Immanuel Kant – Observações Sobre o Sentimento do Belo e do Sublime - Ensaio Sobre as Doenças Mentais Índice Primeira seção Dos diferentes objetos do sentimento do sublime e do belo Segunda seção Das qualidades do sublime e do belo no homem em geral Terceira seção Da diferença entre o sublime e o belo na relação dos sexos Quarta seção Dos caracteres nacionais na medida em que residem no sentimento diferenciado do sublime e do belo Ensaio sobre as doenças mentais PRIMEIRA SEÇÃO DOS DIFERENTES OBJETOS DO SENTIMENTO DO SUBLIME E DO BELO As diferentes sensações de contentamento ou desgosto repousam menos sobre a qualidade das coisas externas, que as suscitam, do que sobre o sentimento, próprio a cada homem, de ser por elas sensibilizado com prazer ou desprazer. Provém daí as satisfações de alguns homens por aquilo de que outros têm asco, a paixão amorosa, que frequentem ente é um enigma para todos, ou mesmo a intensa repugnância que alguém sente por algo de todo indiferente a outra pessoa. O campo de observações dessas particularidades da natureza humana estende-se a perder de vista, e oculta ainda descobertas tão agradáveis quanto instrutivas. Aqui lanço meu olhar, mais de observador do que de filósofo, apenas sobre alguns pontos que parecem apresentar-se como relevantes nessa área. Visto que um homem só se sente feliz na medida em que satisfaz uma inclinação, certamente não é pouca coisa o sentimento que o habilita a gozar de grandes satisfações, sem para isso carecer de talentos excepcionais. Gente corpulenta, para quem o autor mais espirituoso é o próprio cozinheiro e para quem as obras do gosto refinado encontram-se na própria adega, terá, nas obscenidades comuns e em um gracejo inconveniente, alegria tão intensa quanto aquela da qual tanto se orgulham pessoas de nobre sentimento. Um homem acomodado, que ama a leitura dos livros porque o induz ao sono; o negociante, a quem todas as satisfações parecem triviais, exceto aquela de que goza um homem astuto quando calcula os seus ganhos; aquele que ama o outro sexo apenas enquanto o toma entre as coisas de que se pode desfrutar; o amante da caça, cujas presas sejam moscas, como as de Domiciano, ou animais selvagens, como de A... : todos estes têm um sentimento que, à sua maneira, os torna aptos a gozar de satisfações, sem que invejem as de outros ou sequer façam ideia delas. Aqui, porém, não dispensarei nenhuma atenção a isso. Há ainda um sentimento de espécie mais refinada, assim qualificado, quer porque se pode desfrutá-lo mais demoradamente sem saciedade e extenuação, quer porque, por assim dizer, pressupõe uma sensibilidade da alma, que igualmente a torna apta a movimentos virtuosos, quer porque indica talentos e qualidades do entendimento, como que em oposição àqueles primeiros sentimentos, que podem ocorrer mesmo na completa ausência de pensamento. O que desejo considerar é um aspecto desse sentimento. Excluo aqui, todavia, a inclinação que se liga a visões elevadas do entendimento, e o enlevo de que um Kepler era capaz, o qual, pelo que nos relata Bayle, não trocaria nenhuma de suas descobertas por um principado. Esse sentimento é por demais refinado para fazer parte do presente projeto, que se restringirá àquela espécie que mesmo as almas mais comuns são capazes de sentir. O sentimento refinado, que ora queremos considerar, é sobretudo de dupla espécie: o sentimento do sublime e do belo. A comoção produzida por ambos é agradável, mas segundo maneiras bem diferentes. A vista de uma cordilheira, cujos cumes nevados se elevam acima das nuvens, a descrição de uma tempestade furiosa ou a caracterização do inferno, em Milton, provocam satisfação, porém com assombro; em contrapartida, a vista de um prado florido, vales com regatos sinuosos, com rebanhos pastando, a descrição do Elísio, ou o que conta Homero do cinturão de Vênus, também despertam uma sensação agradável, que porém é alegre e jovial. Assim, para que aquela primeira impressão possa se produzir em nós com a devida intensidade, precisamos ter um sentimento do sublime; e, para bem desfrutar corretamente da última, de um sentimento do belo. Grandes carvalhos e sombras isoladas num bosque sagrado são sublimes; tapetes de flores, pequenas cercas de arbusto e árvores talhadas em figura são belos. A noite é sublime, o dia, belo. Na calma quietude de uma noite de verão, quando a luz tremula das estrelas rompe a escuridão da noite que abriga uma lua solitária, almas que possuem um sentimento do sublime serão pouco a pouco despertadas para o mais alto sentimento de amizade, de desprezo ao mundo, de eternidade. O dia resplandecente infunde um fervor ativo e um sentimento de jovialidade. O sublime comove [rührt], o belo estimula [reizt]. O rosto de um homem que experimenta integralmente o sentimento do sublime é sério, por vezes rígido e perplexo. Em contrapartida, a intensa sensação do belo anuncia-se por uma irradiante satisfação nos olhos, por traços sorridentes e, frequentemente, por uma perceptível jovialidade. O sublime, por sua vez, possui outro feitio. Seu sentimento é por vezes acompanhado de certo assombro ou também de melancolia, em alguns casos apenas de uma calma admiração e, noutros, de uma beleza que atinge uma dimensão sublime. O primeiro deles denomino sublime terrível, o segundo, nobre, e o terceiro, magnífico. A solidão profunda é sublime, mas de maneira terrível. (Quero dar apenas um exemplo do nobre assombro que a descrição de uma completa solidão pode inspirar, e, com esse fim, cito alguns passos do sonho de Carazan, do Magazin de Bremern, IV, p. 539 e ss. À medida que suas riquezas aumentavam, esse rico avaro fechava o coração à compaixão e ao amor. Todavia, quanto mais esfriava nele o amor pelos homens, maior a assiduidade de suas orações e práticas religiosas. Após essa confissão, ele assim prosseguiu: Numa noite, quando fazia minhas contas e calculava os benefícios de meu negócio, adormeci. Vi então o anjo da morte aproximar-se de mim como um turbilhão; e, antes que pudesse evitar, golpeou-me terrivelmente. Fiquei petrificado tão logo percebi que minha sorte estava para sempre lançada, e que a todo o bem que praticara nada mais poderia ser acrescido, e que, de todo mal que perpetrara, nada poderia ser subtraído. Fui levado diante do trono daquele que habita o terceiro céu. Assim me falou o brilho, que ardia diante de mim: Carazan, teu culto a Deus é abjeto. Fechaste o coração ao amor pelos homens e defendeste teus tesouros com mão de ferro. Viveste somente para ti mesmo e, por isso, deverás também na eternidade vindoura viver só, privado de toda comunidade com a Criação. Nesse instante, fui arrebatado por uma força invisível e transportado pelo edifício reluzente da Criação. Logo deixei inumeráveis mundos às minhas costas. Quando me aproximei do limite último da natureza, percebi que as sombras do vazio ilimitado precipitavam-se no abismo que havia diante de mim. Um reino medonho de eterno silêncio, solidão e trevas. Esse espetáculo infundiu em rum um terror inexprimível. Pouco a pouco, ia perdendo de vista as últimas estrelas, e, finalmente, o último vestígio faiscante de luz extinguiu-se na mais absoluta escuridão. O medo desesperado da morte aumentava a cada momento, como a cada momento multiplicava a distancia do último mundo habitado. Com uma intolerável angústia no coração, pensava que, se por cem milhões de anos me levassem para além das fronteiras de todo o universo, teria ainda e para sempre meu olhar mergulhado no abismo imensurável das trevas, sem auxílio nem esperança de regresso. Nesse atordoamento levei a mão com tal veemência aos objetos da realidade, que despertei. Então aprendi a respeitar os homens; pois, naquele deserto terrível, mesmo o mais ínfimo deles, ao qual eu soberbamente fechara a porta, teria sido de longe preferível a todos os tesouros de Golconda. Nota do Autor.) Daí as vastas extensões desertas, como o colossal deserto de Chamo, na Tartária, propiciarem sempre a ocasião de povoá-las de sombras medonhas, duendes e fantasmas. É necessário ao sublime ser sempre grande, o belo também pode ser pequeno. O sublime precisa ser simples [einfältig], o belo pode ser adornado e amaneirado. Uma altura elevada é tão sublime quanto uma profunda depressão, só que a esta acompanha uma sensação de assombro, àquela de admiração; por esse motivo a primeira sensação pode ser a do sublime terrível, a segunda, do sublime nobre. Como nos reporta Hasselquist, a vista de uma pirâmide egípcia comove muito mais que qualquer descrição que dela possamos imaginar, porém sua construção é simples e nobre. A igreja de São Pedro, em Roma, é magnífica. Nesse projeto, grande e simples, a beleza - o ouro, os mosaicos etc. - é tão profusa que o sentimento do sublime aí atua no limite, e o objeto é denominado magnífico. Um arsenal deve ser nobre e simples, um palácio residencial magnífico, e o de verão, belo e amaneirado. Uma longa duração é sublime. Caso pertença a um tempo passado, é nobre; antevista num futuro imprevisível, possuirá em si qualquer coisa de terrível. Uma construção remanescente da antiguidade remota é digna de veneração. A descrição de Haller sobre a eternidade vindoura infunde um doce assombro, a da eternidade passada uma inflexível admiração. SEGUNDA SEÇÃO DAS QUALIDADES DO SUBLIME E DO BELO NO HOMEM EM GERAL O entendimento é sublime, o engenho [Witz] é belo. A ousadia é sublime e elevada; a astúcia, pequena, porém bela. Cautela, disse Cromwell, é virtude de prefeito. Sinceridade e probidade são simples e nobres; gracejo e adulação amável, delicados e belos. Gentileza é a beleza da virtude. A solicitude desinteressada é nobre, a polidez (politèsse) e a cortesia são belas. Qualidades sublimes infundem alto respeito; as belas, porém, amor. Pessoas, cujo sentimento tende preferencialmente ao belo, só procuram amigos honestos, constantes e sérios quando estão necessitados; para o entretenimento, elegem companhias agradáveis, gentis e graciosas. Quando se aprecia demais a alguém, torna-se impossível amá-lo. Embora suscite admiração, está por demais acima de nós para que ousemos nos aproximar dele com a intimidade do amor. Aqueles que combinam ambos os sentimentos descobrem que a comoção do sublime é mais poderosa que a do belo, só que, sem se alternar com esta ou ser por ela acompanhada, cansa, e não pode ser desfrutada por muito tempo. (As sensações do sublime intensificam as forças da alma e, por isso, a esgotam mais cedo. Poderemos ler seguidamente por mais tempo um poema pastoral do que o Paraíso Perdido, de Milton, e de la Bruyére por mais tempo do que Young. Contudo, parece-me um equívoco que este último, como poeta moral, persevere monotonamente no sublime, pois a força sugestiva só pode ser renovada por meio do contraste com passos mais suaves. No belo, nada cansa mais do que o artifício trabalhoso que se deixa perceber. O desejo de interessar [reizen] toma-se penoso e é experimentado com estorvo. Nota do Autor.) Os sentimentos profundos, aos quais por vezes se eleva uma conversação em seleta companhia, devem ser intercalados por gracejos alegres, e as satisfações jocosas devem formar um belo contraste com o rosto sério e comovido, permitindo que as duas modalidades de sentimento se alternem sem constrangimento. A amizade possui em si, sobretudo, o traço do sublime, o amor pelo outro sexo, porém, o traço do belo. Ternura e profundo respeito dão a este último certa dignidade e sublimidade, enquanto o gracejo encantador e a intimidade elevam, nesse sentimento, o colorido do belo. Em minha opinião, a tragédia distingue-se da comédia principalmente nisto, que na primeira o sentimento é suscitado pelo sublime, na segunda pelo belo. Naquela, mostram-se o magnânimo sacrifício pelo destino alheio, a audaz resolução diante do perigo e a irrestrita lealdade. Ali o amor é melancólico, terno e muito respeitoso; a desventura de outrem move no íntimo do espectador sentimentos condolentes, e faz seu coração magnânimo bater pela sorte alheia. Será docemente comovido, sentindo a dignidade de sua própria natureza. Já a comédia representa intrigas sutis, confusões bizarras e tipos engenhosos que sabem delas se desvencilhar, tolos que se deixam burlar, situações divertidas e caracteres risíveis. O amor, aqui, é menos triste; é jovial e confiante. Porém, tanto neste quanto noutros casos, o nobre e o belo podem, num certo grau, encontrar-se unidos. Mesmo o vício e as fraquezas morais frequentemente implicam alguns traços do sublime ou do belo, ao menos na maneira em que se apresentam a nosso sentimento sensível, sem passarem pelo crivo da razão. A cólera de um homem temível, como a de Aquiles na Ilíada, é sublime. De modo geral, o herói de Homero é terrivelmente sublime, o de Virgílio, ao contrário, é nobre. A vingança intrépida de uma grande injúria possui em si algo elevado, e, por mais que transgrida o que é permitido, sua narrativa provoca assombro e satisfação. Segundo o que nos conta Hanway, o xá Nadir, defendendo-se desesperadamente de conspiradores em sua tenda durante a noite, depois de ferido, gritou: Piedade! Meu desejo é perdoar-vos a todos! E nisto, erguendo o sabre, um dentre eles respondeu: Tu não mostraste nenhuma piedade, e tampouco merece alguma. A resoluta temeridade é demasiado perigosa num pícaro e, todavia, sua narrativa é comovente; e, mesmo quando este é arrastado a uma morte ignóbil, se vê, de certa forma, enobrecido por ela, visto afrontá-la com brio e desprezo. Por outro lado, um plano inventado com astúcia, mesmo se tem em vista uma patifaria, possui em si algo sutil e faz rir. A inclinação ao cortejo (coquetismo), em sua acepção mais fina, isto é, o desejo de mostrar-se simpático e agradar, é talvez condenável numa pessoa demasiadamente dócil, porém certamente bela e normalmente preferível à compostura respeitosa e séria. O aspecto de pessoas que agradam pela aparência exterior pertence ora a uma, ora a outra espécie de sentimento. Uma estatura elevada conquista consideração e respeito, a pequena, mais intimidade. A cor castanha e os olhos escuros aparentam-se mais ao sublime, os olhos azuis e a cor clara, ao belo. A uma idade algo avançada convêm melhor as características do sublime; à juventude, porém, as do belo. O mesmo se aplica à diferença de condição, e, em todas essas relações mencionadas, é preciso que as vestimentas também correspondam aos diferentes sentimentos. Pessoas grandes precisam ater-se à simplicidade ou, no máximo, à solenidade nos trajes; pessoas pequenas podem se vestir de modo enfeitado e adornado. Ao idoso convêm cores sóbrias e uniformidade do traje; a juventude brilha em peças de vestuário claras e vivas. Entre as posições sociais de igual riqueza e nível, é o eclesiástico aquele que deve apresentar a maior simplicidade, o homem público a maior suntuosidade. O chichisbéu poderá se enfeitar como quiser. Também nas circunstâncias exteriores da fortuna há algo que, ao menos na presunção dos homens, pertence a esses sentimentos. Diante do nascimento e do título, os homens se inclinam comumente ao respeito. Riqueza, ainda que sem mérito, é estimada mesmo por aqueles que não se interessam diretamente por ela, possivelmente porque associam à sua representação projetos de grandes ações, que poderiam ser realizados por meio dela. Ocasionalmente, esse respeito recai sobre com velhacos abastados, que jamais realizarão tais ações c que tampouco possuem alguma ideia do nobre sentimento unicamente capaz de tornar estimável tal riqueza. O que piora o mal da pobreza é o menosprezo, que não pode ser vencido - ao menos aos olhos da maioria - nem mesmo através do mérito, senão quando a condição social e o título servem para enganar esse rude sentimento, iludindo-o, em parte, para a vantagem do pobre. Na natureza humana, jamais se encontram qualidades louváveis sem que, ao mesmo tempo, suas anomalias nos conduzam, através de infinitas variações, até a mais manifesta imperfeição. A qualidade do sublime terrível, quando