Friedrich Wilhelm Schelling - Exposição da Ideia Universal da Filosofia em Geral e da Filosofia da Natureza como Parte Integrante da Primeira (1803) Contra o realismo empírico, que antes de Kant se havia tornado um sistema universal de pensamento e predominava mesmo na filosofia, e em decorrência da necessidade pela qual toda unilateralidade suscita outra unilateralidade oposta a ela, só poderia, de imediato, elevar-se e ser posto em vigor um idealismo igualmente empírico. Configurado em toda a sua qualidade empírica, tal como se mostrou nos sucessores de Kant, este certamente não se encontrava no próprio Kant, mas estava contido, em germe, nos seus escritos. Aqueles que não haviam deixado de lado o empirismo antes de chegarem a ele, mesmo com ele não foram despojados desse empirismo; este permaneceu, só que traduzido em outra linguagem que soava idealista, inteiramente o mesmo, e retomou, em uma figura alterada, tanto mais teimosamente quanto maior a certeza com que os que o haviam tomado de Kant nessa forma estavam convencidos de, sob esse aspecto, terem-se libertado dele e terem-se elevado acima dele. Que as determinações das coisas por e para o entendimento não atingem, de modo nenhum, as coisas em si - isto era admitido por eles; no entanto, essas coisas em si tinham com o (sujeito) representante a mesma relação que antes se atribuíra às coisas empíricas, a relação do afetar, a relação de causa e efeito. Em parte contra o realismo empírico em si mesmo, em parte contra aquela ligação absurda do empirismo mais tosco com uma espécie de idealismo que se havia desenvolvido a partir da escola kantiana, dirige-se a presente introdução. Ambos são, de certo modo, atingidos com suas próprias armas: contra o primeiro são feitos valer aqueles conceitos e modos de representação que ele mesmo usa, como tomados da experiência, na medida em que é mostrado que são ideias degeneradas e mal empregadas; contra aquela última basta pôr em destaque a primeira contradição que está em seu fundamento e, nos casos singulares, apenas retoma ainda mais patente e mais crua. Por isso, neste apêndice, trata-se mais de apresentar, de maneira positiva, a ideia da filosofia em si, e a da filosofia da natureza em particular, do que um dos lados necessários que compõem o todo dessa ciência. O primeiro passo para a filosofia e a condição sem a qual nem sequer é possível entrar nela - é a compreensão de que o absolutamente ideal é também o absolutamente real, e de que, fora disso, só há, em geral, realidade sensível e condicionada, mas nenhuma realidade absoluta e incondicionada. Aquele para o qual o absolutamente ideal ainda não se revelou como o absolutamente real pode ser levado de diversas maneiras até esse ponto da compreensão, mas ela mesma só pode ser provada indiretamente, não diretamente, pois é, pelo contrário, o fundamento e princípio de toda demonstração. Indicaremos um dos modos possíveis de elevar alguém àquela compreensão. A filosofia é uma ciência absoluta; pois o que se pode tirar, como concordância universal, dos conceitos conflitantes, é que ela, muito longe de tomar emprestados os princípios de seu saber de outra ciência, tem, pelo contrário, pelo menos entre outros objetos, também o saber como objeto, portanto não pode ser ela mesma, por sua vez, um saber subordinado. Segue-se imediatamente dessa determinação formal da filosofia como uma ciência que, se ela é, não pode ser de um modo condicionado, e que, além disso, de seus objetos, sejam quais forem, não se pode saber de maneira condicionada, mas apenas de maneira incondicionada e absoluta, portanto saber apenas o Absoluto desses próprios objetos. Contra toda determinação possível da filosofia, segundo a qual ela teria como objeto alguma contingência, particularidade ou condicionalidade, poder-se-ia mostrar que essa contingência ou particularidade já foi encampada por outras ciências, hipotética ou efetivamente existentes. Portanto, se a filosofia, desse modo, para saber de maneira absoluta, também só pode saber do Absoluto, e se, para ela, esse Absoluto não está aberto a não ser através do