; outros somente duram um instante ou se mostram muito raramente; é evidente que os ultimas não serão relacionados ás suas leis tão prontamente como os primeiros. - Em quarto lugar, a frequência relativa dos fenômenos. Muitos fenômenos só têm lugar em certos tempos e lugares; ora, como uma relação que não está ao alcance do observador não pode ser percebida, apesar mesmo de ser fato muito comum sobre outros pontos do espaço e do tempo, devemos ter em conta as circunstâncias físicas circunvizinhas, como também o estado da sociedade, das artes e das ciências, porque tudo isto influi sobre a frequência com que certos grupos de fenômenos se manifestam. - O quinto princípio secundaria que devemos tomar em consideração, é que a descoberta das leis depende em parte da simplicidade dos fenômenos regidos por elas. Os fenômenos complexos em suas causas ou condições nos ocultam por tal modo suas relações essenciais que é preciso experiencias muitas vezes repetidas para descobrir o laço verdadeiro que une os antecedentes aos consequentes. Resulta disto que, todas as causas aliás nos seus devidos termos, a generalização deve ir do simples para o composto, e é isto o que Comte considerou muito erradamente como único princípio regulador da generalização. - Em último lugar, vem o grau de abstração: as relações concretas são conhecidas em primeiro lugar. É mais tarde, necessariamente, que recorre a análise para separar as conexões essenciais de todas as circunstâncias que as ocultam. É então que se torna possível decompor em seus elementos as relações, sempre mais ou menos complexas, que ligam os fenômenos entre si. Assim procede a generalização, até que tenha atingido as verdades mais elevadas e abstratas. Tais são os diversos princípios secundários. A frequência e a impressão mais ou menos viva com que as relações invariáveis impressionam a observação interna e externa determinam o reconhecimento de sua uniformidade, e esta frequência é vivacidade de impressões dependendo das condições indicadas acima, disto resulta que a ordem na qual os fatos se agrupam e se generalizam deve depender da realização mais ou menos completa das sobreditas condições. Vejamos como os fatos justificam esta conclusão, examinando primeiramente os que põem em evidência o princípio geral, e depois os que demonstram os princípios particulares que derivam dele. As relações reconhecidas em primeiro lugar como uniformes são as que existem entre as propriedades comuns da matéria: tangibilidade, visibilidade, coesão, gravidade, etc. Nunca supusemos nem que houvesse tempo em que se cresse que a resistência oferecida por um objeto fosse considerada por nós como causada pela vontade do objeto, e que a pressão de um corpo sobre a mão que o suporta fosse atribuída a ação de um ser vivo. Também são estas as relações de que temos mais vezes consciências, visto serem objetivamente frequentes, notáveis, concretas, e nos impressionarem de maneira imediata. Outro tanto acontece com os fenômenos ordinários do movimento. A queda de um corpo logo que é privado de apoio é fato que nos impressiona diretamente, fato evidente, simples, concreto e muito amiudadamente repetido. De modo que é um fato que foi reconhecido como lei anteriormente a qualquer tradição. Ignoramos se houve época em que os movimentos produzidos pela gravitação terrestre foram atribuídos a alguma volição. Se algumas vezes recorremos a intervenção de um agente livre, é somente quando se trata de uma relação obscura ou de um fato cujo antecedente não é percebido, com a queda de um aerólito. - Por outro lado, os movimentos dos corpos celestes, ficam muito tempo sem ser generalizados, e, até que a sua uniformidade seja reconhecida, são considerados como efeitos de uma vontade livre. Esta diferença nada tem evidentemente com grau de complexidade ou de abstração, visto como movimento elítico de um planeta é fenômeno tão simples e tão concreto como o movimento de uma flecha que descreve a parábola. Mas os antecedentes não se deixam perceber; as sucessões são de longa duração e não são repetidas muitas vezes. Eis porque tem havido demora em reduzir estes fenômenos a leis; o que o prova, é que eles têm sido sucessivamente generalizados segundo seus graus de frequência e de evidencia: o ciclo mensal da lua em primeiro lugar; depois o movimento anual do sol; mais tarde os períodos dos planetas inferiores, e finalmente os períodos dos planetas superiores. Na época em que os fenômenos