inteiramente inatural, é extravagante. (Na medida em que a sublimidade ou a beleza ultrapassam a média conhecida, é costume chamá-las romanescas [romanhaft]. Nota do Autor.) As coisas não naturais, na medida em que nelas se presume o sublime, embora encontrado em pouca ou nenhuma escala, são caricaturas. Quem ama o extravagante e nele crê, é um fantasioso; a inclinação à caricatura constitui o excêntrico. Por outro lado, o sentimento do belo degenera, se lhe falta inteiramente nobreza, e então o chamamos trivial. Um indivíduo com essa qualidade, quando jovem, chama-se simplório; se de meia-idade, passará por um janota. Visto ser o sublime indispensável à idade avançada, um velho janota é a criatura mais desprezível na natureza, assim como um jovem excêntrico a mais antipática e insuportável. Gracejo e vivacidade pertencem ao sentimento do belo. Todavia, pode aí transparecer entendimento bastante e, nessa medida, podem ser mais ou menos aparentados ao sublime. Aquele em cuja vivacidade não se nota essa combinação, tagarela. O tagarela constante é um estúpido. Nota-se facilmente que mesmo pessoas espertas vez por outra tagarelam, requerendo-se não pouco espírito para demo ver momentaneamente o entendimento de seu posto, sem se deixar enganar. Aquele, cuja fala ou ações não agradam nem comovem, é um maçante. O maçante, quando se ocupa em obter ambos os efeitos, é um insípido. O insípido, quando cheio de si, é um tolo. (Nota-se com facilidade que essa honrada sociedade divide-se em duas lojas, a dos cismáticos e a dos janotas. Um janota instruído será discretamente chamado de pedante. Caso tome o ar arrogante da sapiência, como os Dunse de antigamente e de hoje, lhe cairá bem o gorro e o guizo. No grande mundo, encontra-se com maior frequência a classe dos janotas. É, talvez, melhor que a dos primeiros. Há muito que ganhar e se divertir com eles. Nessa caricatura, cada um faz a imitação do outro, golpeando com a cabeça vazia aquela de seu confrade. Nota do Autor.) Através de exemplos, tornarei mais compreensível essa estranha compilação das fraquezas humanas. Afinal, quem carece do cinzel de Hogarth precisa substituir, pela descrição, o que é incapaz de exprimir com o desenho. Arriscar-se temerariamente pelos nossos direitos, pelos da pátria, pelos nossos amigos, é sublime. As cruzadas, a antiga arte da cavalaria, eram extravagantes; os duelos, mísero resquício daquele mundo a partir de uma inversão no conceito de honra, são caricaturas. Distanciar-se melancolicamente do rumor do mundo, em virtude de um bem fundado tédio, é nobre. A solitária devoção dos antigos eremitas era extravagante. Quiosques e claustros para aprisionar santos vivos são caricaturas. Dominar as paixões por meio de princípios é sublime. Mortificações, votos e muitas outras virtudes monásticas são caricaturas. Ossadas, madeira sacra e todas as peças desse tipo, sem exceção dos excrementos sagrados do grande Lama do Tibete, são caricaturas. Entre as obras do engenho e do sentimento refinado, as histórias épicas de Virgílio e Klopstock incorrem no nobre, as de Homero e Milton no extravagante. As metamorfoses de Ovídio são caricaturas, os contos de fada da insensatez francesa, as caricaturas mais infelizes que alguém já forjou. Os poemas anacreônticos geralmente estão muito próximos do trivial. As obras do entendimento e da perspicácia, na medida em que contêm algo para o sentimento, também participam das mencionadas diferenças. A representação matemática da imensurável grandeza do universo, as considerações da metafísica sobre a eternidade, a providência, a imortalidade da nossa alma, todas contêm certa sublimidade e dignidade. Em contrapartida, a filosofia também se vê desfigurada em razão de sutilezas vazias, e a aparência de solidez que as quatro figuras do silogismo apresentam não impede que mereçam ser contadas entre os exercícios caricatos da escola. Entre as qualidades morais, apenas a verdadeira virtude é sublime. Todavia, há boas qualidades morais que são louváveis e belas, e, na medida em que se harmonizam com a virtude, são igualmente vistas como nobres, embora a rigor não possam ser incluídas no caráter virtuoso [tugendhafte Gesinnung]. A esse respeito, o juízo é sutil e complexo. Certamente não se pode denominar virtuosa a disposição de ânimo que é a fonte de ações com as quais a virtude poderia coincidir apenas com base num princípio que ocasionalmente concorda com elas, embora por sua natureza também possa frequentemente contradizê-la em suas regras universais. Certa ternura, que se vê facilmente tomada por um caloroso sentimento de compaixão, é bela e louvável, pois revela uma benévola participação no destino de outros homens, à qual também levam os princípios da virtude. Só que essa compaixão benigna é, todavia, fraca, e sempre cega. Pois, supondo que esse sentimento vos conduza a ajudar um necessitado com vossos esforços, sereis em débito com um terceiro, privando-vos, assim, da condição de cumprir o estrito dever da justiça. Logo, tal ação evidentemente não pode proceder de nenhum propósito virtuoso, pois um propósito de tal espécie jamais vos incitaria a sacrificar uma obrigação superior àquele cego encanto. Se, ao contrário, a benevolência universal para com o gênero humano tornou-se em vós o princípio ao qual subordinais todas as vossas ações, o amor pelo necessitado permanece, porém, é inserido, de um ponto de vista superior, na verdadeira relação com a integralidade de vosso dever. A benevolência universal é um fundamento de compadecimento com sua desgraça, mas também, e ao mesmo tempo, da justiça, cujos preceitos vos obrigam a renunciar a essa ação. Portanto, tão logo esse sentimento é alçado a sua devida universalidade, torna-se sublime, porém também mais frio. Afinal, não é possível que nosso coração se encha de ternura diante de cada homem, e tampouco que mergulhe em tristeza toda vez que depare com a miséria alheia. Fosse este o caso, o virtuoso, continuamente enlanguescido, como Heráclito, em lágrimas de compaixão, apesar de toda essa benevolência, não passaria de um indolente preguiçoso. (Através de um exame mais atento se descobre que, por mais amável que possa ser a qualidade da compaixão, não possui em si a dignidade da verdadeira virtude. Uma criança sofrendo, uma mulher infeliz e afável enchem-nos o coração de tristeza; ao mesmo tempo, é com frieza que recebemos a notícia de uma grande batalha na qual, como facilmente se supõe, uma parte considerável do gênero humano, sem nenhuma culpa, é obrigada a sucumbir às mais terríveis desgraças. Muitos príncipes, que por tristeza desviaram o olhar de uma única pessoa infeliz, ao mesmo tempo, e por motivos geralmente fúteis, declararam guerras. Não havendo nenhuma proporção nos resultados, como se pode então dizer que a causa seja o amor universal pela humanidade? Nota do Autor.) A segunda espécie de sentimento benévolo que, embora belo e louvável, não chega a formar a base de uma verdadeira virtude, é a amabilidade - inclinação a tornar-se agradável através da afabilidade, do consentimento aos desejos e da conformação de nossa conduta ao caráter dos outros. Esse princípio de uma encantadora sociabilidade é belo, e a docilidade de tal coração é de boa índole. Só que não é nenhuma virtude, de modo que, se princípios superiores não lhe impõem limites, atenuando-a, todos os vícios podem dela se originar. Essa amabilidade para com aqueles com os quais nos relacionamos é, no mais das vezes, uma injustiça com um terceiro que se encontra fora desse pequeno círculo; ademais, um homem, se for guiado apenas por esse impulso, poderá possuir todos os vícios, não por uma inclinação imediata, mas por viver agradando aos outros. Graças a esta amável sociabilidade, tomar-se-á um mentiroso, um indolente, um ébrio etc., pois não age conforme as regras que concernem ao bom comportamento, mas segundo uma inclinação, que, embora em si bela, quando seguida sem medida e sem princípios, é trivial. A verdadeira virtude, portanto, só pode ser engendrada em princípios que, quanto mais universais, a tomam tanto mais sublime e nobre. Tais princípios não são regras especulativas, mas a consciência de um sentimento que vive em cada coração humano, e que é bem mais vasto do que os fundamentos particulares da compaixão e da amabilidade. Creio resumir tudo o que foi dito quando afirmo que esse sentimento é o sentimento da beleza e da dignidade da natureza humana. O primeiro é um fundamento da benevolência universal, o segundo do respeito universal, e se num coração humano tal sentimento se apresentasse na mais alta perfeição, esse homem também amaria e apreciaria a si mesmo, mas apenas na medida em que é um dentre aqueles aos quais se estende seu vasto e nobre sentimento. Apenas quando se subordina a inclinação particular a essa outra tão ampla, é que se podem empregar os bons impulsos com equilíbrio, atingindo o nobre decoro, que é a beleza da virtude. Em vista das fraquezas da natureza humana e do exíguo poder que o sentimento moral universal é capaz de exercer sobre a maior parte dos corações humanos, a providência colocou em nós, como suplementos da virtude tais instintos de solidariedade, que, se levam alguns a praticar belas ações também sem princípios, ao mesmo tempo podem conferir um maior enlevo e um impulso mais forte a outros, que são por eles regidos. Compaixão e condescendência são fundamentos de belas ações, que talvez fossem inteiramente sufocadas mediante a preponderância de um egoísmo demasiadamente rude; só que, como observamos, não são fundamentos imediatos da virtude, não obstante adquiram seu nome, visto se enobrecerem devido ao parentesco com ela. Posso, por isso, chamá-las virtudes de adoção; já a outra, que repousa sobre princípios, virtude genuína [echte Tugend]. As primeiras são belas e atraentes, apenas a última é sublime e digna de veneração. Denominamos um bom coração a mente regida pelas primeiras sensações, e bondoso o homem de tal espécie; ao contrário, ao virtuoso por princípios atribui-se com direito um coração nobre, chamando-o porém de homem justo. Essas virtudes de adoção possuem, não obstante, grande afinidade com as verdadeiras virtudes, na medida em que contêm o sentimento de um prazer imediato com ações boas e benévolas. O bondoso, em razão da sua imediata amabilidade, agirá pacífica e atenciosamente convosco, sem outro propósito, e sentirá uma sincera condolência pela miséria alheia. Contudo, visto que essa simpatia moral não é ainda suficiente para incitar a indolente natureza humana a ações para o bem público, a providência também pôs em nós certo sentimento refinado, que nos põe em movimento, ou pode contrabalançar o rude egoísmo e a luxúria vulgar. Este é o sentimento de honra [Ehre] e sua consequência, o pudor. A opinião que outros podem ter de nosso valor e o juízo deles sobre nossas ações é um fundamento de ação de grande importância, que nos induz a muitos sacrifícios; e aquilo que boa parte dos homens jamais faria, nem por uma disposição que surge imediatamente da bondade, nem por princípios, termina frequentemente acontecendo apenas por causa da aparência exterior, a uma quimera, que, apesar de muito superficial em si mesma, é deveras útil, como quando o juízo de outrem determina o valor de nós mesmos e de nossas ações. O que provém desse impulso não é de modo algum virtuoso, razão pela qual também todo aquele que deseja ser assim considerado oculta cuidadosamente o desejo de honra como fundamento de sua ação. Essa inclinação não está tão próxima da virtude genuína quanto à bondade, pois não pode ser despertada pela beleza das ações, mas apenas pelo decoro efêmero refletido nos olhos alheios. Visto que o sentimento de honra é um sentimento refinado, posso denominar a qualidade que se assemelha à virtude, e aquilo que daí se origina, cintilamento de virtude [Tugendschimmer]. Se compararmos os estados de espírito dos homens, na medida em que um desses três gêneros de sentimento neles domina, determinando o caráter moral [moralischer Charakter] , veremos que cada um deles se aparenta muito com uma das divisões habituais dos temperamentos mas de maneira que uma maior falta de sentimento moral deva ser atribuída ao fleumático. Não porque a marca principal do caráter desses diferentes estados de espírito dependa dos traços citados - pois de maneira alguma consideramos neste ensaio o sentimento rude, por exemplo, do egoísmo, da luxúria vulgar etc., apesar de que, nas classificações que geralmente se fazem dessas inclinações, comparecem em primeiro plano - mas antes porque os refinados sentimentos morais que mencionei acima podem se ligar mais facilmente com um ou outro desses temperamentos e, na maior parte das vezes, a eles se encontram efetivamente ligados. Um íntimo sentimento para a beleza e a dignidade da natureza humana, além de autodomínio e vigor da mente como fundamento universal ao qual se refiram todas as ações, é sério, e não se associa bem com uma alegria volúvel nem tampouco com a inconstância de um leviano. Aproxima-se mesmo da melancolia, de um sentimento brando e nobre, na medida em que se funda sobre aquele assombro que sente uma alma limitada, quando, tomada de um grande propósito, vê os perigos que tem a vencer, tendo diante dos olhos o difícil, porém grande triunfo da auto-superação. Portanto, a virtude autêntica a partir de princípios possui em si algo que parece condizer mormente com a constituição melancólica da mente, em sentido atenuado. A bondade, que é a beleza e a refinada sensibilidade do coração de ser em certos casos comovido com compaixão ou benevolência, dependendo da ocasião, é muito sujeita à mudança das circunstâncias e, dado que o movimento da alma não repousa sobre um fundamento universal, facilmente assume configurações cambiantes, conforme os objetos ofereçam um ou outro aspecto. E, como tal inclinação se reporta ao belo, aparenta ligar-se o mais naturalmente àquela disposição de espírito denominada sanguínea, que é volúvel e dada aos prazeres. Nesse temperamento deveremos buscar as qualidades apreciadas que denominamos virtudes de adoção. O sentimento de honra é costumeiramente tomado como um traço da compleição colérica; a descrição de tal caráter nos fornecerá a ocasião de investigar as consequências morais desse sentimento refinado, que, no mais das vezes, visa apenas brilhar. Um homem jamais é inteiramente desprovido de vestígios do sentimento refinado. Porém, uma maior ausência dele - coisa que, por comparação, denomina-se também insensibilidade - ocorre no caráter do fleumático, que se vê privado também dos móbeis mais grosseiros, como a avidez de dinheiro etc.; em todo caso, porém, podemos conceder-lhe esta e outras inclinações semelhantes, visto de modo algum pertencerem a nosso plano. Seja-nos permitido agora observar mais de perto os sentimentos do sublime e do belo, sobretudo na medida em que são morais, à luz da classificação dos temperamentos por nós adotada. Aquele cujo sentimento pertence ao melancólico não é assim chamado por privar-se das alegrias da vida, por afligir-se numa sombria melancolia, mas porque seus sentimentos, caso ultrapassem um determinado grau ou tomem uma direção equivocada em função de certas razões, se reportam mais facilmente àquele estado que a outros. Ele possui sobretudo um sentimento do sublime. Mesmo a beleza, da qual sem dúvida possui o sentimento, precisa não apenas estimulá-lo, mas antes, visto que ao mesmo tempo lhe inspira admiração, também deve comovê-lo. Embora desfrute de contentamentos com mais austeridade, não o faz de maneira inferior. Todas as comoções do sublime possuem em si mais encanto do que as atrações volteantes do belo. Seu bem-estar consistirá mais em felicidade que em alegria. Ele é constante. Para isso, subordina seus sentimentos a princípios. Aqueles são tanto menos submetidos à inconstância e à mudança quanto mais universal é o princípio ao qual se subordinam e, portanto, quanto mais abrangente é o sentimento