próprio saber, é claro que já a primeira ideia da filosofia repousa sobre a pressuposição tácita de uma indiferença possível entre o saber absoluto e 0- próprio Absoluto; portanto, de que o absolutamente ideal é o absolutamente real. Com essa inferência ainda não foi provado nada quanto à realidade dessa ideia, que, como foi dito, mesmo como fundamento de toda evidência só pode ser provada por si mesma; nossa conclusão é meramente hipotética; se a filosofia é, aquela é sua pressuposição necessária. O adversário pode, então, negar, seja a hipótese, seja a correção da consequência. No primeiro caso, poderá fazê-lo de modo científico, portanto dificilmente o realizará a não ser que se dedique a uma ciência do saber, isto é, à filosofia. Temos de esperar que ele faça essa tentativa, para defrontar-nos com ele, mas podemos estar antecipadamente convencidos de que tudo aquilo que ele apresentar com o propósito mencionado serão, seguramente, também princípios, que podemos impugnar-lhe com fundamentos suficientes, de tal modo que, por certo, não somos capazes de convencê-lo, já que a primeira compreensão só é possível dar-se a si mesmo, mas ele também não pode apresentar o menor argumento pelo qual não nos ofereça esses pontos fracos bem patentes. Ou então ele poderá afirmar, totalmente sem fundamentos científicos, que não aceita a filosofia como ciência e não tem intenção de aceitá-la: não é preciso deixar-nos levar por isso, uma vez que, sem filosofia, ele também não pode saber que não há filosofia, e somente seu saber nos interessa. Desse modo, ele tem de deixar este assunto para que outros o resolvam entre si; ele mesmo renuncia a ter voto a esse respeito. O outro caso é que ele negue a correção da consequência. Isto, segundo as provas acima, só pode ocorrer se ele estabelecer outro conceito da filosofia, em virtude do qual seria possível nela um saber condicionado. Não se poderá nunca impedi-lo de chamar de filosofia algo qualquer dessa espécie, mesmo que fosse a psicologia empírica, mas com isso o lugar da ciência absoluta e a pergunta por ela permanecerão ainda mais certos, pois entende-se que o mau uso da palavra que designa uma coisa, dando-lhe a significação de coisas inferiores, não suprime a coisa mesma. Também pode quem possui a filosofia estar plenamente convencido, de antemão, de que, seja qual for o conceito de filosofia apresentado, além do de ciência absoluta, ele poderia sempre e infalivelmente provar que aquele conceito, muito longe de ser o da filosofia, nem sequer é, em geral, o de uma ciência. Em poucas palavras: aquela compreensão de que o absolutamente ideal é o absolutamente real é a condição de toda cientificidade superior, não somente na filosofia, mas também na geometria e na matemática em seu conjunto. Essa indiferença do real e do ideal, que as ciências matemáticas acolhem em um sentido subordinado, a filosofia apenas faz valer em sua significação mais alta e mais universal, depois de ter afastado dela toda referência sensível, portanto em si. Nela repousa aquela evidência que é própria às ciências superiores; somente sobre este terreno, onde, para uma realidade absoluta, nada mais é requerido do que a ideal idade absoluta, pode o geômetra atribuir a sua construção, que contudo é uma idealidade, absoluta realidade, e afirmar que o que vale para aquela forma vale também, eterna e necessariamente,para o objeto. Se, em contrapartida, alguém quisesse lembrar ao filósofo que aquele absolutamente ideal, por sua vez, só é, entretanto, para ele e para seu pensar, assim como o idealismo empírico, principalmente contra Espinosa, via de regra nada mais pode alegar, a não ser que ele errou em não refletir outra vez sobre seu próprio pensar pois, ao fazê-lo, teria sem dúvida percebido que seu sistema é, por sua vez, apenas um produto do seu pensar, solicitamos a tal interlocutor apenas que, por seu lado, empreenda a reflexão muito simples de que também essa reflexão, pela qual ele faz daquele pensar o seu pensar e, portanto, um pensar subjetivo, é, por sua vez, apenas sua reflexão, portanto algo meramente subjetivo, de tal