astronômicos eram ainda atribui dos à uma vontade, certos fenômenos terrestres de ordem diferente, mas de igual simplicidade para alguns, eram interpretados da mesma maneira. A solidificação da água em uma temperatura baixa é fenômeno simples, concreto e que nos toca de perto; mas não é tão frequente como os fenômenos que vemos generalizados primeiramente, nem tão fácil de conhecer no seu antecedente. Conquanto todos os climas, exceto sob os trópicos, nos ofereçam muito regularmente no inverno a relação que existe entre o frio e o gelo, entretanto, na primavera e no outono, as geadas acidentais da manhã não têm relações bem evidentes com o grau de temperatura. A sensação não oferecendo regra de apreciação muito segura, torna impossível ao selvagem perceber a relação exata que existe entre a temperatura de 32 graus, e a congelação da água. Eis porque durante longo tempo atribuíram este fenômeno a uma causa pessoal. A mesma coisa teve lugar em relação aos ventos, e por maiores razões ainda. Sua irregularidade e a obscuridade em que se ocultam seus antecedentes permitiram às explicações mitológicas subsistirem durante longos anos. Na época em que a uniformidade de muitas relações inorgânicas completamente simples não tinha ainda sido reconhecida, certas relações orgânicas, muito complicadas e completamente especiais, eram convertidas em leis. A união constante das penas e do bico, das quatro patas e do sistema ósseo interno é fato com o qual todos os selvagens têm sempre estado e estão ainda familiarizados. Se o selvagem encontrasse um pássaro com dentes ou um mamífero coberto de penas, ficaria tão surpreendido como o mais sábio naturalista. Ora, estes fenômenos orgânicos, cuja uniformidade foi bem cedo reconhecida, são absolutamente da mesma natureza que os fenômenos mais numerosos cuja constância foi reconhecida mais tarde pela Biologia. A união constante das glândulas mamarias com os dois côndilos occipitais, de vertebras com dentes alojados nos alvéolos, dos chifres frontais com o habito de ruminar, são generalizações puramente empíricas como aquelas que, foram conhecidas pelos caçadores dos tempos primitivos. O botânico é incapaz de compreender a relação misteriosa que existe entre as flores papilionáceas e as sementes encerradas nas vagens chatas: conhece estas relações e outras semelhantes como simples fatos e da mesma maneira que o bárbaro conhece as relações que existem entre certas folhas particulares e certas espécies particulares de madeiras. Mas, se um grande número destas relações uniformes, cujo conjunto forma em grande parte as ciências orgânicas, foram bem cedo conhecidas, é devido á impressão viva e á frequente repetição com que elas se têm apresentado a experiencia. Conquanto seja muito difícil descobrir a relação entre o grito particular de algum pássaro e a carne boa para comer-se, com tudo os dois termos da relação são notáveis, apresentam-se muitas vezes a observação, e o conhecimento do vínculo que os liga interessa diretamente ao nosso bem-estar pessoal. Por outra parte, as relações inumeráveis de igual ordem, e que se nos oferecem mesmo mais frequentemente nas plantas e nos animais, ficam ignoradas durante séculos, se são pouco notáveis, ou sem importância manifesta. Se, passando do estado primitivo para um estado mais adiantado, procuramos a época da descoberta das leis menos conhecidas que formam principalmente o que se chama ciência, encontramos que a ordem em que elas são descobertas é determinada pelas mesmas causas. Para nos convencermos disto, basta examinar separadamente a influência de cada um dos princípios secunda rios indicados acima. Que as leis que têm relação direta com a conservação da vida fossem, todas as coisas aliás nos seus devidos termos, descobertas antes das que nos interessam somente indiretamente, é fato por toda a parte atestado na história da ciência. Os hábitos das tribos ainda bárbaras que fixam o tempo pelas fases da lua, e que, nas suas permutas, dão certo número de artigos por um número igual de outros artigos, provam que as concepções de igualdade e de número que deram nascimento ás ciências Matemáticas se desenvolveram som a influência das necessidades pessoais; e nenhuma dúvida ha de que as relações gerais dos números entre si, que fazem parte das regras da Aritmética, se revelaram pela primeira vez ao espírito na pratica das permutas. O mesmo ocorreu com a Geometria. A etimologia da palavra mostra que esta ciência consistia, em