elevado, que compreende em si os sentimentos inferiores. Todos os fundamentos particulares das inclinações encontram-se submetidos a muitas exceções e modificações, caso não sejam derivados de tal princípio superior. O bem disposto e amistoso Alceste diz: Amo e aprecio minha mulher, pois é bela, carinhosa e esperta. Como, porém, amá-la, se fosse desfigurada pela doença, se tomasse rabugenta com a idade, e, depois de passado o primeiro momento de admiração, não parecesse mais esperta do que qualquer outra? O que pode resultar da inclinação, quando o fundamento já não está presente? Tomai, em contrapartida, o benevolente e firme Adrasto, que diz a si mesmo: Dispensarei amor e respeito a essa pessoa, pois é minha mulher. Esse caráter é nobre e generoso. Seja lá como for que se modifiquem os atrativos de ocasião, ela permanece sempre sua mulher. Mantém-se o fundamento nobre, sem que esteja submetido à inconstância das coisas exteriores. Tal é a natureza dos princípios em comparação com as disposições que nos exaltam apenas em ocasiões especiais, e assim é o homem de princípios, oposto àquele acidentalmente impulsionado por um movimento bondoso e amoroso. Se, porém, a voz secreta de seu coração sussurrar: "Preciso ajudar aquele homem, pois ele sofre; não porque seja meu amigo ou conhecido, ou porque saiba ser ele capaz de retribuir com gratidão ao benefício. Não é hora de raciocinar e se demorar em perguntas: ele é um homem, e o que acontece a um homem também me diz respeito". Nesse caso, seu comportamento tem por base o mais elevado fundamento da benevolência na natureza humana, e é sumamente sublime, quer por sua inalterabilidade, quer pela universalidade de sua aplicação. Prossigo com minhas observações. O homem com uma disposição de ânimo melancólica pouco se preocupa com o que outros julgam bom ou verdadeiro, tomando por base apenas a própria convicção. Porque nele os fundamentos de ação assumem a natureza de princípios, não é fácil inculcar-lhe outros pensamentos. Sua firmeza, ocasionalmente, também degenera em teimosia. Vê a mudança das modas com indiferença, e seu brilho, com desprezo. A amizade é sublime e, por isso, é própria para seu sentimento. Ele pode talvez perder um amigo volúvel; este, porém, não o perde tão facilmente. Mesmo a recordação de uma amizade passada lhe é digna de veneração. A conversação é bela, o silêncio pensativo é sublime. Sabe muito bem guardar segredos, seus ou alheios. A sinceridade é sublime, e ele odeia mentiras ou fingimento. Possui um elevado sentimento da dignidade da natureza humana. Aprecia a si mesmo, e tem o ser humano como criatura que merece respeito. Não tolera nenhuma subserviência abjeta, e seu nobre coração respira a liberdade. Todas as correntes, das douradas que se carregam na corte aos pesados ferros das galeras de escravos, lhe são abomináveis. É um severo juiz de si próprio e dos outros, e não raramente se vê enfastiado do mundo. Quando esse caráter degenera, a seriedade tende à melancolia, a devoção à exaltação, o zelo pela liberdade ao entusiasmo. A ofensa e a injustiça incitam-no ao desejo de vingança. Tais ocasiões o tomam um homem a ser seriamente temido. Desafia o perigo e despreza a morte. Graças à corrupção de seu sentimento e à falta de uma razão serena, recai na extravagância de inspirações, aparições, tentações. Se seu entendimento é ainda mais fraco, rebaixa-se ao caricaturesco de sonhos significativos, punições, desígnios maravilhosos. Corre o perigo de se transformar num sonhador, ou num excêntrico. Aquele cuja constituição de ânimo é sanguínea possui um sentimento predominante para O belo. Por isso, suas satisfações são jocosas e intensas. Quando não está contente, encontra-se insatisfeito, desconhecendo quase inteiramente o contentamento sereno. A diversidade é bela, e ele ama a mudança. Busca a alegria em si e em tomo de si, apraz aos outros e é um bom companheiro em sociedade. Possui grande simpatia moral [moralischer Sympathie]. A alegria alheia o satisfaz, o sofrimento alheio o enternece. Seu sentimento moral é belo, só que sem princípios, e sempre depende imediatamente da impressão momentânea que os objetos produzem sobre ele. E amigo de todos os homens, ou, o que quer dizer o mesmo, não é amigo de ninguém, apesar de ser bondoso e benevolente. Não dissimula. Hoje vos entreterá com sua amizade e boas maneiras; amanhã, se vos encontrar doentes ou em desgraça, sentirá verdadeira e honesta condolência, porém, afastar-se-á pouco a pouco, até que as circunstâncias tomem outro rumo. Não pode jamais ser juiz. Os princípios parecem-lhe geralmente muito severos e se deixa corromper pelas lágrimas. É um péssimo santo, jamais verdadeiramente bom nem verdadeiramente ruim. Frequentemente excede e é vicioso, mais por complacência que por inclinação. É generoso e benfazejo, porém um mau pagador de seus próprios débitos, pois, embora possuindo forte sentimento para o bem, é quase desprovido daquele para a justiça. Ninguém como ele possui uma impressão tão boa de seu próprio coração. Mesmo se não o estimais, sereis constrangidos a amá-lo. Na maior queda de seu caráter, rebaixa-se ao trivial, tornando-se fútil e pueril. Caso a idade não lhe atenue a vivacidade ou não lhe traga mais entendimento, corre o perigo de se tornar um velho janota. Aquele que se designa sob a qualidade de ânimo colérica possui um sentimento predominante para a forma de sublime que se pode denominar magnífica. Ela é, a bem dizer, apenas o cintilamento da sublimidade e uma cor de forte contraste que oculta o conteúdo interno, talvez apenas ruim ou comum, das coisas ou pessoas e que, mediante a aparência, engana e comove. Assim como uma construção que, com uma falsa fachada de pedras talhadas, produz uma impressão tão nobre como se realmente fosse feita delas, e assim como cornijas e pilastras coladas dão a ideia de firmeza, muito embora tenham pouca consistência e nada suportem, da mesma maneira resplandecem virtudes impuras, o ouropel da sabedoria e o mérito forjado. O colérico considera o próprio valor e o de suas coisas e ações segundo o decoro ou aparência sob a qual é observado. Em vista da qualidade interna e do fundamento de ação que o objeto contém em si próprio, é frio, e não se aquece pela verdadeira benevolência, ou tampouco se comove mediante o respeito. (Ele se considera feliz apenas enquanto supõe que outros o considerem como tal. Nota do Autor.) Seu comportamento é artificial. Precisa saber adotar diversos pontos de vista, a fim de julgar seu decoro segundo a posição diversa do espectador, visto perguntar-se menos pelo que ele é do que pelo que parece ser. Por isso, precisa conhecer o efeito e as diferentes impressões que seu comportamento exterior irá produzir sobre o gosto geral. Visto nessa astuciosa observação necessitar de sangue frio, não podendo permitir que seu coração seja ofuscado pelo amor, compaixão e simpatia, ele igualmente escapa de muitas tolices e aborrecimentos que afligem o sanguíneo, enfeitiçado por seu sentimento imediato. Por isso, amiúde parece mais inteligente do que de fato o é. Sua benevolência é cortesia, seu respeito, cerimônia, seu amor, uma forjada adulação. É sempre cheio de si mesmo quando faz às vezes de amante ou de amigo, jamais sendo verdadeiramente um ou outro. Busca brilhar por meio da moda; porém, porque nele tudo é artificial e produzido, torna-se engomado e deselegante. Muito mais do que o sanguíneo, que é movido apenas por meio de impressões ocasionais, age segundo princípios; porém não princípios de virtude, mas sim de honra, e não possui o sentimento da beleza ou do valor das ações, mas sim do juízo que o mundo poderia exprimir sobre elas. Dado que para o bem público sua conduta - na medida em que não se atenta para a fonte da qual provém - é de resto quase idêntica à da própria virtude, ele adquire aos olhos do vulgo a mesma consideração que o virtuoso, embora se dissimule cuidadosamente ante olhares mais penetrantes, pois bem sabe que, uma vez descobertos seus móbeis secretos de avidez de honra, ver-se-á privado de todo respeito. Por isso, dedica-se à dissimulação, é hipócrita na religião, bajulador em sociedade, e, na política, versátil conforme as circunstâncias. Aceita, com prazer, tornar-se um escravo dos grandes, a fim de com isso tiranizar os pequenos. A ingenuidade, essa nobre e bela simplicidade que traz consigo o selo da natureza e não do artifício, lhe é totalmente desconhecida. Por isso, quando seu gosto degenera, seu brilho torna-se gritante, isto é, assume uma jactância repugnante. Incorre, então, tanto no estilo quanto nas maneiras, em galimatias (o exagerado), espécie de caricatura que está para o magnífico, como o extravagante ou o excêntrico está para o sublime solene. Submetido a ofensas, recorre a duelos ou processos, e, nas relações sociais, a genealogias, precedências e títulos. Enquanto é apenas vaidoso, isto é, busca honra e se esforça por manter-se em evidência, ainda pode ser tido como suportável; porém, se é inteiramente desprovido de traços e talentos efetivos, revelando-se presunçoso, toma-se aquilo pelo que menos desejaria ser tomado, nomeadamente, um estúpido. Dado que, na mistura fleumática, não costumam entrar ingredientes do sublime ou belo num grau singularmente notável, essa qualidade da mente não pertence ao conjunto de nossas ponderações. Qualquer que seja a espécie, bela ou sublime, dos refinados sentimentos até agora mencionados, possuem todavia por destino comum o fato de que parecem sempre corrompidos e disparatados ao juízo daquele que é privado de um sentimento afinado com eles. Um homem cuja atividade seja tranquila e egoísta não possui, por assim dizer, sequer os órgãos para experimentar o nobre traço num poema ou numa virtude heroica; prefere ler um Robinson a um Grandison, e tem Catão por um tolo obstinado. Da mesma forma, aquilo que é interessante a uns parece trivial a pessoas que se caracterizam por um estado de espírito sério, e a despretensiosa ingenuidade de uma ação pastoral lhes é insípida e infantil. E os graus de sensibilidade variam muito mesmo para uma mente não de todo desprovida do sentimento refinado e apropriado, e é de se notar que alguém acha nobre e honesto aquilo que a outro aparece como grande, mas extravagante. As oportunidades que se apresentam para espreitar o sentimento alheio através de questões não morais podem nos oferecer a ocasião de concluir também, com grande probabilidade, acerca de seu sentimento no que concerne às qualidades superiores da mente, e mesmo às de seu coração. Quem se aborrece com uma bela música reforça bastante a suposição de que tampouco as belezas de estilo e os refinados encantamentos do amor terão algum efeito sobre ele. Há certo espírito de bagatela (esprit des bagatelles) que demonstra uma espécie de sentimento refinado, concernindo, porém, justamente ao oposto do sublime. Um gosto por algo em virtude de sua grande artificialidade e esforço, por versos, que podem ser lidos ao avesso, enigmas, relógios em anéis, correntinhas para pulgas etc. Um gosto por tudo o que é calculado e ordenado de maneira minuciosa, embora sem qualquer utilidade, como, por exemplo, livros cuidadosamente enfileirados na estante, e uma cabeça vazia, que, contemplando-os, se alegra, ou cômodos adornados como receptáculos óticos, absolutamente limpos, juntamente com o dono inóspito e rabugento que neles habita. Um gosto por tudo o que é raro, sobretudo se tem, em si mesmo, um valor ínfimo: a lanterna de Epiteto, uma luva do rei Carlos XII. De certo modo, a numismática entra nessa categoria. Frequentemente tais pessoas encontram-se sob a suspeita de ser, nas ciências, sonhadoras e excêntricas; em moral, porém, inteiramente desprovidas de qualquer sentimento do que é livremente belo ou nobre. Fazemos injustiça uns aos outros, quando nos desembaraçamos de alguém que não vê o valor ou beleza daquilo que nos comove ou atrai, alegando que não o compreende. Casos como este dependem menos do que o entendimento compreende, do que daquilo que o sentimento experimenta. Ao mesmo tempo, as faculdades da alma possuem tal conexão, que frequentemente se torna possível, a partir da manifestação da sensação, concluir acerca dos talentos intelectuais. Pois estes seriam dados em vão a alguém que, tendo muitos méritos intelectuais, não possuísse, concomitantemente, um forte sentimento para o nobre ou belo verdadeiro, que devem ser os móbeis na aplicação boa e regular daqueles dons da alma. (Nota-se também que certo refinamento no sentimento passa por mérito. Que um homem possa fazer uma boa refeição à base de carne ou doces, e que durma incomparavelmente bem, isso é interpretado como sinal de um bom estômago, mas não como mérito. Em contrapartida, aquele que sacrifica uma parte de seu repasto à audição de uma música, ou que, diante de uma pintura, é capaz de absorver- se numa agradável distração, ou que lê com prazer coisas engenhosas, mesmo que sejam apenas bagatelas poéticas, adquire aos olhos de todos o ar de um homem refinado, do qual se possui uma opinião mais favorável - para ele, mais honrosa. Nota do Autor.) É comum denominar-se útil apenas àquilo que pode satisfazer nosso rude sentimento, àquilo que excede em comes e bebes, no luxo do vestuário e mobília, nos desperdícios em festas contínuas, embora, de minha parte, não veja porque tudo o que diz respeito a meu sentimento mais intenso não seja contado entre as coisas úteis. Todavia, se se toma tudo por essa medida, aquele no qual predomina o interesse próprio é um homem com o qual não se deve jamais raciocinar acerca do sentimento refinado. Sob esse ponto de vista, uma galinha é certamente melhor que um papagaio; uma panela, mais útil que uma louça de porcelana; todas as cabeças engenhosas do mundo juntas não valem um camponês, e o esforço em descobrir a distância das estrelas fixas pode ser deixado de lado, até que estejamos de acordo quanto à melhor maneira de conduzir o arado. Que asneira, porém, meter-se num conflito - no qual é impossível que todos cheguem a sensações uníssonas - porque o sentimento não é, de maneira nenhuma, uníssono! Contudo, mesmo o homem provido do sentimento mais rude e vulgar poderá perceber que aqueles estímulos e proveitos da vida, que parecem ser os mais dispensáveis, pedem nossa maior consideração, e que nos sobrariam poucos móbeis para tantos esforços, se quiséssemos excluí-los. Ao mesmo tempo, ninguém é tão rude que não sinta que uma ação moral, ao menos aos olhos do próximo, comoverá tanto mais quanto mais distante estiver do interesse próprio, e quanto mais nela emergirem aqueles nobres impulsos. Quando observo, alternadamente, o lado nobre e o lado fraco dos homens, reprovo a mim mesmo por não conseguir adotar aquele ponto de vista, a partir do qual esses contrastes apresentam-se, por assim dizer, de forma comovente como o grande quadro de toda natureza humana. Pois de bom grado me resigno a aceitar que, na medida em que pertencem ao projeto da grande natureza, essas situações grotescas não podem resultar senão numa nobre expressão, apesar de sermos muito limitados para nos dar conta delas sob esse aspecto. Mas, a fim de lançar um rápido olhar nisso, penso poder fazer as seguintes considerações. Entre os homens, são bem poucos aqueles que se comportam de acordo com princípios, coisa que, em geral, é igualmente boa, visto poder ocorrer facilmente de errarmos nesses princípios, e, nesse caso, o prejuízo que daí resulta é tanto maior quanto mais universal for o princípio e quanto mais constante for a pessoa que o propõe para si mesmo. Aqueles que agem a partir de impulsos benevolentes são bem mais numerosos, o que, aliás, é excelente, muito embora à pessoa não se possa atribuir individualmente nenhum mérito excepcional. Pois, ainda que por vezes esses instintos virtuosos estejam ausentes, em geral também obedecem o grande desígnio da natureza [die grosse Absicht der Natur], como os instintos restantes, que, de forma tão regular, movem o