modo que aqui uma subjetividade é corrigida e suprimida por outra. Como não pode pôr isto em discussão, ele aceitará que, portanto, aquele absolutamente ideal, em si, não é nem algo subjetivo nem algo objetivo, e nem o seu pensar nem o de um homem qualquer, mas justamente pensar absoluto. Pressupomos, em toda a exposição seguinte, esse conhecimento da indiferença do absolutamente ideal com o absolutamente real, que é, ela mesma, absoluta, e temos de assegurar a cada um que, se ele, além daquele, pensa ou deseja ainda um outro Absoluto, não apenas não podemos auxiliá-lo a chegar a nenhum saber dele, mas também nos será impossível ser inteligíveis em nosso próprio saber do Absoluto. Temos de partir daquela ideia do absolutamente ideal; nós o determinamos como saber absoluto, absoluto ato de conhecimento. Um saber absoluto é apenas um saber tal que nele o subjetivo e o objetivo não são unificados como opostos, mas no qual o subjetivo inteiro é o objetivo inteiro e inversamente. Entendeu-se a identidade absoluta do subjetivo e objetivo como princípio da filosofia, em parte, apenas negativamente (como mera não diferença), em parte como mera vinculação de dois opostos em si em um terceiro que, aqui, deveria ser o Absoluto, e, em parte, ela ainda é entendida assim. A opinião era, pelo contrário, que subjetivo e objetivo, também considerados cada um por si, e não meramente em uma unificação contingente ou pelo menos alheia a eles, são um só. De modo geral, dever-se-ia, nessa designação da ideia suprema, não pressupor o subjetivo e o objetivo, mas antes indicar que ambos, como opostos ou vinculados, devem ser concebidos, justamente, apenas naquela identidade. O Absoluto é, como talvez todo aquele que tem alguma capacidade de meditar admite por si só, necessariamente identidade pura; é somente absolutez e nada outro, e a absolutez, por si, só é igual a si mesma: mas justamente também faz parte de sua ideia que essa identidade pura, como tal, independentemente de subjetividade e objetividade e sem que, em uma ou na outra, deixe de sê-lo, seja para si mesma matéria e forma, sujeito e objeto. Isso decorre de que somente o Absoluto é o absolutamente ideal, e vice-versa. Aquela mesma absolutez pura, aquela mesma identidade no subjetivo e no objetivo, era aquilo que, nesta designação, determinamos como a identidade, a essência igual, do subjetivo e do objetivo. Subjetivo e objetivo, segundo esta explicação, não são um só como opostos o são, pois com isso nós desistiríamos dela mesma como tal: só é, pelo contrário, uma subjetividade e objetividade na medida em que aquela absolutez pura, que, em si mesma, tem de ser independente de ambas e não pode ser nem uma nem a outra, se introduz para si mesma e por si mesma em ambas como a mesma absolutez. Devemos mostrar, ainda com mais precisão, a necessidade daquele sujeito-objetividade da absolutez indivisa. O Absoluto é um eterno ato de conhecimento, que em si mesmo é matéria e forma, um produzir, no qual, de maneira eterna, ele faz de si mesmo, em sua totalidade como ideia, como pura identidade, real, forma, e, inversamente de maneira igualmente eterna, dissolve a si mesmo como forma, nessa medida como objeto, na essência ou no sujeito. Pense-se, em primeiro lugar, o Absoluto, apenas para tornar clara esta relação (pois em si não há aqui nenhuma passagem), puramente como matéria, identidade pura, pura absolutez; mas como sua essência é um produzir e ele só pode tirar a forma de si mesmo, e ele mesmo é pura identidade, então também a forma deve ser essa identidade, e, portanto, essência e forma são nele um e o mesmo, ou seja, a mesma absolutez pura. Naquele momento, se podemos chamá-la assim, em que ele é meramente matéria, essência, o Absoluto seria pura subjetividade, fechada e envolta em si mesma: quando ele faz de sua própria essência uma forma, aquela subjetividade inteira, em sua absolutez, se torna objetividade, assim como, na retomada e transformação da forma na essência, a objetividade inteira, em sua absolutez, se torna subjetividade. Aqui não há antes e depois, não há um sair do Absoluto para fora