princípio, em um certo número de regras necessárias para a divisão das terras e construção das casas. As propriedades da balança e da alavanca, que compreendem o primeiro princípio da Mecânica, foram bem cedo generalizadas sob a influência das necessidades do comercio e da Arquitetura. A necessidade de fixar a época das festas religiosas e dos trabalhos da Agricultura forçou os homens a inventaremos períodos astronômicos mais simples. Os primeiros conhecimentos da Química, tais como se encontra na metalurgia antiga, certamente tiveram nascimento com as investigações que foram obrigados a fazer para aperfeiçoar as ferramentas e os instrumentos. A Alquimia dos tempos posteriores nos mostra quanto pode, para a descoberta de um certo número de leis, o desejo ardente de conquistar vantagens pessoais. O nosso século não está desprovido de exemplos desta natureza. “Aqui, diz Humboldt, quando viajava na Guiana, aqui como em muitos países da Europa, as ciências não são consideradas dignas de ocupar o espírito senão quando podem contribuir imediatamente para o bem-estar da sociedade". "Como acreditar, lhe dizia um missionário, que deixásseis o vosso país para vir às margens deste rio expor-vos a ser devorados pelos mosquitos, e para medir terras que não vos pertencem?" As nossas costas fornecem exemplos iguais. Nas praias, não há naturalista que não saiba com que desprezo os pescadores encaram as coleções que se fazem para o microscópio ou para o aquário. É tal a sua incredulidade sobre o valor que elas têm que com muito custo se consegue, mesmo pela atração da paga, faze-los conservar o refugo de suas redes. Mas para que procurar longe de nós as provas que nos são fornecidas pelos colóquios diários daqueles com quem vivemos. O desejo que exprimem de possuir "uma ciência pratica", uma ciência que possa servir para as necessidades da vida, junto ao ridículo que ordinariamente lançam sobre as investigações cientificas que não têm aplicação imediata, basta para mostrar que a ordem segundo a qual são descobertas as leis depende em grande parte da influência mais ou menos direta que elas podem exercer sobre o nosso bem estar. Que, todas as coisas aliás postas nos seus devidos termos, os fenômenos imponentes são relacionados às suas leis antes do que os fenômenos pouco notáveis, é verdade tão evidente que não exige quase nenhuma prova. Se admitimos que pelo homem primitivo, como pela criança, as propriedades dos grandes objetos da natureza são observadas antes que as dos objetos pequenos, e que as relações externas dos corpos são generalizadas antes que as relações internas, é preciso admitir também que, nos progressos subsequentes, a importância ou a grandeza das relações determinara em grande parte, a ordem na qual elas foram recolhidas como uniformes. Disto aconteceu que depois de ter verificado primeiramente os fenômenos muito impressionáveis que constituem uma lunação, depois os fenômenos menos impressionáveis que designam o ano, e finalmente os fenômenos ainda menos impressionáveis que designam os períodos planetários, a Astronomia ocupou-se com os fenômenos muito menos notáveis, daqueles, por exemplo, que se repetem no ciclo dos eclipses da lua, e dos que sugeriram a teoria dos epiciclos e dos circulas excêntricos. Quanto á Astronomia moderna, ela se ocupa de fenômenos muito menos impressionáveis ainda; e, entretanto, entre estes fenômenos, alguns, como a rotação dos planetas, são os mais simples que o céu nos mostra. Na Física, o habito que adquirimos desde logo de fazer canoas, faz supor o conhecimento empírico de certos fenômenos hidrostáticos, intrinsecamente mais complexos do que muitos fenômenos estáticos que a experiencia por si só não pôde revelar; mas os fenômenos hidrostáticos impunham-se eles próprios a observação. Se comparamos a solução do problema do peso especifico por Arquimedes com a descoberta da pressão atmosférica por Torricelli (dois fenômenos de natureza idêntica), compreendemos que uma precedeu a outra, não por causa da diferença entre as relações dos dois fenômenos com o nosso bem estar pessoal, nem por causa da diferença no ponto de vista de suas manifestações mais ou menos frequentes, nem tão pouco por causa de sua simplicidade relativa, mas porque, no primeiro caso, a relação entre o antecedente e o consequente é muito mais palpável do que no segundo. Entre outros exemplos tomados ao acaso, pode-se observar que as relações entre o raio e o trovão, e entre a chuva