mundo animal. Aqueles que têm fixo diante de si o próprio e amado eu como único ponto de referência de todos os seus esforços, e que buscam fazer girar tudo em volta do interesse próprio, como em volta de um grande eixo, constituem a maioria. Nada também poderia ser mais vantajoso, pois estes são os mais assíduos, ordeiros e prudentes; dão aprumo e solidez ao todo, na medida em que, mesmo despropositadamente, tomam-se úteis ao bem público, provendo as necessidades exigidas e oferecendo a base sobre a qual almas delicadas podem propagar beleza e harmonia. Finalmente, todos os corações humanos, embora em porções diferentes, foram infundidos pelo amor à honra, que deve dar ao todo uma beleza atraente, próxima do maravilhamento. Pois, ainda que o desejo de honra seja uma tola quimera, na medida em que se presta como regra sob a qual se ordenam as inclinações restantes, toma-se extremamente vantajoso como um impulso que as acompanha. Afinal, visto que, no grande palco, cada um executa suas ações de acordo com suas inclinações dominantes, ele é ao mesmo tempo levado, por meio de um impulso secreto, a adotar em pensamento um ponto de vista exterior a si mesmo, a fim de apreciar o decoro de sua conduta, tal como ela aparenta e se apresenta aos olhos do espectador. Com isso, os diferentes grupos ligam-se num quadro de magnífica expressão, onde, em meio a uma grande multiplicidade, sobressai a unidade, e o todo da natureza moral mostra, em si, beleza e dignidade. TERCEIRA SEÇÃO DA DIFERENÇA ENTRE O SUBLIME E O BELO NA RELAÇÃO DOS SEXOS Aquele que primeiramente conceituou a mulher com o nome do belo sexo, talvez quisesse ser cortês, mas foi mais feliz do que provavelmente ele mesmo imaginou. Pois, mesmo não considerando que, diante do sexo masculino, sua figura é geralmente mais refinada, seus traços, mais sutis e suaves, e seu rosto mais expressivo e atraente na expressão da alegria, do gracejo e da afabilidade; sem tampouco esquecer o que deve ser atribuído ao poder mágico e secreto graças ao qual fazem nossa paixão inclinar-se a um juízo favorável sobre elas, é sobretudo no caráter espiritual desse sexo que residem traços próprios a ele, que o distinguem claramente do nosso, tornando-o identificável principalmente através da marca do belo. De nossa parte, poderíamos pretender à denominação do sexo nobre, caso também não se exigisse de um caráter nobre recusar títulos de nobreza, sendo melhor atribuí-los que aceitá-los. Não se quer dizer, com isso, que a mulher careça de qualidades nobres, ou que o sexo masculino deva ser inteiramente privado da beleza; espera-se, ao contrário, que cada sexo reúna a ambos, de tal maneira que em uma mulher todos os outros traços devam estar ligados a fim de elevar o caráter do belo, que é seu ponto de referência específico; e que, por oposição, dentre as qualidades masculinas sobressaia nitidamente o sublime, como a marca de seu gênero. A isso devem referir-se todos os juízos sobre ambos os gêneros, tanto os de louvor quanto os de censura; toda educação e instrução deve ter isso diante dos olhos, assim como todo esforço no sentido de promover a perfeição moral de um ou outro sexo da espécie humana, a menos que se queira ignorar a estimulante diferença instituída entre eles pela natureza. Pois aqui não basta imaginar que se está diante de seres humanos; é preciso ao mesmo tempo não esquecer o fato de que estes não são de um único tipo. A mulher possui um forte sentimento inato por tudo o que é belo, gracioso e ornado. Já na infância gosta de se enfeitar, e se compraz em se ornamentar. Tem esmero, sendo muito sensível a tudo o que pode produzir asco. Ama o gracejo, e pode se entreter com futilidades, conquanto sejam alegres e divertidas. Desde muito cedo possui em si mesma um sentido de decência, sabendo aparentar um decoro delicado e autodomínio; e isso numa idade em que nossa boa juventude masculina é ainda intratável, deselegante e embaraçada. Ela dispõe de muitos sentimentos piedosos, de bondade e compaixão, prefere o belo ao útil, e com prazer economiza o que sobra das despesas domésticas, a fim de despendê-lo em brilho e enfeite. Seu sentimento acusa a menor ofensa, e é extremamente aguçada em notar a mínima falta de atenção e respeito para consigo. Em resumo, é ela quem dispõe, na natureza humana, do fundamento essencial do contraste entre as qualidades belas e nobres, tornando mais refinado mesmo o sexo masculino. Espero estar dispensado da enumeração das qualidades masculinas, na medida em que são paralelas àquelas, bastando considerar a ambas apenas confrontando-as. O belo sexo possui tanto entendimento quanto o sexo masculino; trata-se, porém, de um belo entendimento, enquanto o nosso deve ser um entendimento profundo, expressão que significa o mesmo que um entendimento sublime. Pertence à beleza de todas as ações sobretudo demonstrar em si leveza, parecendo ser efetuadas sem qualquer esforço penoso; em contrapartida, esforço e obstáculos superados suscitam admiração, e pertencem ao sublime. Meditação profunda e uma longa contemplação são nobres, porém difíceis, e não convêm a uma pessoa na qual os estímulos espontâneos não devem mostrar outra coisa que uma bela natureza. O estudo laborioso ou a especulação penosa, mesmo que uma mulher nisso se destaque, sufocam os traços que são próprios a seu sexo; e, não obstante dela façam, por sua singularidade, objeto de uma fria admiração, ao mesmo tempo enfraquecem os estímulos por meio dos quais exerce seu grande poder sobre o outro sexo. A uma mulher que tenha a cabeça entulhada de grego, como a senhora Dacier, ou que trave disputas profundas sobre mecânica, como a marquesa de Châtelet pode mesmo faltar uma barba, pois com esta talvez consigam exprimir melhor o ar de profundidade a que aspiram. O belo entendimento elege como objeto tudo aquilo que é muito aparentado com o sentimento refinado, e abandona especulações ou conhecimentos abstratos - úteis, porém áridos - ao entendimento diligente, sólido, profundo. Por isso, a mulher não aprenderá geometria; e, do princípio de razão suficiente ou das mônadas, saberá apenas o quanto for necessário para perceber o sal das sátiras cristalizado pelos pensadores superficiais de nosso sexo. O belo sexo pode deixar Descartes sempre a girar seus vórtices, sem se afligir com isso, mesmo se o galante Fontenelle queira fazer-lhe companhia entre as estrelas vagantes; e a atração de seu encanto nada perde em poder, mesmo no caso de desconhecer inteiramente aquilo que Algarotti se esforçou em apontar, para o bem dele, acerca das forças de atração da matéria bruta, tal como a concebeu Newton. No aprendizado da história, não encherá a cabeça com batalhas, e, no de geografia, com fortalezas; pois a pólvora dos disparos lhe convém tão pouco quanto o almíscar convém aos homens. Parece obra de uma maliciosa astúcia masculina querer conduzir o belo sexo a tal inversão do gosto. Pois embora sejam bem conscientes de sua fraqueza diante da atração natural da mulher, e de que se encontrem em maior embaraço graças a um simples olhar zombeteiro do que à mais complicada das questões escolásticas, os homens se consideram de uma resoluta superioridade tão logo a mulher se envereda por esse gosto, com a grande vantagem - que dificilmente obteriam por outro meio - de socorrer, com generosa indulgência, as fraquezas da vaidade feminina. O conteúdo da grande ciência feminina é, antes, o ser humano, e, dentre os seres humanos, o homem, e sua filosofia não consiste em raciocinar, mas em sentir. Se se quiser dar a elas a oportunidade de desenvolver sua bela natureza, é preciso sempre ter em conta esta circunstância. Buscar-se-á alargar nelas o sentimento moral em seu conjunto, não a memória, e isso não por meio de regras universais, mas por meio de certos juízos acerca da conduta que observam ao redor. Os exemplos, que emprestamos de outras épocas, a fim de demonstrar a influência exercida pelo belo sexo nos destinos do mundo, as diferentes relações em que se encontrava diante do homem noutros tempos ou países, o caráter de ambos os sexos, na medida em que se deixa explicar desse modo, e o gosto instável pelos prazeres, tudo isso é o que constitui sua história e geografia. É belo que a vista de uma carta geográfica, representando ou toda a crosta terrestre ou as partes principais do mundo, seja agradável a uma mulher. Isso ocorre apenas quando se mostra a carta com o único propósito de lhe descrever os diversos caracteres dos povos que o habitam, as diferenças de gosto e sentimento moral, sobretudo com vista ao efeito que possuem sobre as relações entre os sexos, acrescentando algumas explicações fáceis sobre o clima, a liberdade e a escravidão. Pouco importa que conheçam as divisões principais, os ofícios, o poder e o soberano desses países. Tampouco do universo deverão conhecer mais do que lhes for necessário para se comoverem com a contemplação do céu num belo entardecer, conquanto de alguma maneira tenham compreendido que ainda existem outros mundos e, neles, outras belas criaturas. O sentimento para pinturas expressivas e para a música, não na medida em que exprimem artifício, mas sentimento, tudo isso refina ou eleva o gosto desse sexo, e sempre possui alguma ligação com as disposições morais. Isso jamais ocorre por meio de um ensino frio e especulativo, mas sempre por meio de sensações, sobretudo as que permanecem o mais próximo possível do comportamento próprio a seu sexo. Porque exige talentos, experiência e um coração cheio de sentimento, essa instrução é deveras rara, bem podendo a mulher dispensar qualquer outra, visto geralmente educar-se muito bem por si mesma, ainda que na falta daquela. A virtude da mulher é bela [schöne Tugend]; (Acima, essa virtude foi, com rigor, nomeada virtude de adoção; aqui, visto merecer ser interpretada favoravelmente, chama-se, em geral, uma bela virtude. Nota do Autor.) a do sexo masculino deve ser nobre (edle Tugend). Ela evitará o mal não por ser injusto, mas por ser repulsivo; ações virtuosas significam para ela as que são moralmente belas. Nada de deveres, necessidades ou obrigações; a mulher é intolerante com todo comando e obrigação inoportuna. Só faz algo porque assim lhe agrada, e a arte, aqui, consiste em fazer que lhe seja agradável o que é bom. Parece difícil acreditar que o belo sexo seja capaz de princípios, e, com isso, espero não ofendê-lo, pois também são muito raros no sexo masculino. Em compensação, a providência pôs em seu peito sensações bondosas e benévolas, um refinado sentimento de honestidade e uma alma solícita. Não se exijam delas sacrifícios e uma generosa abnegação. Jamais um homem deve dizer à mulher que ele arrisca parte de sua fortuna por um amigo. Por que lhe represaria a vivaz loquacidade, incomodando-lhe a mente com um importante segredo que apenas a ele mesmo cabe guardar? Mesmo muitas de suas fraquezas são, por assim dizer, belos erros. Ofensa ou desgraça impelem sua alma sensível à melancolia. O homem jamais deve derramar lágrimas, senão pela grandeza de sua alma; aquelas que verte por dor ou felicidade o tomam desprezível. A vaidade, que tão frequentemente reprovamos no belo sexo, visto ser, nele, um erro, é apenas um belo erro. Pois os homens, que tão prazerosamente adulam a mulher, intensificam-lhe efetivamente o charme, sem falar que ficariam contrariados caso esta não se inclinasse a recebê-los. Essa inclinação é um impulso em mostrar-se receptiva e bem observar o decoro, em dar livre jogo a seu engenho vivaz, e também em brilhar por meio das invenções volúveis da moda, elevando sua beleza. Nisso não há nada de ofensivo a terceiros; aliás, se feito com bom gosto, é tão gracioso, que contestá-lo com repreensões rabugentas revela pouca educação. Uma mulher que seja nisso demasiado volúvel e leviana chama-se uma tola; expressão esta que não possui um significado tão forte como quando, mudando de desinência, aplica-se ao homem, visto que, se bem nos entendemos, frequentemente também pode revelar uma brincadeira familiar. Se a vaidade é um erro que, na mulher, merece perdão, sua presunção não é apenas censurável, como no ser humano em geral, mas deforma inteiramente o caráter de seu sexo, pois essa qualidade é, de modo geral, estúpida e repugnante, e oposta ao charme simpático e modesto. Ademais, tal pessoa encontra-se numa situação delicada: apreciará ser julgada severamente e sem nenhuma indulgência, pois quem almeja grande estima convida todos a censurá-lo. Toda descoberta de um erro, mesmo ínfimo, proporciona a todos verdadeira alegria, e a palavra tola perde, aqui, seu sentido atenuado. Deve-se sempre distinguir a vaidade da presunção. A primeira busca o aplauso e, em certa medida, honra aquele que por ele tanto se esforça; a segunda pensa já se encontrar na posse completa desse aplauso, e, na medida em que não se empenha em adquiri-lo, tampouco ganha algum. Se alguns ingredientes da vaidade de modo algum comprometem uma mulher aos olhos do sexo masculino, sem dúvida servem para desunir o belo sexo, e tanto mais quanto mais perceptíveis forem. Julgam-se umas às outras com grande severidade, porque uma parece obscurecer o charme das outras; e, com efeito, aquelas que dispõem de fortes pretensões à conquista raramente são amigas, no verdadeiro sentido da palavra. Nada é tão oposto ao belo quanto o asco, assim como nada conduz tão abaixo do sublime quanto o ridículo. Daí nenhuma afronta ser mais tocante a um homem que a de ser chamado de tolo, e, a uma mulher, que chamá-la de asquerosa. O Espectador inglês sustenta que não pode haver censura mais ultrajante a um homem que a de ser considerado um mentiroso, e mais ácida a uma mulher do que tomá-la por impudica. Na medida em que isso é julgado conforme o rigor da moral, não me atenho a seu valor. Mas aqui não se trata daquilo que, em si mesmo, merece maior censura, mas, antes, daquilo que efetivamente se sente como o mais penoso. E por isso pergunto a cada um dos leitores se não concordará com minha opinião ao ter em mente o caso que se segue. A senhorita Ninon Lenclos não possuía a menor pretensão à honra da castidade, e, não obstante, ficaria inevitavelmente ofendida caso um de seus amantes chegasse a ponto de dizer isso dela; é sabido o cruel destino de Monaldeschi, graças a uma ultrajosa expressão desse gênero acerca de uma princesa que certamente não queria passar por Lucrecia. Não cometer o mal sequer por uma vez, ainda que se queira, é intolerável, visto que também deixar de cometê-lo sempre é somente uma virtude bastante ambígua. A fim de afastar-se o quanto possível do que é asqueroso, o asseio - que, aliás, cai bem em qualquer pessoa - está entre as virtudes primordiais do belo sexo, nele se tornando dificilmente excessivo, ao passo que, no homem, por vezes chega ao exagero, tornando-se ridículo. O pudor é um segredo da natureza que estabelece limites a uma inclinação demasiadamente impetuosa, e que, tendo consigo a voz da natureza, parece sempre acordar-se com as boas qualidades morais, mesmo quando delas se desvia. Daí ser profundamente necessário como suplemento dos princípios, pois, em nenhum outro caso a inclinação oferece ao sofista a invenção de princípios complacentes. Ao mesmo tempo, porém, o pudor serve para estender uma misteriosa cortina diante dos fins mais convenientes e necessários da natureza, para que uma familiaridade vulgar com esses mesmos fins não favoreça o asco ou, ao menos, a indiferença em relação aos desígnios últimos de um impulso no qual estão inscritas as inclinações mais adequadas e intensas da natureza humana. Essa qualidade pertence prioritariamente ao belo sexo, bem lhe convindo com o decoro. É também uma grossa e odiosa impertinência pôr em apuros ou indispor sua delicada honestidade, por meio de gracejos indecentes, denominados obscenidades. Todavia, visto que, por mais que se queira tergiversar o mistério, o impulso sexual repousa, em última análise, como fundamento dos estímulos restantes; e visto que uma