de si mesmo ou passagem ao agir; ele mesmo é esse agir eterno, pois faz parte de sua ideia que ele também é imediatamente por seu conceito, sua essência é para ele também forma, e a forma é essência. No ato de conhecimento absoluto distinguimos provisoriamente duas ações: a em que ele gera sua subjetividade e infinitude inteiramente na objetividade e na finitude, até a unidade essencial desta última com aquela primeira, e a em que ele dissolve outra vez a si mesmo, sua objetividade ou forma, na essência. Como ele não é sujeito nem objeto, mas somente a essência idêntica de ambos, ele não pode, como absoluto ato de conhecimento, ser aqui sujeito puro, ali objeto puro; é sempre, e é como sujeito (onde dissolve a forma na essência) e como objeto (onde forma a essência na forma) somente a absolutez pura, a total identidade. Toda diferença que pode ter lugar aqui não está na própria absolutez, que permanece a mesma, mas está apenas em que ela, em um dos atos, é transformada, como essência indivisa, em forma e, no outro, como forma indivisa, em essência, e assim se forma eternamente em unidade consigo mesma. No próprio Absoluto estas duas unidades não se distinguem. Poderíamos sentir-nos tentados, agora, a determinar o próprio Absoluto, por sua vez, como a unidade dessas duas unidades, mas, para falar com precisão, ele não o é, já que só é cognoscível e determinável como a unidade daquelas duas na medida em que elas são distinguíveis, o que justamente não é o caso nele. Desse modo, ele é somente o Absoluto, sem mais nenhuma determinação; é, nessa absolutez e no agir eterno, pura e simplesmente uno e, contudo, imediatamente nessa unidade, outra vez uma totalidade, a saber, das três unidades, daquela em que a essência é absolutamente figurada na forma, daquela em que a forma é absolutamente figurada na essência e daquela em que estas duas absolutezes são, outra vez, uma única absolutez. O Absoluto não produz, a partir de si mesmo, nada além de si mesmo, portanto, mais uma vez, o Absoluto; cada uma das três unidades é o absoluto ato de conhecimento inteiro e se torna, ela mesma, como essência ou identidade, do mesmo modo que o próprio Absoluto, forma. Há, em cada uma das três unidades, apreendidas por seu lado formal, uma particularidade, por exemplo, que nela o infinito é figurado no finito ou vice-versa, mas essa particularidade não suprime a absolutez nem é suprimida por ela, embora, na absolutez, onde a forma é figurada inteiramente do mesmo modo que a essência e é ela mesma a essência, não possa ser distinguida. Aquilo que designamos aqui como unidades é o mesmo que outros entenderam por ideias ou mônadas, embora a verdadeira significação desses conceitos se tenha perdido há muito. Toda ideia é um particular que, como tal, é absoluto; a absolutez é sempre una, assim como a sujeito-objetividade dessa absolutez e sua própria identidade; somente o modo como a absolutez na ideia é sujeito-objeto faz a distinção. Nas ideias, que nada mais são do que sínteses da identidade absoluta - do universal e do particular (da essência e da forma), na medida em que ela mesma é outra vez universal - com a forma particular, não pode haver, justamente porque essa forma particular é posta outra vez como igual à forma absoluta ou à essência, uma coisa singular. Somente na medida em que uma das unidades, que estão outra vez no próprio Absoluto como uma só, capta a si mesma - sua essência, sua identidade - como mera forma, portanto como diferença relativa, é que ela se simboliza por coisas efetivas singulares, A coisa singular é apenas um momento daquele ato eterno da transformação da essência na forma; por isso, a forma, como particular, por exemplo como figuração do infinito no finito, é distinguida; mas aquilo que se torna objetivo através dessa forma é somente a própria unidade absoluta. Mas como, da figuração absoluta (por exemplo, da essência na forma), todos os momentos e graus estão contidos de uma só vez na figuração absoluta e, em tudo aquilo que nos aparece como particular, estão absolutamente acolhidos na ideia do universal ou essência, então, em