e as nuvens, foram reconhecidas muito tempo antes de outras relações da mesma ordem, simplesmente porque se impunham por si mesmas a atenção. A descoberta tão tardia das formas microscópicas da vida e de todos os fenômenos que elas apresentam pode ser citada como servindo para mostrar claramente que certos grupos de relações ordinariamente imperceptíveis, conquanto sob outros pontos de vista semelhantes a outras relações conhecidas desde longo tempo, não podem se revelar senão quando uma mudança de circunstâncias ou de condições as tornassem suscetíveis de serem percebidas. Mas, sem entrar em longas minucias, basta examinar as investigações de que se ocupam presentemente o físico, o químico, o fisiologista, para ver que a ciência somente progrediu e continua a progredir partindo dos fenômenos que são mais impressionáveis para os fenômenos que o são menos. Se comparamos entre si certos fatos biológicos, vemos até que ponto a frequência absoluta de uma relação adianta ou demora o reconhecimento da sua uniformidade. A relação entre a morte e os ferimentos, relação constante não somente no que concerne aos homens, mas ainda relativamente aos seres inferiores, era reconhecida como efeito de uma causa natural quando as mortes causadas pelas moléstias eram ainda consideradas como sobrenaturais. Entre as próprias moléstias, nota-se que as mais raras eram atribuídas á influencia diabólica, na época em que as mais comuns eram atribuídas a causas naturais, fato que se reproduz nos nossos campos, onde o aldeão, na sua crença pelos encantamentos, mostra no que é concernente ás moléstias raras um resto de superstição, da qual soube libertar-se em relação ás moléstias frequentes, como os de fluxos. Se pedimos exemplos a Física, vemos que, mesmo no período histórico, os turbilhões eram explicados pela intervenção dos espíritos das aguas: mas não vemos que, na mesma época, a evaporação da agua exposta ao solou ao calor artificial fosse explicada do mesmo modo; entretanto este último fenômeno é mais maravilhoso e muito mais complexo do que o outro; mas, porque se repete frequentemente, foi logo posto no número dos fenômenos naturais. Os arco-íris e os cometas produzem quase a mesma impressão sobre os sentidos, e o arco-íris é por sua natureza fenômeno mais complicada; mas, principalmente porque são muito mais comuns, os arco-íris foram considerados dependendo diretamente do sol e da chuva, conquanto os cometas eram ainda considerados como sinais da cólera divina. Os povos que vivem no interior dos países devem ter-se conservado por longo tempo na ignorância dos fenômenos diários e "mensais das marés, e os habitantes dos trópicos não puderam desde logo fazer ideia dos invernos do Norte. Estes dois exemplos provam o que pôde a frequência relativa dos fenômenos sobre a descoberta das leis. Os animais que, nos países onde nascem, não excitam nenhuma surpresa por suas fôrmas ou por seus hábitos, excitam, pelo contrário, nos países onde nunca foram vistos, admiração que aproxima-se do terror e são mesmo considerados como monstros; este fato pôde sugerir-nos muitos outros, que demonstram que a presença ou afastamento dos fenômenos determinam em parte a ordem na qual eles estão relacionados ás suas leis. Todavia, os progressos da generalização dependem não somente do lugar que os fenômenos ocupam no espaço, mas ainda do lugar que ocupam no tempo. Fatos que não se produzem senão raramente ou quase nunca em uma época tornam-se muito frequentes em outra época, unicamente por causa dos progressos da civilização. A alavanca, cujas propriedades se revelam no uso dos bastões e das armas, é vagamente compreendida pelo selvagem: aplicando-a em certos trabalhos, ele prevê sem se enganar certos efeitos; mas a roda e o eixo, a talha e o parafuso não podem revelar suas propriedades, quer á experiencia, quer a razão, antes que o progresso das artes os tenham tornado mais ou menos familiares. Por estes diversos meios de observação que recebemos de nossos pais e que nós próprios temos multiplicado, adquirimos o conhecimento de grande número de propriedades Químicas que não existiam por assim dizer para o homem primitivo. Os diferentes gêneros de indústria, desenvolvendo-se, nos fazem descobrir substancias e propriedades novas, e por meio delas uma multidão de leis que nossos antepassados não puderam encontrar. Estes exemplos e outros semelhantes que se exibirão ao leitor, provam que os materiais acumulados, os processos e