mulher, na qualidade de mulher, é sempre o objeto agradável de uma conversação de bons costumes, talvez se possa a partir daí explicar por que homens - aliás, de boa educação - por vezes tomam a liberdade de deixar transparecer, por meio das pequenas malícias de seus gracejos, sutis alusões, que fazem com que sejam chamados maliciosos e libertinos; e também por que, apesar de não intentarem ofender com olhares indiscretos ou tampouco ferir o respeito, se acham no direito de chamar de pedante pela probidade a pessoa que os acolhe com indignação e frieza. Digo isso apenas porque geralmente é considerado um traço algo ousado da bela sociedade, tendo-se já de fato empregado muito engenho a esse respeito; no que porém concerne ao juízo com base no rigor moral, disso não trato aqui, já que me incumbi apenas de observar e elucidar as manifestações no sentimento do belo. As qualidades nobres desse sexo - as quais, porém, como já dissemos, nunca devem sobrepor-se ao sentimento do belo - não se anunciam de maneira mais clara e segura do que por meio da modéstia, espécie de nobre simplicidade e ingenuidade em meio a grandes traços. Dela transparece uma serena benevolência e respeito pelos outros, juntamente com certa nobre autoconfiança, ligada àquela justa autoestima sempre encontrada em espíritos elevados. Na medida em que ao mesmo tempo atrai por charme e comove por respeito, essa refinada mistura põe todas as demais qualidades cintilantes em segurança contra a malícia, a repreensão e a sátira. Pessoas com esse temperamento têm um coração propenso à amizade, coisa que jamais pode ser suficientemente avaliada numa mulher, pois, além de muito rara, é extremamente encantadora. Visto que nosso intento é o de julgar acerca de sentimentos, não será inconveniente, quando possível, conceitualizar as diferentes impressões que a figura e o semblante do belo sexo produzem sobre os homens. Todo esse encantamento permeia, na realidade, o impulso sexual. A natureza persegue seu grande intento, e todos os refinamentos que a isso se associam, por mais que daí pareçam se distanciar, não são senão ornamentos, e, no fim das contas, tiram seu encanto da mesma fonte. Um gosto saudável e rude, que sempre se mantém muito próximo desse impulso, será pouco tocado pelo encanto do decoro, da fisionomia, dos olhos etc. de uma mulher; e, visto orientar-se apenas para o sexo, considera o mais das vezes os refinamentos alheios como namoricos inúteis. Embora tal gosto não seja refinado, nem por isso deve ser desprezado. Afinal, é por seu intermédio que a maior parte dos seres humanos observa, de maneira bem simples e segura, a grande ordem da natureza. (Como todas as coisas no mundo também possuem seu lado ruim, igualmente há de deplorável nesse gosto que, mais facilmente que qualquer outro, decai na libertinagem. Pois, porque o fogo que uma pessoa desperta pode ser apagado por outra qualquer, não existem obstáculos que pudessem limitar essa indomável inclinação. Nota do Autor.) Por meio dele se consuma a maioria dos matrimônios, e, na verdade, das partes mais ativas do gênero humano; e, na medida em que não tem a cabeça cheia de gestos encantadores, de olhares lânguidos, de condutas nobres etc., o homem tampouco entende algo de tudo isso, tornando-se, assim, tanto mais atento às virtudes domésticas, à parcimônia, ao dote etc. No que concerne ao gosto mais refinado, em função do qual seria necessário fazer uma distinção entre os encantos exteriores da mulher, o gosto prende-se àquilo que é moral ou amoral na figura e expressão do rosto. Em vista dos agrados da última espécie, dir-se-á que uma mulher é bonita. Uma estatura equilibrada, traços regulares, a cor dos olhos e do rosto que se destaca com elegância constituem meras belezas que aprazem também num ramo de flores, e que não merecem mais do que um frio aplauso. O rosto, mesmo que seja bonito, por si nada diz, e não fala ao coração. Aquilo que, na expressão dos traços, dos olhos e do rosto, concerne ao que é moral, incide ou sobre o sentimento do sublime ou do belo. Uma mulher, na qual as amenidades que condizem com o sexo feminino deixam sobressair principalmente a expressão do sublime, chama-se bela em sentido próprio; aquela, cujo perfil moral, como é notado no semblante e nos traços faciais, anuncia as qualidades do belo, é agradável, e, quando em grau elevado, fascinante. A primeira, sob um semblante sereno e um nobre decoro, deixa transparecer, por olhares modestos, o brilho de um belo entendimento, e, na medida em que retrata em seu rosto um sentimento terno e um coração benevolente, apodera-se tanto da inclinação quanto da estima de um coração masculino. A segunda mostra vivacidade e engenho em olhos risonhos, certa malícia sutil, um gosto pelo gracejo e uma travessa fragilidade. Esta encanta, enquanto aquela comove, e o sentimento amoroso, de que é capaz e que infunde nos outros, é volúvel, porém belo, enquanto que o sentimento da primeira é terno, ligado ao respeito e constante. Não prosseguirei em divisões pormenorizadas dessa espécie, visto que, em tais casos, o autor parece sempre retratar a própria inclinação. Acrescento, contudo, que aqui se pode esclarecer o gosto que muitas damas encontram numa tez sadia, porém, pálida. Pois, geralmente, é esta acompanhada por um estado de espírito de maior sentimento interior e terna sensação, que pertence à qualidade do sublime, enquanto que a tez rosada e em flor lhe diz menos respeito, e mais ao estado de espírito alegre e vivaz. Porém, o que melhor condiz com a vaidade é mais comover e cativar do que fascinar e atrair. Todavia, pessoas sem sentimento moral e sem nenhuma expressão que denote sensibilidade podem ser muito bonitas, só que não irão comover e tampouco fascinar senão àquele gosto rude que já mencionamos, o qual, vez por outra, se torna mais refinado para, em seguida, também escolher à sua maneira. É deplorável que tais belas criaturas facilmente incidam no erro da presunção, por força da consciência da bela figura que o espelho lhes mostra, e pela ausência de sentimentos refinados; pois, assim, tornam tudo frio a seu redor, com exceção do bajulador, que visa a propósitos e trama intrigas. Talvez, a partir desses conceitos, sejamos capazes de compreender algo acerca dos efeitos tão diferentes que o aspecto de uma mesma mulher produz sobre o gosto dos homens. Uma vez que está fora da circunscrição do gosto refinado, não me ocupo aqui daquilo que, nessa impressão, se refere muito de perto ao impulso sexual, e que concorda com a particular ilusão voluptuosa de que se reveste o sentimento de cada um. Talvez o senhor Buffon esteja certo ao supor que aquela figura que deixa a primeira impressão quando esse impulso é ainda recente e começa a se desenvolver, permanece o arquétipo, ao qual devem conformar-se no futuro todas as imagens femininas. Estas podem suscitar o fantasioso anseio, por meio da qual uma rude inclinação se vê forçada a escolher entre os diversos objetos de um mesmo sexo. No que diz respeito a um gosto algo mais refinado, afirmo que aquela espécie de beleza que denominamos bela figura é apreciada de maneira assaz uniforme por todos os homens, e que sobre ela as opiniões não são tão diferentes como em geral se sustenta. As moças circassianas e georgianas sempre foram tidas, por todos os europeus que percorreram os seus países, como as mais bonitas. Os turcos, os árabes e os persas devem estar bem de acordo com esse gosto, pois se mostram ansiosos em embelezar seus próprios povos por meio de sangue tão refinado; observa-se, também, que isso já foi atingido pela raça persa. Os comerciantes do Industão não deixam de tirar grandes vantagens do comércio cruel de tão belas criaturas, conduzindo-as aos reinos abastados de seus países; e nota-se que, por mais divergente que seja o caráter próprio do gosto nessas diferentes regiões do mundo, aquilo que numa delas é conhecido como especialmente belo, também é assim considerado em todas as outras. Onde, porém, o que é moral nos traços interfere no juízo sobre a bela figura, então o gosto é sempre muito variado entre os diferentes homens, tanto de acordo com a distinção entre seu sentimento moral, quanto com o significado variado que a expressão do rosto possa assumir na fantasia de cada um. É normal ocorrer que figuras, que num primeiro momento não produzem nenhum efeito especial, em virtude do fato de não serem indiscutivelmente belas, geralmente, tão logo começam a agradar por um conhecimento mais profundo, também se tornam mais sedutoras e parecem embelezar-se cada vez mais; ao contrário, o aspecto simpático, que se anuncia na primeira vez, é em seguida percebido com maior frieza. Possivelmente, isso se deve ao fato de que os estímulos morais, quando se tornam mais visíveis, cativam com mais força, sendo ocasionados tão somente por sentimentos morais e deixando-se descobrir com base neles (e cada descoberta de um novo estímulo sempre deixa supor ainda outros); enquanto todos os agrados que não se dissimulam, visto logo de início exercerem todo seu efeito, em seguida não são capazes de mais nada, senão arrefecer a curiosidade amorosa e, pouco a pouco, levá-la à indiferença. Em meio a essas observações, apresenta-se com muita naturalidade o seguinte comentário. O sentimento de todo simples e rude nas inclinações sexuais conduz diretamente ao grande fim da natureza, e, na medida em que cumpre suas exigências, é destinado a tornar a própria pessoa imediatamente feliz; só que, em razão de sua grande generalidade, converte-se facilmente em excesso e libertinagem. Por outro lado, um gosto assaz refinado serve para retirar a selvageria de uma inclinação impetuosa, e, na medida em que a limita a alguns poucos objetos, torna-a moral e decorosa. Todavia, geralmente ela não responde ao grande escopo final natureza, e, visto exigir ou esperar mais do que esta geralmente oferece, só muito raramente consegue fazer feliz a pessoa de tão delicado sentimento. O primeiro tipo de espírito torna-se grosseiro, porque se dirige a todos os objetos de um sexo; o segundo, sonhador, visto não dirigir-se a nenhum deles, mas, antes, apenas ocupar-se com um objeto que a inclinação amorosa cria para si mesma em pensamentos, e que enfeita com todas as qualidades nobres e belas. A natureza raramente reúne tais qualidades num ser humano e, mais raramente ainda, oferece tal objeto àquele que pode estimá-las e que, talvez, seria digno de possuí-lo. Daí nasce a hesitação e, finalmente, a completa renúncia à ligação conjugal, ou, o que talvez seja igualmente tão negativo, o amargo arrependimento por uma escolha deliberada que não cumpriu as grandes expectativas que haviam sido feitas; pois não raro, ao galo de Esopo que encontra uma pérola, seria mais conveniente um grão de cevada. Podemos fazer aqui uma observação geral. Por mais atraentes que sejam as impressões do sentimento terno, temos razão para ser cautelosos ao torná-lo refinado, se não quisermos, por meio de uma sensibilidade desmedida, nos proporcionar apenas muito mau humor e uma fonte de desgostos. Gostaria de propor às almas nobres que, tanto quanto possam, tornem refinado o sentimento no que concerne às qualidades que competem a si próprias ou às ações que elas mesmas executam; mas, ao contrário, em relação àquilo de que desfrutam, ou que esperam dos outros, que mantenham o gosto em sua simplicidade - se eu ao menos soubesse como isso pode ser feito. Sem dúvida, caso isso se realizasse, fariam felizes aos outros e também a si mesmos. Nunca é bom perder de vista que de modo algum se deve ter altas pretensões em relação às felicidades da vida e à perfeição dos homens; pois aquele que sempre espera apenas a mediocridade possui a vantagem de que o resultado raramente lhe contradiz a expectativa; ao contrário, vez por outra perfeições imprevistas até o surpreendem. A velhice, a grande devastadora da beleza, ameaça finalmente todos esses atrativos; e, se tudo deve correr conforme a ordem natural, as qualidades sublimes e nobres devem pouco a pouco tomar o lugar das belas, permitindo a uma pessoa que, ao envelhecer, deixa de ser objeto de amor, que se torne cada vez mais digna de um grande respeito. Na minha opinião, a inteira perfeição do belo sexo, na flor dos anos, deveria residir na bela simplicidade, elevada por meio de um refinado sentimento para tudo o que é belo e nobre. Pouco a pouco, na medida em que decrescem as pretensões à sedução, a leitura dos livros e o alargamento da reflexão poderiam, imperceptivelmente, dar às Musas o lugar vazio das Graças, e o esposo deveria tomar-se o primeiro mestre. Não obstante, mesmo quando a velhice se aproxima, época tão terrível para todas as mulheres, estas continuam pertencendo ao belo sexo, e este se desfigura a si mesmo, quando, numa espécie de desespero para manter por mais tempo esse caráter, se entrega a um humor carrancudo e rabugento. Uma pessoa idosa, que apresenta em sociedade um comportamento moral e amistoso, que, em conversação, é loquaz e ponderada, que favorece com decoro as satisfações da juventude, à qual ela mesma não pertence, e que, mostrando zelo em tudo, deixe transparecer alegria e satisfação ante o bem-estar que a circunda, é sempre mais refinada do que um homem da mesma idade, e quiçá mais amável do que uma moça, embora num outro sentido. É verdade que seria talvez demasiadamente místico o amor platônico ao qual pretendia um antigo filósofo, quando dizia do objeto de sua inclinação: As Graças residem em suas rugas, e minha alma parece suspensa em meus lábios quando beijo sua boca frouxa. Só que se deve renunciar a pretensões desse tipo. Um homem velho que se passa por apaixonado é um janota, e, vindas do outro sexo, tais presunções são repugnantes. A causa de perdermos o bom decoro jamais reside na natureza, mas no fato de querermos corrompê-la. Para não perder de vista meu argumento, quero fazer ainda algumas observações sobre a influência que um sexo pode exercer sobre o outro a fim de embelezá-lo ou enobrecê-lo ainda mais. A mulher possui um sentimento proeminente pelo belo, naquilo que concerne a si mesma, mas um sentimento pelo nobre, tão logo deva ser encontrado no sexo masculino. O homem, ao contrário, possui um deliberado sentimento pelo nobre, próprio a suas qualidades; pelo belo, porém, quando se encontra na mulher. Daí se segue que os fins da natureza busquem, por meio do impulso sexual, enobrecer ainda mais o homem e embelezar ainda mais a mulher. Uma mulher se sente pouco embaraçada por ser desprovida de grandes ideias, ou por se mostrar receosa com ocupações importantes ou despreparada para elas etc. É bela e agrada - e basta. Em contrapartida, exige do homem todas essas qualidades, e a sublimidade de sua alma revela-se apenas em saber apreciar essas nobres qualidades, tão logo devam encontrar-se nele. De que outra forma seria possível que tantos grotescos rostos masculinos, não obstante o mérito que possam ter, consigam conquistar mulheres tão distintas e refinadas? Em compensação, o homem já é bem mais delicado diante dos belos atrativos da mulher. A figura refinada, a vivaz ingenuidade e a encantadora sensibilidade dela recompensam, para ele, a ausência da erudição dos livros, ou outras carências que cabe a ele suprir com o próprio talento. A vaidade e as modas podem bem conferir uma falsa direção a esses impulsos naturais, tornando certos homens adocicados, e a mulher, uma pedante ou amazona; a natureza, contudo, sempre busca reconduzi-los a sua ordem. Julguem-se por aí que poderosas influências o impulso sexual poderia exercer, principalmente no sentido de enobrecer o sexo masculino, se, em lugar de tantos ensinamentos abstrusos, o sentimento moral da mulher fosse oportunamente desenvolvido, a fim de fazê-la sentir o que pertence à dignidade e às qualidades sublimes do outro sexo. Fosse esse o caso, a mulher se veria preparada para desdenhar homens ridiculamente afetados, deixando de render-se a outras qualidades que não o mérito. É