si, algo finito ainda não surgiu verdadeiramente, mas apenas está expresso na unidade, em que está absorvido, de modo absoluto e eterno. As coisas em si, portanto, são as ideias no eterno ato de conhecimento e, como as ideias, no próprio Absoluto, são de novo uma só ideia, também todas as coisas são verdadeiramente e interiormente uma só essência, ou seja, a da pura absolutez na forma do sujeito-objetivação, e mesmo na aparição, onde a unidade absoluta só se torna objetiva pela forma particular - por exemplo: pela coisa efetiva singular -, toda diversidade entre estas não é, entretanto, uma diversidade essencial ou qualitativa, mas meramente inessencial e quantitativa, que repousa sobre o grau da figuração do infinito no finito. A respeito deste último ponto, é de notar a seguinte lei: que, na mesma proporção em que o infinito está figurado em um finito, este mesmo também está, por sua vez, como finito, no infinito, e que estas duas unidades, a propósito de toda essência, são de novo uma só unidade. O Absoluto só se expande no particular no ato de conhecimento eterno para, na absoluta figuração de sua infinitude no finito, recolher o próprio finito em si, e esses dois atos são nele um só. Portanto, onde um dos momentos desse ato - por exemplo, a expansão da unidade na pluralidade como tal - se torna objetivo, ali também o outro momento - do recolhimento do finito no infinito - assim como aquele que corresponde ao ato tal como é em si - ou seja, aquele em que um deles (expansão do infinito no finito) é imediatamente também o outro (re-figuração do finito no infinito) - tem de tomar-se, ao mesmo tempo, objetivo, e cada um deles tornar-se distinguível em particular. Vemos que, desse modo, assim que aquele conhecer eterno se dá a conhecer na distinção e, da noite de sua essência, sai à luz do dia, imediatamente as três unidades se destacam dele como particulares. A primeira, que, como figuração do infinito no finito, se transforma, dentro da absolutez, imediatamente na segunda, assim como esta nela, é, como unidade distinta, a natureza, assim como a segunda é o mundo ideal, e a terceira é distinguida como tal ali onde, nas outras duas, a unidade particular de cada uma, na medida em que se torna absoluta para si, ao mesmo tempo se dissolve e se transforma na outra. Mas, justamente porque natureza e mundo ideal têm cada um em si um ponto de absolutez em que os dois opostos confluem, cada um deles - a saber, se cada um deles for distinguido como unidade particular - tem de conter, por sua vez, em si, distintamente as três unidades, que, tomadas nessa distinção e subordinação a uma unidade, nós denominamos potências, de tal modo que esse tipo universal da aparição se repete necessariamente também no particular e, como o mesmo e igual, no mundo real e ideal. Pelo que foi apresentado até agora, conduzimos o leitor até este ponto, porque ele poderia desejar, em geral, em primeiro lugar uma intuição do único mundo em que está a filosofia, a saber, do mundo absoluto, e em seguida também da forma científica em que esta se expõe necessariamente. Precisávamos da ideia universal da própria filosofia para expor a filosofia da natureza como um dos lados necessários e integrantes do todo dessa ciência. A filosofia é ciência do Absoluto, mas, como o Absoluto em seu agir eterno compreende necessariamente, como um só, dois lados, um real e um ideal, a filosofia, considerada do lado da forma, tem necessariamente de dividir-se segundo dois lados, embora sua essência consista justamente em ver ambos os lados como um só no absoluto ato de conhecimento. O lado real daquele agir eterno torna-se patente na natureza: a natureza em si ou a natureza eterna é justamente o espírito trazido à luz na objetividade; a essência de Deus introduzida na forma, só que nela essa introdução compreende imediatamente a outra unidade. A natureza que aparece, em contrapartida, é a figuração da essência na forma aparecendo como tal ou na particularidade, portanto a natureza eterna na medida em que se corporifica e assim se expõe por si mesma como forma particular. A natureza, na