os produtos que não se encontram senão nas sociedades adiantadas em civilização, aumentam muito a possibilidade de descobrir novos grupos de relações, e a facilidade de os generalizar tornando-os mais acessíveis á experiencia, e relativamente mais frequentes. De mais, diversas classes de fenômenos apresentados pela própria sociedade, como os da Economia política, por exemplo, tornam-se, nos Estados adiantados, relativamente frequentes, e por consequência suscetíveis de serem conhecidos; enquanto que, nos Estados menos adiantados, estes fenômenos se manifestam muito raramente para que suas relações sejam percebidas, ou, como nos Estados ainda menos adiantados, nunca se manifestam. É evidente que, por toda a parte onde não intervém nenhuma outra circunstância, a ordem na qual as leis se verificam e se estabelecem varia segundo a complexidade dos fenômenos. Na Geometria, as propriedades das linhas retas foram compreendidas antes que as propriedades das linhas curvas; as propriedades dos circulos foram antes que as da elipse, da parábola e da hipérbole; e as equações das curvas simples foram determinadas antes que as das curvas dobradas. A Trigonometria plana, em razão de sua simplicidade, precedeu a Trigonometria esférica; e a mensuração das superfícies e dos sólidos planos precedeu a mensuração das superfícies e dos sólidos curvos. A mesma causa teve lugar com a Mecânica: as leis do movimento simples foram conhecidas antes das leis do movimento composto, e as do movimento retilíneo antes das do movimento circular. As propriedades das alavancas de braços iguais foram compreendidas antes das propriedades das alavancas de braços desiguais, e a lei do plano inclinado foi formulada antes da do parafuso, na qual ela é aplicada. Na Química, o processo dirigiu-se dos corpos simples para os corpos compostos, dos compostos inorgânicos para os compostos orgânicos. E por toda a parte onde, como nas ciências mais elevadas, as condições da observação são mais complicadas, podemos ainda ver claramente que a complexidade relativa, todas as coisas conservadas, aliás, nos seus devidos termos, determinam a ordem das descobertas. É igualmente evidente que o espírito se dirige das relações concretas para as relações abstratas, e das menos abstratas para as mais abstratas. A numeração que, sob sua forma primitiva, aplicava-se somente às unidades concretas, precedeu a simples Aritmética cujas regras se aplicam aos números abstratos. A Aritmética, limitada na sua esfera com as relações numéricas concretas, é igualmente mais antiga e menos abstrata do que a Álgebra, que se ocupa das relações entre as mesmas relações. E igualmente o cálculo das operações vem depois de Álgebra, tanto na ordem da evolução como na ordem da abstração. Na Mecânica, as relações mais concretas das forças, tais como se desenvolvem na alavanca, no plano inclinado, etc., foram descobertas antes das relações mais abstratas formuladas nas leis da análise e da composição das forças e mais tarde que as três leis abstratas do movimento formuladas por Newton foram descobertas a lei mais abstrata ainda da inercia. A mesma coisa aconteceu na Física e na Química. Nelas também se caminhou das verdades envolvidas em todas as circunstâncias dos fatos particulares e das classes particulares de fatos para as verdades desembaraçadas de todas as circunstâncias que as acompanham e as transformam, isto é, para as verdades de mais elevado grau de abstração. Por mais rápido e grosseiro que seja, este esboço do desenvolvimento intelectual que tem sido longo e complicado demonstrado pelos próprios fatos, atrevo-me a acreditar, o princípio estabelecido a priori.: que a ordem, na qual os diferentes grupos de leis são reconhecidos e formados depende não de uma só circunstância, mas de muitas circunstâncias. Nós generalizamos sucessivamente as diferentes classes de relações, não somente porque existe entre elas certa diferença de natureza, mas também porque estão diversamente colocadas no tempo e no espaço, diversamente acessíveis a observação e porque afetam diversamente a nossa própria constituição; são estás as diferentes circunstâncias que, combinando-se até ao infinito, influem sobre a maneira porque adquirimos o conhecimento das leis. Os diferentes graus de importância, de visibilidade, frequência absoluta, frequência relativa, simplicidade, existência concreta, devem ser considerados como outros tantos fatores; de sua ação e de suas combinações, em