igualmente indubitável que, através disso, o poder de seus atrativos seriam em geral ressaltados, visto ser notório que o encantamento feminino age, na maioria das vezes, apenas sobre almas nobres; as demais não são suficientemente refinadas para senti-las. Pelo mesmo motivo dizia o poeta Simonides ao exortarem-no a declamar seus belos cantos aos tessálios: "Esses grossos são por demais estúpidos para se encantar com um homem como eu". A propósito, já se considerou como resultado do convívio com o belo sexo os costumes masculinos terem se tornado mais afáveis, seu comportamento mais cortês e polido, sua conduta, mais graciosa; só que isso é apenas uma vantagem secundária. (Mesmo essa vantagem é fortemente atenuada pela suposta observação de que homens que muito cedo e com muita assiduidade são introduzidos em sociedades em que a mulher dá o tom, tornam-se frequentemente risíveis, e, em companhia masculina, mostram-se desagradáveis ou até desprezíveis, pois perderam o gosto de uma conversação que seja vivaz, mas de verdadeiro conteúdo, e amável, mas também de utilidade, pelas palavras sérias que dela fazem parte. Nota do Autor.) Tudo depende basicamente de que o homem se torne mais perfeito como homem, e de que a mulher se torne mais perfeita como mulher, ou seja, que o móbil do impulso sexual aja de acordo com a indicação da natureza, de enobrecer ainda mais a um e embelezar as qualidades do outro. Quando tudo chegar ao extremo, o homem, presumindo seu próprio mérito, poderá dizer: Embora não me ames, quero-vos obrigar estimar-me; e a mulher, segura da força de seu encanto, responderá: Embora em vosso íntimo não me estimes, vos constrinjo a amar-me. Na ausência de tais princípios, os homens assumem feminilidades a fim de agradar, e a mulher por vezes (embora muito mais raramente) imita a conduta masculina, a fim de inspirar estima. O que, porém, se faz contra a graça da natureza é sempre muito mal feito. Na vida matrimonial, o casal reunido deve, por assim dizer, constituir uma única pessoa moral, animada e regida pelo entendimento do homem e pelo gosto da mulher. Com efeito, no homem, não se pode presumir maior compreensão fundada em experiência e, na mulher, mais liberdade e justeza no sentimento, mas também é indubitável que, quanto mais sublime é um estado de espírito, tanto mais se inclina a fazer da felicidade da pessoa amada o propósito central de seus esforços; por outro lado, quanto mais belo ele for, tanto mais buscará corresponder a esse empenho através da amabilidade. Num relacionamento dessa espécie, a disputa pela superioridade é ridícula - e, quando ocorre, é o sinal mais seguro de um gosto grosseiro ou mal partilhado. Se se chega ao ponto de se pôr em discussão o direito da autoridade, então a coisa toda já desandou; pois onde a inteira ligação é erguida com base apenas na inclinação, já se vê em parte desequilibrada, tão logo se começa a falar de obrigações. A arrogância da mulher nesse duro tom é profundamente odiosa; a do homem, privada de nobreza e desprezível. Todavia, a sábia ordem das coisas implica que todos os refinamentos e delicadezas do sentimento possuam sua inteira força apenas no início, mas que em seguida, através da intimidade e dos afazeres domésticos, pouco a pouco se tomem apáticos, terminando então num amor confiante, no qual, por fim, a grande arte reside em manter ainda o modesto resíduo daquele primeiro sentimento, a fim de que a indiferença e o fastio não comprometam todo o valor daquele contentamento em vista do qual unicamente valeu a pena contrair tal ligação. QUARTA SEÇÃO DOS CARACTERES NACIONAIS, NA MEDIDA EM QUE RESIDEM NO SENTIMENTO DIFERENCIADO DO SUBLIME E DO BELO. (Minha intenção não é descrever minuciosamente os caracteres das nações, mas apenas esboçar traços que neles exprimem os sentimentos do sublime e do belo. É fácil supor que tal esboço apenas seja capaz de limitada exatidão, que os modelos não possam surgir senão do grande acervo daqueles que almejam a um sentimento refinado, e que nenhuma nação encontre-se privada das disposições de espírito que reúnem as qualidades mais eminentes desse tipo. A censura que eventualmente possa recair sobre um povo não pode, por isso, ofender a ninguém, pois é de tal ordem que cada um pode lançá-la ao vizinho, como lança uma bola. Se essas diferenças nacionais devem-se ao acaso e se dependem de época e forma de governo, ou se são necessariamente ligadas ao clima, isso não investigo aqui. Nota do Autor.) Em minha opinião, entre os povos de nosso continente, os italianos e os franceses são aqueles que se distinguem pelo sentimento do belo; já os alemães, os ingleses e espanhóis, pelo sentimento do sublime. A Holanda pode ser tida como o país onde esse gosto refinado é quase de todo imperceptível. O belo mesmo é ou encantador e comovente, ou sorridente e atraente. O primeiro possui em si algo do sublime, e o espírito, nesse sentimento, é profundo e encantador; no sentimento da segunda espécie, porém, sorridente e alegre. Aos italianos parece acordar-se sobretudo a primeira espécie do sentimento belo, e, aos franceses, a segunda. No caráter nacional que contém em si a expressão do sublime, este é ou de espécie terrível, que se inclina em algo para o extravagante, ou é um sentimento de nobreza, ou do magnífico. Creio possuir razões que permitem atribuir a primeira espécie ao espanhol, a segunda, aos ingleses e a terceira, aos alemães. O sentimento para o magnífico não é por sua natureza original, como as restantes espécies de gosto, e, não obstante um espírito de imitação possa ser ligado a cada um dos outros sentimentos, é mais adequado ao sublime cintilante, pois este é, a bem dizer, um sentimento misto do belo e do nobre, onde cada um destes é considerado em si mais frio, e, por isso, o espírito é suficientemente livre para notar, na ligação entre ambos, os exemplos e o impulso que, advindo deles, lhe é necessário. Em consequência, o alemão possuirá menos sentimento em relação ao belo que o francês, e menos sentimento em relação ao sublime que o inglês; porém, naqueles casos em que ambos devem apresentar-se ligados, seu sentimento será mais apropriado, como quando evita com êxito o erro no qual se poderia cair em razão da excessiva intensidade de um desses tipos de sentimento. Mencionarei apenas de passagem as artes e ciências cuja escolha pode confirmar o gosto que atribuímos particularmente a essas nações. O gênio italiano distinguiu-se sobretudo na música, na pintura, na escultura e na arquitetura. Todas essas belas artes encontram na França um gosto igualmente refinado, não obstante a sua beleza seja aqui menos comovente. Em relação à perfeição da poesia ou da oratória, o gosto tende mais ao belo na França, mais ao sublime na Inglaterra. O gracejo refinado, a comédia, a sátira cômica, o jogo amoroso e o estilo fluente e natural são dotes autenticamente franceses. Na Inglaterra, ao contrário, encontramos pensamentos de conteúdo profundo, a tragédia, a poesia épica e, em geral, o ouro maciço do engenho, que, sob a ação do martelo francês, pode ser transformado em finas lâminas de grande superfície. Na Alemanha, o engenho brilha em lâminas ainda mais reluzentes. Outrora era berrante; todavia, graças a exemplos e ao entendimento da nação, tornou-se mais atraente e mais nobre, embora o atrativo possua menos ingenuidade, e a nobreza, um brio menos ousado do que se vê nos povos mencionados. O gosto da nação holandesa por uma ordem meticulosa e uma graciosidade, o qual desperta aflição e embaraço, permite igualmente presumir pouco sentimento ante os movimentos não artificiais e livres do gênio, cuja beleza só tem a perder com a hesitante prevenção dos erros. Nada pode ser mais contrário a todas as artes e ciências do que um gosto extravagante, pois este deturpa a natureza, arquétipo de todo o belo e nobre. Por isso, a nação espanhola também demostrou pouco sentimento pelas belas artes e pela ciência. Os caracteres espirituais dos povos são absolutamente discerníveis por aquilo que neles é moral; por isso, queremos ainda ponderar, desse ponto de vista, o sentimento diversificado deles diante do sublime e do belo. (Não é necessário que eu repita, aqui, minha justificação precedente. Em cada povo, sua parte mais culta contém todos os tipos de caracteres louváveis, e aquele que for atingido por uma ou outra censura, caso for refinado o bastante, compreenderá sua vantagem, que consiste em reconhecer o próprio destino, excluindo-se a si mesmo. Nota do Autor) O espanhol é sério, reservado e sincero. Há poucos comerciantes no mundo mais honrados do que o espanhol. Possui uma alma orgulhosa, e mais sentimento pelas grandes ações que pelas belas. Como, na composição que lhe é própria, encontra-se pouco da benevolência bondosa e branda, ele frequentemente é duro e até mesmo cruel. O Auto da Fé se mantém não tanto pela superstição quanto pela inclinação extravagante da nação, movida por uma venerável e terrível procissão, na qual se vê São Benito, pintado com imagens diabólicas, entregue às chamas (acesas pela furiosa devoção). Não se pode afirmar que o espanhol seja mais soberbo ou apaixonado do que qualquer pessoa de outro povo; só que é ambos de maneira extravagante, o que é raro e incomum. Abandonar o arado e, com uma longa espada e um manto igualmente longo, passear pelos campos até que se vá o estrangeiro viajante; ou, numa tourada, único lugar onde as belas mulheres da região são vistas sem o véu, saudar a senhora de seu coração com uma especial reverência, e, em seguida, para honrá-la, aventurar-se numa luta temerária com um animal selvagem - são ações incomuns e raras, que se afastam bastante do que é natural. O italiano parece possuir um sentimento misto, composto do sentimento do espanhol e do francês; mais sentimento para o belo do que o primeiro e mais sentimento para o sublime do que o segundo. Dessa maneira, penso, podem ser explicados os demais traços de seu caráter moral. O francês possui um sentimento dominante para o belo moral. É cortês, atencioso e amável. Torna-se rapidamente familiar, é espirituoso e livre em sociedade, e a expressão um homem ou uma dama de bom tom só tem sentido para quem adquiriu a cortesia de sentimento do francês. Mesmo seus sentimentos sublimes, que não são poucos, subordinam-se ao sentimento do belo, e retiram sua força justamente da concordância com ele. Tem enorme dileção em ser engenhoso, e, por uma boa ideia, sacrifica facilmente algo da verdade. Em compensação, onde não se pode ser engenhoso, (Na metafísica, na moral e na doutrina religiosa, nunca é demais ser cauteloso com as obras dessa nação. Frequentemente predomina nelas uma bela aparência, que não resiste à prova de um exame mais cuidadoso. O francês ama o atrevimento em suas máximas; porém, para se chegar à verdade, é preciso ser cuidadoso, e não atrevido. Na história ama as anedotas, contra as quais não há nada a objetar, salvo desejar que sejam verdadeiras. Nota do Autor.) como na matemática e nas demais artes e ciências áridas e profundas, também demonstra tão fundada inteligência quanto qualquer homem de um outro povo. Para ele, um bon mot não possui o valor fugaz que se lhe atribui noutro lugar; antes, será avidamente divulgado e, como o mais importante dos acontecimentos, consagrado nos livros. É um cidadão tranquilo, e vinga-se das opressões dos coletores de impostos através de sátiras, ou de protestos ao Parlamento. Estes, após terem dado uma bela aparência patriótica a seu desígnio, conforme os patriarcas do povo, não têm outro efeito do que o de serem coroados por um glorioso exílio e celebrados em engenhosas poesias encomiásticas. A mulher é o objeto ao qual se referem mais assiduamente os méritos e as aptidões nacionais desse povo. (Na França, é a mulher quem dá o tom a toda reunião e sociedade. Ora, não se pode negar que, sem o belo sexo, as reuniões tornam-se insípidas e aborrecidas; se, porém, a dama dá o tom do belo, de igual modo deveria o homem dar o tom do nobre. Caso contrário, o convívio social se torna igualmente aborrecedor, embora por um motivo oposto, pois não há nada mais desprezível que a doçura excessiva. De acordo com o gosto francês não se diz: "O Senhor está em casa?", mas: "A Senhora está?" "Madame está no toalete", "Madame tem vapores" (uma forma de belo capricho); enfim, com Madame e de Madame se ocupam todas as conversações e todos os divertimentos. Nem por isso a mulher é mais respeitada. A um homem que bajula, sempre falta sentimento, tanto do verdadeiro respeito quanto do tenro amor. Em nenhuma hipótese gostaria de ter dito aquilo que Rousseau sustenta de modo tão temerário: a mulher jamais deixará de ser uma grande criança. Porém, o perspicaz suíço escreveu isso em solo francês e, provavelmente, como grande partidário do belo sexo que era, indignava-se com o fato de este não ser tratado com um respeito mais profundo. Nota do Autor.) Não como se ali seja mais amada e apreciada que em qualquer outra parte, mas porque oferece a melhor ocasião para que à sua luz se mostrem os talentos prediletos do engenho, da cortesia e das boas maneiras. Ademais, uma pessoa vaidosa de ambos os sexos sempre ama apenas a si mesma; o outro é simplesmente o seu joguete. Visto que de modo algum faltam nobres qualidades aos franceses, mas apenas que estas só podem ser vivificadas através do sentimento do belo, o belo sexo poderia ter ali uma influência poderosa no sentido de provocar as mais nobres ações do sexo masculino, estimulando-o como a nenhum outro no mundo, se se pensasse em favorecer um pouco essa tendência do espírito nacional. É uma pena que dos lírios não se façam tecidos. O erro, a que em maior grau beira esse caráter nacional, é a trivialidade - ou, em uma expressão mais delicada, a superficialidade. Questões importantes são tidas como divertimento, e detalhes servem às mais sérias ocupações. Na velhice, o francês continua cantando canções alegres, permanecendo, tanto quanto pode, galanteador diante das mulheres. Ao fazer essas observações, conto com fiadores oriundos desse povo, valendo-me de um Montesquieu ou de um D'Alembert contra qualquer indignação. No início de qualquer relação, o inglês é frio, mantendo-se indiferente a todo estranho. Possui pouca inclinação a pequenas delicadezas; todavia, tão logo é um amigo, se dispõe a grandes favores. Esforça-se pouco em ser engenhoso em sociedade ou em mostrar um decoro cortês, mas é compreensível e sério. Não observa um modelo de conduta, não se pergunta muito pelo juízo alheio, seguindo simplesmente seu próprio gosto. Em relação à mulher, não assume a cortesia francesa, porém demonstra maior respeito diante dela, talvez até em demasia, na medida em que usualmente, no matrimônio, concede à esposa uma consideração ilimitada. É constante, por vezes com obstinação, ousado e resoluto, beirando frequentemente o atrevimento, e age de acordo com princípios, chegando, às vezes, à teimosia. Facilmente se toma um homem original - não por vaidade, mas por preocupar-se pouco com os outros, dificilmente violentando seu gosto por conveniência ou imitação. Por isso, raramente será tão amado como o francês, mas, uma vez conhecido, será certamente mais estimado que aquele. O alemão possui um sentimento misto do sentimento do inglês e do francês, parecendo porém aproximar-se mais do primeiro, tendo grande semelhança com segundo em função da artificialidade e da imitação. Possui uma feliz mistura dos sentimentos do sublime e do belo; e se no primeiro não é um inglês, e tampouco um francês no segundo, supera a ambos, na medida em que os unifica. É mais agradável em sociedade que o primeiro, e, embora não introduza aí tanta vivacidade e engenho quanto o francês, exprime, todavia, maior sobriedade e entendimento. No amor, tanto quanto nas outras espécies de gosto, é assaz metódico, e, unindo o belo e o nobre, é suficientemente frio no sentimento de ambos para ocupar a mente com considerações acerca do decoro, do luxo ou daquilo que