medida em que aparece como natureza, isto é, como essa unidade particular, já está, portanto, como tal, fora do Absoluto, não a natureza como o próprio ato de conhecimento absoluto (Natura naturans), mas a natureza como o mero corpo ou símbolo daquela (Natura naturata). No Absoluto ela constitui, com a unidade oposta, que é o mundo ideal, uma única unidade, mas, justamente por isso, naquele não está nem a natureza como natureza nem o mundo ideal como mundo ideal, mas ambos como um único mundo. Portanto, se determinamos a filosofia em seu todo segundo aquilo no qual ela intui e expõe tudo, segundo o ato de conhecimento absoluto, do qual mesmo a natureza só é, por sua vez, um dos lados, segundo a ideia de todas as ideias, então ela é idealismo. Idealismo é e permanece, portanto, toda filosofia, e somente sob si este compreende outra vez realismo e idealismo, desde que aquele primeiro idealismo absoluto não seja confundido com este outro, que é de espécie meramente relativa. Na natureza eterna o Absoluto se torna para si mesmo, em sua absolutez (que é pura identidade), um particular, um ser, mas também neste ele é absolutamente ideal, absoluto ato de conhecimento; na natureza que aparece, é conhecida somente a forma particular como particular, e nesta o Absoluto se oculta em outro do que ele mesmo é em sua absolutez, em um finito, um ser, que é seu símbolo e que, como tal, adquire, como todo símbolo, uma vida independente daquilo que significa. No mundo ideal, ele como que despe o invólucro e aparece também como aquilo que é, como ideal, como ato de conhecimento, mas tal que, em contrapartida, deixa para trás o outro lado e conserva apenas um deles: o lado da re-dissolução da finitude na infinitude, do particular na essência. Isto - que o Absoluto, no ideal que aparece, aparece sem se transformar em outro - deu ocasião para que se desse a esse ideal relativo uma prioridade sobre o real e para que se estabelecesse como a própria filosofia absoluta um idealismo meramente relativo, tal como é, de maneira inconfundível, o sistema da doutrina da ciência. O todo de que parte a filosofia da natureza é o idealismo absoluto. A filosofia da natureza não precede o idealismo nem lhe é, de uma maneira qualquer, oposta, na medida em que ele é idealismo absoluto, mas o é na medida em que ele é idealismo relativo e, portanto, compreende apenas um dos lados do absoluto ato de conhecimento, que, sem o outro, é impensável. Para atender inteiramente a nosso fim, temos ainda de mencionar, em particular, algo das relações internas e da construção da filosofia da natureza em seu todo. Já foi lembrado que a unidade particular, justamente por ser particular, compreende também em si e para si, mais uma vez, todas as unidades. Assim a natureza. Essas unidades, cada uma das quais designa um grau determinado da figuração do infinito no finito, são expostas em três potências da filosofia da natureza. A primeira unidade, que, na figuração do infinito no finito, é, mais uma vez, essa própria figuração, expõe-se no todo pela estrutura do universo, no singular pela série dos corpos. A outra unidade, da re-figuração do particular no universal ou essência, exprime-se - mas sempre em subordinação à unidade real, que é dominante na natureza - no mecanismo universal, em que o universal ou essência se projeta como luz, o particular como corpos, segundo todas as determinações dinâmicas. Enfim, a absoluta uni-figuração ou indiferenciação das duas unidades, embora no real, é expressa pelo organismo, que, por isso, mais uma vez, só que não considerado como síntese, mas como primeiro, é, ele mesmo, o em si das duas primeiras unidades e a perfeita contraimagem, o perfeito correlato do Absoluto na natureza e para a natureza. Mas justamente aqui, onde a figuração do infinito no finito chega até o ponto da absoluta indiferenciação, essa figuração se dissolve também, imediatamente, na oposta e, com isso, no éter da identidade absoluta; assim, com a completa imagem real do Absoluto no mundo real, com o mais completo organismo, introduz-se também, imediatamente, na razão, a mais completa