proporções sempre variáveis resulta um processo muito complexo de evolução mental. Mas, se é evidente que as causas próximas de ordem sucessiva na qual as relações se reduzem a leis são numerosas e complicadas, é evidente também que existe uma só causa final, a qual as causas próximas são subordinadas. Como as diferentes circunstâncias que determinam a descoberta pronta ou tardia das leis ou das relações uniformes são as circunstâncias que determinam o número e a força das impressões que estas relações produzem no nosso espírito, segue-se que a marcha progressiva da generalização é submetida a um princípio fundamental de Psicologia. Deste modo o método a posteriori, como o método a priori, nos conduz a concluir que a ordem na qual generalizamos as relações depende da frequência maior ou menor e da impressão mais ou menos viva com que se apresentam aos nossos sentidos e a nossa consciência. Depois deste rápido golpe de vista sobre a marcha do espírito humano no passado, aproveitemos a luz por este modo projetada no presente, para ver o que pode dirigi-la no futuro. Observemos primeiramente que a tendência para a crença da universalidade da lei, tornou-se de século em século cada vez mais forte. No meio desta multidão infinita de fenômenos sucessivos ou simultâneos que os cercam, os homens têm-se ocupado sempre em fazer passar alguns dos grupos cuja lei era ainda ignorada, para os grupos cuja lei estava já reconhecida. E por consequência, quanto mais o número das relações que não estão ainda relacionadas à sua lei diminui, tanto mais a probabilidade que, entre elas, não há nenhuma que não esteja submetida a uma lei, aumenta. Se é permitido recorrer aqui aos números, é claro que, se, entre os fenômenos que nos cercam, cem de diferentes espécies se produziram em ordem constante, forma-se em nós leve presunção de que todos os fenômenos se produzam em ordem igualmente. Quando a constância e a uniformidade são confirmadas em mil fenômenos, dos mais variados em suas espécies, a presunção torna-se maior. E quando os fenômenos reconhecidos como uniformes se elevam a miríades que encerram muitos de cada espécie, somos ordinariamente levados a inferir que a uniformidade existe por toda a parte. A experiencia conduziu os homens a esta conclusão de maneira lenta e insensível. O que fez os espíritos atingirem a crença na constância dos fenômenos, quer simultâneos, quer sucessivos, não é a intuição clara das razões que acabamos de dar, mas o habito de pensar que estas razões formulam e justificam. Familiarizando-nos com as uniformidades concretas, concebeu-se a ideia abstrata da uniformidade, a ideia da lei, e no correr dos tempos esta ideia ganhou pouco a pouco fixidez e clareza. Assim aconteceu especialmente àqueles que têm conhecimento mais extenso dos fenômenos naturais, os homens de ciência. O matemático, o físico, o astrônomo, o químico, herdando cada um por seu lado os conhecimentos acumulados por seus predecessores, fazendo eles próprios novas descobertas ou verificando as antigas, acabam por acreditar na lei muito mais firmemente do que o comum dos homens. Entre eles, esta crença, deixando de ser puramente passiva, torna-se poderoso móvel que os conduzirá a novas investigações. Por toda a parte onde existe fenômenos cuja causa não é ainda conhecida, estes espíritos cultivados, impelidos pela convicção de que, ali como em outra parte, reina uma ordem invariável, observam, comparam e experimentam. E quando conseguem descobrir a lei que rege os fenômenos, sua crença geral na universalidade da lei adquire nova força. Tal é o império da evidencia, tal é o poder da ciência, que, para aquele que está já adiantado no estudo da natureza, tornou-se impossível, não direi de acreditar, mas quase de conceber que hajam fenômenos sem lei. O habito de reconhecer por toda a parte uma lei, habito que já distingue os pensadores modernos dos pensadores antigos, não pode deixar de propagar-se entre os homens em geral. A realização dos vaticínios que se pode fazer em cada nova descoberta, e o império cada vez maior que se adquire sobre as forças da natureza, provam aos que ainda não estão iniciados o valor das generalizações cientificas e dos conhecimentos que elas consubstanciam. A instrução, difundindo-se, derrama todos os dias nas massas o conhecimento das leis que até o presente só tem pertencido a diminuto número de pessoas; e, à medida que esta difusão de conhecimentos aumenta, as crenças dos sábios tornar-se-ão