chama a atenção. Daí a família, o título e a posição assumirem a maior importância para ele, tanto nas relações civis quanto no amor. Muito mais que os outros, se pergunta pelo juízo que se venha a fazer dele, e se há algo em seu caráter que possa produzir o desejo de um melhoramento, resultando daí a fraqueza em razão da qual não ousa ser original, embora possua todos os talentos para isso; por se deixar influenciar em demasia pela opinião alheia, tira a consistência de todas as qualidades morais, tornando-as instáveis e falsamente artificiais. O holandês é dotado de um estado de espírito ordenado e ativo, e, tendo em vista simplesmente o útil, dispõe de pouco sentimento para aquilo que é belo ou sublime num entendimento refinado. Para ele, um grande homem equivale a um homem rico; por amigo, entende seu sócio, e uma visita lhe é muito maçante, quando nada lhe rende. Contrasta tanto com os franceses quanto com os ingleses, aparecendo, em certa medida, como um alemão muito fleumático. Se pusermos à prova esses pensamentos, aplicando-os a um caso qualquer - por exemplo, para apreciar o sentimento de honra - mostrar-se-ão as seguintes diferenças nacionais. O sentimento de honra, no francês, é vaidade; no espanhol, soberba; no inglês, orgulho; no alemão, altivez; e, no holandês, presunção. Embora à primeira vista pareçam significar o mesmo, essas expressões assinalam diferenças muito notáveis em virtude da riqueza de nossa língua alemã. A vaidade solicita o aplauso, é volúvel e inconstante; todavia, sua aparência exterior é cortês. A soberba é cheia de traços grandiosos, falsamente imaginados, e solicita pouco o aplauso alheio; seu comportamento é rígido e pomposo. O orgulho, a bem dizer, é apenas uma consciência elevada de seu próprio valor, que; às vezes, pode ser muito correta (por isso é também denominado um orgulho nobre; nunca, porém, posso atribuir a alguém uma nobre soberba, pois esta sempre indica uma avaliação de si incorreta e exacerbada). A conduta do orgulhoso diante dos outros é indiferente e fria. O altivo é um orgulhoso, que é ao mesmo tempo vaidoso. (Um altivo não é necessariamente um soberbo, isto é, que se faça uma imagem excessiva e falsa de seus próprios méritos; pode acontecer de não se estimar mais do que vale. Todavia, revela um falso gosto em impor externamente esse seu valor. Nota do Autor.) Porém, o aplauso que busca nos outros consiste em reverências. Por isso, é com prazer que brilha através de títulos, árvores genealógicas e fausto. O alemão, sobretudo, é vitimado por essa fraqueza. As palavras: magnânimo, benevolentíssimo, ilustríssimo, e outras, igualmente enfáticas, tornam a língua rígida e inflexível, impedindo inteiramente a bela simplicidade que outros povos podem dar a seu estilo. A sociabilidade de uma pessoa altiva caracteriza-se pela cerimônia. O presunçoso é um soberbo, cuja conduta tem por característica marcante o desprezo pelos outros. No comportamento, é grosseiro. Essa qualidade mesquinha distancia-se ao máximo do gosto refinado, porque é visivelmente estúpida; afinal, exortar os outros ao ódio e ao escárnio mordaz, através de um desprezo manifesto, certamente não é o meio de satisfazer o próprio sentimento de honra. No amor, os alemães e os ingleses possuem um estômago bastante robusto, certo sentimento refinado, porém, sobretudo, um gosto saudável e vigoroso. O italiano, neste ponto, é dado a devaneios, o espanhol a fantasias, e o francês à gulodice. A religião de nosso continente não é matéria de gosto arbitrário; sua origem é mais venerável. Daí, nela, somente os desvios, de que os homens são responsáveis, podem fornecer indicações das diferentes qualidades nacionais. Considero esses desvios sob os seguintes conceitos principais: credulidade, superstição, fanatismo e indiferentismo. Crédula é, geralmente, a parte inculta de cada nação, embora não possua nenhum sentimento refinado digno de nota. A persuasão depende simplesmente do ouvir dizer e da autoridade aparente, e os móbeis aí presentes de nenhum modo remetem a alguma espécie de sentimento refinado. No norte, encontram-se exemplos de povos inteiros dessa natureza. O crédulo, quando é de gosto extravagante, torna-se supersticioso. Esse gosto, por si mesmo, é já um motivo para se crer mais facilmente em algo, (Notou-se, a propósito, que um povo tão sensato como o inglês pode, porém, por força da notícia de um acontecimento extraordinário e inteiramente disparatado, começar a nele crer; disso, há mais de um exemplo. Apenas um caráter destemido, escolado em diversas experiências em que muitas coisas inusitadas foram depois reconhecidas verdadeiras, libera-se rapidamente das pequenas dúvidas que atormentam uma cabeça mais: fraca e desconfiada, que se previne do erro sem qualquer mérito próprio. Nota do Autor.) de dois homens, dos quais um seja contagiado por esse sentimento, o outro, porém, por um estado de espírito frio e controlado, o primeiro, mesmo se possuir efetivamente mais entendimento, será, em virtude da sua inclinação dominante, tentado mais facilmente a crer em algo sobrenatural do que o outro, que se conserva desse desvio não graças a sua perspicácia, mas a seu sentimento comum e fleumático. O supersticioso, na religião, interpõe entre si e o objeto supremo de sua veneração certos homens poderosos e assombrosos - por assim dizer, santidades colossais - às quais a natureza obedece e cuja voz exortante abre ou fecha as portas de ferro do Tártaro; santidades que, enquanto tocam o céu com suas cabeças, ainda mantêm os pés aqui embaixo, na terra. Por esse motivo, as diretrizes da sã razão terão grandes obstáculos a superar na Espanha, não porque dali precisem expulsar a ignorância, mas porque a elas se opõe um gosto singular, para o qual o natural é vulgar, e que jamais o credencia a um sentimento sublime caso seu objeto não seja extravagante. O fanatismo é, por assim dizer, um pio atrevimento, ocasionado por certo orgulho e grande confiança em si mesmo, com o propósito de aproximar-se das naturezas celestes e de elevar-se, num voo extraordinário, acima da ordem comum e prescrita. O exaltado fala apenas de inspiração direta e de vida contemplativa, enquanto que o supersticioso, diante de imagens de grandes santos miraculosos, faz votos e deposita sua confiança nas qualidades inimitáveis que imagina em outras pessoas de natureza idêntica à sua. Como já observamos acima, os desvios trazem consigo indicações do sentimento nacional, e o fanatismo, (O fanatismo deve ser distinguido do entusiasmo. Aquele crê sentir uma comunhão imediata e extraordinária com uma natureza mais elevada, este exprime o estado da mente por alguma razão mais excitado do que o normal, em função quer das máximas da virtude patriótica, quer da amizade, quer da religião, sem que ocorra a ideia de uma comunhão sobrenatural. Nota do Autor.) em tempos passados encontrado sobretudo na Alemanha e na Inglaterra, é como que uma excrescência inatural do sentimento nobre que pertence ao caráter desses povos, e geralmente não é tão danoso quanto a inclinação supersticiosa, mesmo sendo impetuoso em seu início, pois o excitamento de um espírito fanático pouco a pouco esfria, devendo, ao fim, chegar à moderação ordenada que cabe a sua natureza; já a superstição, desapercebidamente, arraiga-se com maior profundidade numa natureza espiritual tranquila e passiva, privando o homem que lhe é prisioneiro de toda esperança de algum dia livrar-se de uma ilusão tão perniciosa. Finalmente, um vaidoso e leviano é sempre desprovido de um sentimento vigoroso para o sublime, e sua religião é sem comoção, no mais das vezes, apenas matéria de moda, praticada com toda conveniência e frieza. Este é o indiferentismo prático, ao qual o caráter nacional francês parece ser o mais inclinado; daí à blasfêmia injuriosa é apenas um passo, e, se considerada em seu valor intrínseco, distancia-se pouco da completa descrença. Se lançarmos um rápido olhar nos outros continentes, encontraremos o árabe como o homem mais nobre do Oriente, dotado, porém, de um sentimento que muito degenera em extravagância. É hospitaleiro, generoso e sincero; só que seu relato e suas histórias e, em geral, seu sentimento são sempre entrelaçados a algo de maravilhoso. Sua excitada imaginação apresenta-lhe as coisas em imagens inaturais e retorcidas, e mesmo a difusão de sua religião foi uma grande aventura. Se os árabes são como que os espanhóis do Oriente, os persas são os franceses da Ásia. São bons poetas, gentis e dotados de um gosto bastante refinado. Não são seguidores tão estritos do Islã, e seu estado de espírito propenso à jovialidade permite-lhes uma interpretação assaz branda do Corão. Os japoneses poderiam ser vistos como os ingleses desse continente, porém apenas quanto a uma ou outra qualidade, como a sua tenacidade, que degenera na mais extremada teimosia, a sua coragem e desprezo pela morte. De resto, pouco demonstram características de um gosto refinado. Os indianos possuem um gosto dominante para o caricaturesco, daquela espécie que atinge o extravagante. Sua religião consiste em caricaturas. Ídolos de forma monstruosa, o dente inestimável do poderoso macaco Hanuman, as penitências desnaturadas do faquir (frades mendicantes pagãos) etc., fazem parte desse gosto. O sacrifício voluntário da mulher na mesma fogueira que consome o cadáver do marido é uma horrível extravagância. Que ridículas caricaturas não contêm os cumprimentos exagerados e afetados dos chineses! Mesmo suas pinturas são caricaturescas, e representam figuras maravilhosas e inaturais, que não se podem encontrar em nenhuma outra parte do mundo. Possuem também caricaturas veneráveis graças à antiguidade, (Por ocasião de um eclipse solar ou lunar ainda se celebra em Pequim a cerimônia de espantar, pelo barulho, o dragão que quer devorar esses corpos celestes e, ainda que hoje já se tenha mais instrução, conserva-se um miserável rito da ignorância dos tempos primordiais. Nota do Autor.) e nenhum outro povo no mundo dispõe mais delas do que ele. Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um negro tenha demonstrado talentos, e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão essencial é a diferença entre essas duas raças humanas, que parece ser tão grande em relação às capacidades mentais quanto à diferença de cores. A religião do fetiche, tão difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se aprofunda tanto no ridículo quanto parece possível à natureza humana. A pluma de um pássaro, o chifre de uma vaca, uma concha, ou qualquer outra coisa ordinária, tão logo seja consagrada por algumas palavras, tornam-se objeto de adoração e invocação nos esconjuros. Os negros são muito vaidosos, mas à sua própria maneira, e tão matraqueadores, que se deve dispersá-los a pauladas. Entre todos os selvagens, nenhum outro povo demonstra um caráter espiritual tão sublime como o da América do Norte. Possuem um forte sentimento da honra, e quando, para alcançá-la, buscam selvagens aventuras por centenas de milhas, são extremamente atentos em preservá-la do menor prejuízo, mesmo quando um inimigo feroz, depois de tê-lo feito prisioneiro, procura, por meio de terríveis torturas, forçá-lo a um gemido covarde. O selvagem canadense é, aliás, sincero e honesto. A amizade que estabelece é tão excepcional e absoluta quanto o que já foi relatado dos tempos mais remotos e fabulosos. É extremamente orgulhoso, sente o inteiro valor da liberdade e, em sua formação, não tolera nenhuma relação que o leve a experimentar uma baixa submissão. Provavelmente terá sido Licurgo quem deu leis a selvagens semelhantes, e se um legislador surgisse entre as seis nações, veríamos elevar-se uma república espartana no Novo Mundo; pois a empresa dos argonautas difere pouco das expedições guerreiras desses índios, e Jasão, diante de Attakakullakulla, não possui outra vantagem senão a honra de um nome grego. Todos esses povos selvagens possuem pouco sentimento do belo em sentido moral, e o generoso perdão de uma ofensa, que é, a um só tempo, nobre e belo, lhes é inteiramente desconhecido como virtude, sendo, ao contrário, desprezado como uma mísera covardia. A valentia é o mérito mais elevado do selvagem, e a vingança, sua mais doce volúpia. Os outros indígenas desse continente mostram poucos vestígios de um caráter espiritual propenso a sentimentos refinados, e uma extraordinária insensibilidade é a marca desses homens. Se observarmos as relações entre os sexos nesses continentes, verificaremos que unicamente o europeu detém o segredo de adornar com tantas flores e entrelaçar com tanta moralidade o estímulo sensível de uma poderosa inclinação, a ponto de não apenas multiplicar ao extremo suas delícias, mas também de torná-la assaz decente. O habitante do Oriente demonstra, nesse ponto, um gosto demasiado falso. Desprovido de todo conceito do belo moral, que pode estar ligado a esse impulso, perde, em consequência, o valor da satisfação sensível, e seu harém lhe é uma fonte de constante perturbação. Engaja-se em toda sorte de grotesco no amor, dentre os quais uma das mais importantes é a da joia imaginária, da qual procura assegurar-se acima de tudo, e cujo inteiro valor consiste apenas em despedaçá-la; joia que, em nosso continente, nutriu dúvidas maliciosas, e cuja manutenção justifica que seu proprietário se sirva de meios muito injustos e desprezíveis. Por isso, lá uma mulher é sempre cativa, quer sendo uma simples menina, quer tendo um esposo bárbaro, inapto e sempre desconfiado. Nas terras dos negros o que esperar de melhor do que ordinariamente lá se encontra, ou seja, o sexo feminino na mais profunda escravidão? Um homem pusilânime é sempre um senhor severo ante os mais fracos, assim como também entre nós aquele que a toda hora é um tirano na cozinha, fora de casa mal se atreve a olhar nos olhos de quem quer que seja. A propósito, o padre Labat conta que um carpinteiro negro, a quem ele censurara o comportamento arrogante para com a mulher, lhe respondeu: "Vocês brancos são verdadeiros estultos, pois primeiro concedem muito a suas mulheres, e depois se queixam, quando elas os infernizam". É bem possível haver, nessas palavras, algo que deva ser levado em conta; só que, para ser breve, esse sujeito era preto da cabeça aos pés, argumento suficiente para considerar irrelevante o que disse. Entre os selvagens não há quem tenha o sexo feminino em maior consideração que os do Canadá. Talvez nesse ponto superem até mesmo nosso continente civilizado. Não como se lá se fizessem humildes cumprimentos às mulheres; estes são apenas saudações. Não, são elas que realmente comandam. Reúnem-se e deliberam sobre as disposições mais importantes da nação, sobre a guerra e sobre a paz. Enviam delegadas ao conselho dos homens e, geralmente, é sua a voz que decide. Porém, pagam caro por esse privilégio: têm todas as questões domésticas sobre os ombros, e dividem todos os incômodos relativos aos homens. Se, por fim, lançarmos um olhar sobre a história, veremos o gosto dos homens continuamente assumir, tal como um Proteu, configurações inconstantes. A antiguidade greco-romana mostrava características notórias de um sentimento genuíno, tanto para o belo quanto para o sublime, na arte poética, na escultura, na arquitetura, na legislação e mesmo nos costumes. A ascensão dos imperadores romanos converteu a nobre e bela simplicidade no magnífico e, posteriormente, no falso brilho sobre o qual ainda nos instruem os resíduos de sua eloquência, poesia e até a história de seus costumes. Pouco a pouco, com o inteiro declínio do Estado, também caduca esse resto de gosto refinado. Os bárbaros, após, por seu turno, terem consolidado seu poder, introduziram certo gosto pervertido, denominado gótico, que se resume a formas grotescas. Não se assistiu ao grotesco apenas na arquitetura, mas também nas ciências e noutros domínios. O sentimento corrompido, uma vez conduzido por uma falsa arte, logo tomou uma ou outra forma desnaturada em prejuízo da