imagem ideal, embora também esta, mais uma vez, apenas para o mundo real; e aqui, no mundo real, os dois lados do absoluto ato de conhecimento se mostram, assim como no Absoluto, como modelo e contraimagem um do outro: a razão simbolizando-se no organismo, assim como o absoluto ato de conhecimento na natureza eterna; o organismo, assim como a natureza no eterno recolhimento do finito no infinito, transfigurado na razão, na idealidade absoluta. A designação dessas mesmas potências e relações pelo lado ideal, em que elas retornam como as mesmas segundo a essência, embora transformadas segundo a forma, está fora de nossa esfera. Se se considera a filosofia da natureza - da qual a presente obra, em sua primeira configuração, contém ainda somente os longínquos pressentimentos, ainda embaraçados nos conceitos subordinados do idealismo meramente relativo - por seu lado filosófico, ela é, até o tempo presente, a tentativa mais cabal de exposição da doutrina das ideias e da identidade da natureza com o mundo das ideias. Foi em Leibniz que esta alta perspectiva encontrou sua mais recente renovação, só que, em grande parte, mesmo ele - e ainda mais seus sucessores - permaneceu apenas nas doutrinas mais gerais, além disso inteiramente incompreendidas por aqueles e, mesmo nele, não desenvolvidas cientificamente, sem a tentativa de conceber verdadeiramente o universo através delas e torná-las válidas universal e objetivamente. Aquilo que, há talvez não muito tempo, mal era sentido ou pelo menos era considerado como impossível - a completa exposição do mundo intelectual nas leis e formas do mundo que aparece e portanto, inversamente, o conceber completo dessas leis e formas a partir do mundo intelectual - em parte já foi efetivamente realizado pela filosofia da natureza, em parte está em via de ser realizado por ela. Apresentamos, como o exemplo talvez mais intuitivo, a construção que ela fornece das leis universais do movimento dos corpos celestes, uma construção da qual talvez nunca se teria acreditado que já seu germe estava contido na doutrina das ideias de Platão e na monadologia de Leibniz. Do lado do conhecimento especulativo da natureza, considerado como tal, ou como física especulativa, a filosofia da natureza não tem nada de semelhante antes dela, e por isso se quis apresentar como tal a física matemática de Le Sage, a qual, como todas as teorias atomísticas, é uma teia de ficções empíricas e de hipóteses arbitrárias, sem nenhuma filosofia. O que a antiguidade tenha legado de aparentado com ela está, em grande parte, perdido. Com a filosofia da natureza começa - depois do modo cego e sem ideias da investigação natural que se estabeleceu universalmente desde a corrupção da filosofia por Bacon e da física por Boyle e Newton - um conhecimento superior da natureza; forma-se um novo órgão de intuição e de concepção da natureza. Quem se elevou à perspectiva da filosofia da natureza, quem possui a intuição que ela requer em seu método, dificilmente poderá deixar de admitir que ela põe em condições de resolver, com segurança e necessidade, exatamente os problemas que pareciam impenetráveis à investigação da natureza até agora, embora, sem dúvida, em um campo inteiramente outro que aquele em que se havia procurado por sua solução. Aquilo em que a filosofia da natureza se distingue de tudo o que, até agora, se denominou teorias dos fenômenos naturais é que estas inferiam dos fenômenos aos fundamentos, pautavam as causas pelos efeitos, para, posteriormente, derivar estes daquelas. Sem levar em conta o círculo eterno em que giram aqueles esforços estéreis, as teorias dessa espécie, mesmo quando alcançavam seu (ponto) supremo, só podiam demonstrar uma possibilidade de que fosse assim, mas nunca a necessidade. Os lugares-comuns contra essa espécie de teorias - contra as quais os empiristas se exaltam constantemente, sem entretanto conseguir reprimir a tendência a elas - são os mesmos que ainda hoje se fazem ouvir contra a filosofia da natureza. Na filosofia da natureza há tão pouco lugar para explicações quanto na matemática; ela parte dos princípios