crenças do gênero humano inteiro. A conclusão que a lei é universal tornar-se-á de uma evidencia irresistível quando se houver compreendido que o progresso na descoberta das leis é ele próprio sujeito a uma lei, e que por essa mesma razão se tiver compreendido porque certos grupos de fenômenos foram relacionados à sua lei, enquanto que outros grupos não o foram. Quando virmos que a ordem na qual as leis são reconhecidas depende da frequência com que os fenômenos se renovam sob nossos olhos, e da impressão mais ou menos viva que produzem nos nossos sentidos e na nossa consciência; quando virmos que efetivamente os fenômenos mais comuns, mais importantes, mais notáveis, mais concretos e mais simples, são aqueles cujas leis foram reconhecidas em primeiro lugar, porque se ofereceram mais vezes e mais distintamente a observação, concluiremos que muito tempo depois que a grande massa dos fenômenos for relacionada ás suas leis, restará sempre fenômenos cuja lei não será conhecida, porque eles são raros, ou pouco notáveis, ou pouco importantes na aparência, complexos ou abstratos. Deste modo, se encontrará a solução de uma dificuldade que agitamos algumas vezes. Quando perguntarem porque a universalidade da lei não está ainda completamente estabelecida, poder-se-á responder que os fenômenos aos quais ela ainda não se estendeu são aqueles aos quais somente em último lugar se poderá aplicar a lei. O estado das coisas cuja volta podemos predizer é precisamente o estado das coisas que vemos existir atualmente. Se os fenômenos simultâneos ou sucessivos da Biologia e da Sociologia não foram ainda relacionados às suas leis, devemos concluir, não que estas leis não existem, mas que até ao presente têm escapado aos nossos meios de análise. Tendo desde muito tempo verificado a uniformidade que reina nos grupos inferiores de fenômenos, e verificado a mesma uniformidade nos grupos superiores, se ainda não conseguimos descobrir as leis dos fenômenos de ordem mais elevada, não temos o direito de negar a existência destas leis; mas podemos concluir que a fraqueza de nossas faculdades nos tem impedido descobri-las; e, a menos que não levemos o absurdo até pretender que o processo da generalização, cuja rapidez torna-se cada vez maior, tenha agora atingido seus limites, e deva parar repentinamente, devemos inferir que o gênero humano acabará por descobrir a ordem constante de manifestação até nos fenômenos mais complexos e mais obscuros. QUADRO N.º 1 CIÊNCIA ABSTRATA: Lei universal de relação. - Fórmula que exprime esta verdade: que existe uniformidades de conexão entre os modos de ser, sem ter em conta a natureza ou os caracteres específicos dessas uniformidades. Lei das relações: Que são qualitativas, ou que são especificadas em suas naturezas como relações de coincidência ou de proximidade no tempo e no espaço, mas não necessariamente em seus termos cuja natureza e quantidade são indiferentes. (Lógica.) (Esta definição abrange as leis das relações chamadas necessárias, mas não as das relações contingentes. Estas ultimas, nas quais a probabilidade de uma conexão induzida varia com o número de vezes que essa conexão é oferecida a experiencia, são propriamente objeto das Matemáticas). Que são quantitativas: Negativamente: os termos das relações sendo posições no espaço, sustentando entre si relações definidas; e os fatos afirmados sendo negações de certas quantidades. (Geometria de posição). (Aqui, para explicar os termos quantitativas negativamente, bastará citar como negativamente quantitativa esta proposição: três linhas dadas se encontrarão em um ponto, visto como esta proposição encerra a negação de toda quantidade de espaço entre suas interseções. Igualmente, a asserção que três pontos dados sairão sempre sobre uma linha reta é proposição negativamente quantitativa, visto a concepção de uma linha reta encerrar a negação de toda quantidade lateral ou de todo desvio. Positivamente: sendo os termos grandezas compostas: de unidades que são iguais somente enquanto existem independentemente umas das outras. (Calculo indefinido) (Receando que o sentido desta divisão não seja compreendido, pode ser de utilidade tomar aqui para exemplo as estimativas das estatísticas. Os calculas concernentes a população, aos crimes, às moléstias, etc., chegam a resultados que somente são exatos numericamente, mas que não o são em relação à totalidade dos seres ou dos fatos representados pelos números. De unidades iguais: cuja igualdade não é definida como extensiva, protensiva ou intensiva. (Calculo definido). Cuja igualdade é a da extensão: quando seus números são completamente especificados. (Aritmética). Quando seus números são especificados somente: em suas relações. (Álgebra.) nas relações de suas relações. (Cálculos de operações.) Considerada em suas relações de coexistência. (Geometria). Considerado no tempo: que é indefinido no seu todo. (Cinemática) que é dividido em unidades iguais. (Geometria do movimento). (Perguntarão talvez como possa haver Geometria de movimento na qual não entra a concepção da força. Responderemos que as relações do movimento no tempo e no espaço podem ser consideradas independentemente das da força, do mesmo modo como as relações da matéria no espaço podem ser consideradas independentemente da matéria). QUADRO N.º 2 CIÊNCIA ABSTRATO-CONCRETA: Leis universais das forças (tensões e pressões) como se deduzindo da persistência da força: teoremas da decomposição e da composição das forças. Lei das forças tais como se manifestam na matéria: Nas massas (Mecânica): que estão em equilíbrio relativamente a outras massas: E são sólidas (Estática) e são fluidas (Hidrostática) que não estão em equilíbrio relativamente a outras massas: e são solidas (Dinâmica) e são fluidas (Hidrodinâmica). Nas moléculas (Mecânica molecular): Em equilíbrio (Estática molecular): Dando as propriedades estáticas da matéria: geral: impenetrabilidade, extensão; especial: formas resultantes do equilíbrio molecular. Dando as propriedades estático dinâmicas da matéria (Coesão, elasticidade, etc.): sólida, liquida, gasosa. Não em equilíbrio (Dinâmica molecular): como produzindo mudanças na disposição das moléculas: que altera suas posições relativas no ponto de vista da homogeneidade: produzindo aumento de volume (expansão, liquefação, evaporação); produzindo diminuição de volume (condensação, solidificação, contração) que altera suas posições relativas no ponto de vista da heterogeneidade (Química): produzindo outras relações entre as moléculas (novos compostos). Produzindo outras relações entre as forças (novas afinidades). como produzindo mudança na distribuição do movimento molecular: que por integração produz o movimento sensível que por desintegração produz o movimento sensível sob as formas de: calor, luz, eletricidade, magnetismo. QUADRO N.º 3 LEIS: Leis universais da redistribuição continua da matéria e do movimento, a qual atinge a evolução onde predominam a integração da matéria e a perda do movimento, e atinge a dissolução onde predominam a absorção do movimento e a desintegração da matéria. Lei das redistribuições da matéria e do movimento tendo lugar atualmente: entre os corpos celestes em suas relações uns com os outros como massas (Astronomia), compreendendo: a dinâmica do nosso sistema estrelar (Astronomia sideral.) a dinâmica do nosso sistema solar (Astronomia planetária) entre as moléculas pouco importando de qual massa celeste, como produzidas pelas: ações dessas moléculas umas sobre as outras (Astrogenia): atingindo a formação das moléculas compostas (Mineralogia solar) atingindo aos movimentos moleculares e a gênesis das forças radiantes. (Convém não supor que isto significa forças produzidas quimicamente. O movimento molecular ao qual aludimos aqui como dissipando-se em irradiações, é o equivalente do movimento sensível que se perde durante a integração da massa das moléculas, que resulta da sua atração mutua. atingindo aos movimentos dos gases e dos líquidos (Meteorologia solar) (Compreendendo a explicação de certos fenômenos, como as manchas do sol, as fáculas e as coroas de chamas). ações dessas moléculas umas sobre as outras, unidas á ação exercida sobre elas pelas forças vindas de moléculas de outras massas (Geogenia) tais como elas se mostram nas plantas em geral. tais como elas se mostram na terra produzindo a composição e a decomposição das matérias inorgânicas (Mineralogia) produzindo as redistribuições dos gases e dos líquidos (Meteorologia) produzindo as redistribuições dos sólidos (Geologia) produzindo os fenômenos orgânicos que são: (Biologia): os fenômenos da estrutura (Morfologia): gerais especiais os fenômenos de função: em suas relações internas (Fisiologia): gerais especiais em suas relações externas (Psicologia): gerais especiais: separados combinados (Sociologia). (A falta de espaço me inibe de acrescentar mais alguma coisa á sucinta indicação destas subdivisões).