certos em si, sem que nenhuma direção lhe seja eventualmente prescrita pelo que aparece; sua direção está contida nela mesma, e, quanto mais fiel ela permanece a esta, mais seguramente os fenômenos, por si mesmos, vão colocar-se no único lugar em que podem ser compreendidos como necessários, e este lugar no sistema é a única explicação que ela fornece sobre eles. Com essa necessidade se concebem - na conexão universal do sistema e no tipo que, para a natureza no todo como no particular, decorre da própria essência do Absoluto e das ideias - os fenômenos, não somente da natureza universal, sobre a qual anteriormente só se conheciam hipóteses, mas, com a mesma simplicidade e segurança, também os do mundo orgânico, cujas relações desde sempre se enumeraram entre as mais profundamente ocultas e para sempre incognoscíveis. Aquilo que, nas hipóteses mais engenhosas, ainda restava, a possibilidade de admiti-las ou não admiti-las, é inteiramente eliminado aqui. Aquele que simplesmente captou em geral a conexão e alcançou o ponto de vista do todo também foi despojado de toda dúvida; conhece que os fenômenos só podem ser assim e, portanto, também têm de ser da maneira como são expostos nessa conexão: possui, em poucas palavras, os objetos através de sua forma. Concluiremos fazendo algumas considerações sobre a relação superior da filosofia da natureza com os novos tempos e com o mundo moderno em geral. Espinosa permaneceu desconhecido por mais de cem anos. A apreensão de sua filosofia como uma mera doutrina da objetividade não permitiu reconhecer nele o verdadeiro Absoluto. A determinidade com a qual ele reconheceu a sujeito-objetividade como o caráter necessário e eterno da absolutez mostra a alta destinação que estava em sua filosofia e cujo desenvolvimento completo estava reservado para um tempo mais tardio. Nele mesmo falta ainda uma passagem cientificamente cognoscível da primeira definição da substância para a grande proposição-mestra de sua doutrina: que tudo aquilo que pode ser percebido por um entendimento infinito como constituindo a essência da substância pertence a uma substância única e, consequentemente, que substância pensante e substância extensa é uma e a mesma substância, que ora é compreendida sob este, ora sob aquele atributo. Ética, livro II, proposição 7, Escólio. O conhecimento científico dessa identidade, cuja falta em Espinosa expôs sua doutrina aos mal-entendidos dos tempos até agora, tinha também de ser o começo do renascimento da própria filosofia. A filosofia de Fichte, que foi a primeira a fazer valer outra vez a forma universal do sujeito-objetividade como o uno e o todo da filosofia, pareceu, quanto mais se desenvolvia, tanto mais limitar essa própria identidade, outra vez, como uma particularidade, à consciência subjetiva, mas absolutamente e em si tomá-la como objeto de uma tarefa infinita, de uma exigência absoluta, e, dessa maneira, depois da extração de toda substância da especulação, deixá-la para trás como um resíduo vazio e, em contrapartida, como a doutrina kantiana, ligar a absolutez, pelo agir e pela crença, novamente à mais profunda subjetividade. A filosofia tem exigências mais altas a cumprir e deve abrir, enfim, os olhos da humanidade, que já viveu por tempo suficiente, seja na crença ou na descrença, indigna e insatisfatoriamente. O caráter de todo o tempo moderno é idealista, o espírito dominante é o retorno à interioridade. O mundo ideal move-se poderosamente para a luz, mas o que ainda o retém é que a natureza se retirou como mistério. Os próprios segredos que estão naquele mundo não podem tornar-se verdadeiramente objetivos, a não ser no mistério da natureza enunciado. As divindades ainda desconhecidas, que o mundo ideal prepara, não podem entrar em cena como tais antes de poderem tomar posse da natureza. Depois que todas as formas finitas forem desmanteladas e no vasto mundo não houver mais nada que unifique os homens como intuição comum, somente a intuição da identidade absoluta na mais completa totalidade objetiva pode, de novo e na última configuração da religião, unificá-los para sempre.