antiga simplicidade da natureza, fazendo-se exagerado ou trivial. A extravagância foi o ímpeto mais elevado do gênio humano para alcançar o sublime. Testemunharam-se extravagâncias espirituais e laicas, e, frequentemente, uma forma bastarda, adversa e monstruosa de ambas. Monges, com o missal numa mão e estandarte de guerra na outra, seguidos por um inteiro exército de vítimas iludidas, a fim ter seus ossos enterrados noutra paisagem celeste, num solo mais santo; guerreiros consagrados, santificados pelo voto solene à brutalidade e ao crime; e, por fim, um estranho tipo de fantasista heroico, que se auto intitulava cavaleiro, e buscava aventuras, torneios, duelos e ações românticas. Durante esse período, a religião - e, junto com ela, as ciências e os costumes - encontrava-se desfigurada por superstições mesquinhas, e observa-se que dificilmente o gosto degenera sozinho, sem também não apresentar sinais evidentes de degenerescência em tudo o mais relativo ao sentimento refinado. Os votos monásticos transformaram boa parte de homens úteis em sociedades abarrotadas de zelosos vagabundos, cuja forma de vida elucubrativa levou-os a tramar milhares de sofismas escolásticos, que, ganhando o mundo, difundiram sua espécie. Por fim, depois de o gênio humano ter felizmente ressurgido, de uma quase completa destruição, por uma forma de palingenesia, vemos florescer em nossos dias o gosto justo do belo e do nobre, tanto nas artes e ciências, quanto em vista dos costumes; e não é de se desejar outra coisa senão que o falso brilho, que tão facilmente ilude, não nos distancie desapercebidamente da nobre simplicidade. Mas, sobretudo, é de se desejar que o segredo ainda não revelado da educação seja arrancado da antiga ilusão, para que o sentimento moral cedo se eleve a um sentimento ativo no seio de todo jovem cidadão do mundo, a fim de que nem todo refinamento se esgote no divertimento fugaz e ocioso de julgar com mais ou menos gosto o que ocorre fora de nós. ENSAIO SOBRE AS DOENÇAS MENTAIS A simplicidade e parcimônia da natureza exigem do homem e formam nele apenas conceitos comuns e uma rude probidade; o constrangimento artificial e a opulência do estado civil produzem indivíduos engenhosos e sutis, mas, ocasionalmente, também estultos e impostores, forjando uma aparência sábia ou uma aparência moral que permite prescindir do entendimento e da integridade, conquanto que seja espessa a urdidura do belo véu com que o decoro cobre a fraqueza secreta da mente ou do coração. A medida que a arte se eleva, razão e virtude enfim se tomam a senha comum, mas de tal forma que o zelo em falar de ambas dispensa pessoas instruídas e educadas de se esforçarem em possuí-las. O respeito universal conferido a essas louvadas qualidades toma, porém, visível esta diferença: cada qual é, de longe, mais invejoso das prerrogativas do entendimento do que das boas qualidades da vontade, e, na comparação entre ignorância e picardia, ninguém hesita por um instante em se pronunciar em favor da última; o que também é, certamente, muito bem pensado, pois, quando tudo passa a depender de arte, a astúcia refinada não pode faltar, ao contrário da probidade - em tais relações, um mero empecilho. Vivo entre cidadãos sábios e de bons costumes, isto é, entre aqueles que sabem assim parecer, e me lisonjeio de que sejam tão justos concedendo-me o mesmo tanto desse refinamento, como se, mesmo dispondo dos remédios mais seguros para extirpar pela raiz as doenças da mente e do coração, eu devesse ter escrúpulos em livrar-me dessa velha farraparia, ocupando-me publicamente do assunto. Afinal, bem sei que a cura do entendimento e do coração apreciada pela moda já se encontra em seu avanço desejado, e que sobretudo os médicos do entendimento, que se denominam lógicos, têm se desincumbido satisfatoriamente do anseio geral relativo a ele, desde que realizaram a mais importante das descobertas: a cabeça do homem é, na verdade, um tambor, que soa apenas porque é oca. Assim, nada me resta a fazer senão imitar o método dos médicos, que creem ser muito úteis aos pacientes, quando dão um nome a sua doença, e esboço uma pequena onomástica das fraquezas da mente, desde a paralisia, na parvoíce Blödsinnigkeit, até o arrebatamento, na insanidade Tollheit. Todavia, a fim de identificar essas doenças repugnantes em sua gênese progressiva, penso ser necessário inicialmente definir seus graus mais amenos, da imbecilidade Dummköpfigkeit à estultícia Narrheit, pois essas qualidades são mais correntes nas relações civis e, apesar disso, conduzem àquelas primeiras. Ao obtuso falta engenho, ao imbecil, entendimento. A destreza em compreender algo e dele lembrar-se, tanto quanto a facilidade em exprimi-lo adequadamente, dependem muito do engenho. Daí aquele que não é imbecil poder ser, ainda assim, muito obtuso, na medida em que as coisas dificilmente lhe entram na cabeça, mesmo que seja capaz de compreendê-las mais tarde, com o maior amadurecimento do juízo. E a dificuldade de expressão nada prova a respeito da capacidade de compreensão, mas apenas que o engenho não fornece os subsídios necessários para figurar os pensamentos nos muitos signos, dos quais alguns se ajustam de forma mais adequada. O célebre jesuíta Clavius foi expulso das escolas como incapaz (visto que, segundo a avaliação de Orbile, um rapaz é inteiramente inútil quando não consegue fazer versos ou exercícios de escola); mais tarde, reencontrou acidentalmente a matemática, o jogo se inverteu, e seus antigos mestres passaram a ser imbecis diante dele. O juízo prático de que precisam ter sobre as coisas o camponês, o artista, o navegante etc., é muito diferente daquele que diz respeito à maneira com que os homens tratam-se uns aos outros. Este último consiste menos em entendimento do que em astúcia, e a amável ausência dessa tão apreciada aptidão chama-se simplicidade. Se sua causa deve ser buscada na fraqueza da faculdade de julgar, então tal homem é denominado um palerma, um simplório etc. Na sociedade civil, intrigas e artimanhas pouco a pouco se tornam máximas comuns e se emaranham no jogo das ações humanas. Nessa medida, não é de surpreender que por toda parte aconteça a um homem sensato e probo cair em armadilhas de impostores - seja porque toda essa malícia é por demais desprezível para que dela se ocupe, seja porque seu nobre e benevolente coração não é capaz de se persuadir em fazer uma ideia tão odiosa da natureza humana -, tornando-se motivo de riso para eles; de forma que, por fim, a expressão "um bom homem" não é mais uma expressão figurada, mas uma maneira direta de indicar "um simplório", e, ocasionalmente, também um ... Pois, na linguagem dos pícaros, nenhum homem é sensato se, em sua consideração sobre os outros, os toma por melhores do que ele mesmo é: um impostor. Os impulsos da natureza humana, que se chamam paixões quando atingem graus intensos, são as forças motoras da vontade; ao entendimento cumpre apenas ponderar a inteira soma da satisfação de todas as inclinações a partir dos fins representados, como também descobrir seus meios. Se, porventura, uma paixão é especialmente poderosa, a capacidade do entendimento é de pouca valia contra ela; pois, sem dúvida, o homem seduzido sente muito bem as razões contra sua inclinação predileta, só que se vê impotente para dar-lhes uma voz ativa. Se essa inclinação é boa em si mesma, e a pessoa, de resto, é razoável, mas a tendência predominante faz perder de vista as más consequências, esse estado da razão cativa é a insensatez. Um insensato pode ter muito entendimento; mesmo ao julgar ações nas quais é insensato, precisa dispor de entendimento e de bondade de coração bastantes para poder justificar seus excessos com essa denominação atenuada. Em todo caso, o insensato pode ser um excelente conselheiro para terceiros, mesmo se seu conselho é, para si próprio, sem efeito. Só recuará em virtude dos prejuízos ou da idade; contudo, frequentemente isso equivale apenas a suprimir uma insensatez para dar lugar a outra. A paixão amorosa ou um alto grau de ambição transformaram muita gente sensata em insensata. Uma jovem obrigou o terrível Alcides a enrolar a linha na roca, e ociosos atenienses, por meio de seu ridículo encômio, levaram Alexandre ao fim do mundo. Há inclinações de menor fervor e menos frequentes, que, entretanto, não deixam de produzir insensatez: a vontade de construir, de colecionar quadros, a bibliofilia. O homem degenerado afastou-se de seu lugar natural; é atraído por tudo, e por tudo detido. Ao insensato se contrapõe o receoso; porém, aquele que não é insensato é um sábio. Pode-se, por ventura, procurar esse sábio na lua; lá, talvez, se esteja desprovido de paixão, e a razão seja infinita. O insensível assegura-se da insensatez por meio de sua estupidez; aos olhos comuns, porém, passa por sábio. Em uma embarcação em meio à tempestade, na qual todos se agitavam temerosamente, Pirro viu um porco empanturrando-se tranquilamente em seu comedouro, e, apontando-o, disse: "assim deve ser a calma de um sábio". Insensível, eis o sábio de Pirro. Se a paixão dominante é em si mesma odiosa e, ao mesmo tempo, suficientemente insípida abgeschmackt, a ponto de que se considere como sua satisfação exatamente o contrário de seu propósito natural, o estado em que a razão é assim corrompida é a estultícia. O insensato compreende muito bem o verdadeiro propósito de sua paixão, ainda que lhe conceda uma força capaz de cativar a razão. A paixão, porém, embota tanto o estulto que ele apenas crê possuir algo desejado, quando na verdade está dele se privando. Pirro sabia muito bem que bravura e poder suscitam admiração geral; seguiu com grande perfeição o impulso da ambição, e não foi mais do que Cineas dizia sobre ele - um insensato. Mas quando Nero, para obter o prêmio de poesia, se expôs ao escárnio público, recitando versos lastimáveis do alto de um palco, e quando ainda, à beira da morte, exclamou: "quantus artifex morior!" - nada mais vejo nesse imperador romano, medroso e ridículo, que um estulto. Penso que toda estultícia repousa propriamente sobre duas paixões: soberba e cobiça. Ambas são perversas e, por isso, odiadas; ambas são insípidas por natureza, e seu fim se destrói a si próprio. O soberbo ostenta uma conduta insolente em relação ao próprio mérito, por meio de um claro desdém dos outros. Crê estar sendo estimado quando é vaiado, pois, é óbvio, o desprezo pelos outros suscita nestes a própria vaidade contra ele. O avaro, se lhe dermos ouvido, tem necessidade de muitas coisas e é incapaz de prescindir o mínimo que seja de seus bens; e, assim, efetivamente se priva de todos eles, visto não dispor deles devido a sua sovinice. A cegueira da soberba produz estultos ineptos ou arrogantes, segundo a cabeça oca seja tomada por uma ridícula volubilidade ou por uma inflexível estupidez. A mesquinha avidez sempre deu ocasião a muitas histórias ridículas, que dificilmente poderiam ser melhores inventadas do que como realmente ocorreram. O insensato não é sábio, o estulto não é esperto. A zombaria que recai sobre o insensato é alegre e inofensiva; o estulto merece o mais mordaz chicote da sátira, porém por nada o sente. É de se esperar que, um dia, um insensato possa tornar-se um homem sensato; aquele que intenta tornar esperto um estulto, procura uma agulha em um palheiro. A causa é que, naquele, vigora uma inclinação verdadeira e natural, que, quando muito, apenas cativa a razão; neste, uma disparatada quimera, que inverte seus princípios. Cabe a outros decidir se devemos nos afligir com a estranha profecia de Holberg, segundo a qual o crescimento diário dos estultos é algo preocupante, e que leva a temer que tenham enfiado na cabeça a ideia de instituir a quinta monarquia. Admitindo-se, porém, que tramassem algo assim, não poderiam empregar aí muito zelo, pois um deles poderia, com razão, dizer ao ouvido do outro aquilo que um conhecido charlatão de uma corte vizinha, ao atravessar uma cidade polaca, conclamou aos estudantes que o seguiam: "Senhores, sejam aplicados, instruam-se, pois se formos muitos, jamais poderá haver pão para todos". Passo das fraquezas da mente, que são desprezadas e constituem objeto de zombaria, àquelas que habitualmente vemos com compaixão; das que não suprimem a comunidade civil em sua liberdade, àquelas, das quais se encarrega a precaução da autoridade e em relação às quais toma medidas. Divido essas doenças em dois grupos: as da impotência e as da corrupção Verkehrheit. As primeiras encontram-se sob a denominação geral de parvoíce; as segundas, sob o nome de mente perturbada. O parvo acha-se muito impotente no que diz respeito à memória, à razão e, também em geral, às impressões sensíveis. Esse mal é, na maior parte das vezes, incurável, pois, se se torna difícil pôr termo à desordem selvagem do cérebro perturbado, é quase impossível que se consiga reanimar o órgão esmorecido. As manifestações dessa fraqueza, que jamais permite ao infeliz deixar o estado infantil, são por demais conhecidas para que seja necessário deter-se longamente nelas. As fraquezas da mente perturbada podem ser reduzidas a tantos gêneros principais quantas são as capacidades mentais atacadas por elas. Em seu conjunto, suponho poder ordená-las sob as três divisões seguintes: primeiramente, a corrupção dos conceitos de experiência, no desatino Verrückung; em segundo lugar, próxima a essa experiência, a desordem da faculdade de julgar, no delírio Wahnsinn; finalmente, a corrupção da razão em vista de juízos mais universais, no desvario Wahnwitz. Parece-me que todas as outras manifestações restantes do cérebro doente podem ser vistas ou como graus diferentes dos casos mencionados ou como uma infeliz união desses males ou, finalmente, como resultado de poderosas paixões, podendo, assim, ser ordenadas nas classes anteriormente indicadas. No que concerne ao primeiro mal, nomeadamente, ao desatino, explico suas manifestações da seguinte maneira. A alma de cada um dos homens, inclusive no estado mais saudável, ocupa-se em pintar as mais diversas imagens de coisas ausentes, ou também em aprimorar algumas semelhanças imperfeitas na representação de coisas presentes através de um ou outro traço quimérico que nossa capacidade poética criadora inscreve na sensação. Não temos razões para crer que no estado de vigília nosso espírito siga princípios diferentes do que quando dorme; ao contrário, é de se supor que, na vigília, somente a vivacidade das impressões sensíveis obscurece e torna irreconhecíveis as imagens quiméricas, mais tênues, enquanto que, no sono, estas possuem toda sua força, já que nenhuma impressão exterior tem, aí, possibilidade de aceder à alma. Não é de se surpreender, portanto, que sonhos, enquanto durem, sejam tomados como experiências verídicas de coisas efetivas. Pois, visto serem, nesse estado, as representações mais fortes na alma, estão para ele assim como as impressões estão para a vigília. Suponha-se que certas quimeras, sejam quais forem suas causas, lesassem de alguma maneira um órgão do cérebro, de modo que a impressão sobre ele se tornasse tão profunda e certa quanto pode sê-lo apenas a de uma impressão sensível; nesse caso, essa fantasia precisaria ser tomada como uma experiência efetiva, mesmo na vigília, por uma razão boa e saudável. Pois seria inútil contrapor motivos racionais a uma sensação - ou à representação, que lhe fosse igual em força -, porque, de coisas reais, os sentidos oferecem convicção muito maior do que qualquer raciocínio; ao menos aquele a quem essa quimera encanta jamais pode ser levado, por meio de raciocínios, a duvidar da realidade de sua suposta sensação. Também se observam pessoas - que noutros casos revelam razão suficientemente madura - insistirem teimosamente no fato de terem visto, com toda atenção, sabe-se lá que formas fantasmagóricas e aparições grotescas, sendo suficientemente refinadas a ponto de reportar sua experiência imaginária a uma conexão sistemática com certos juízos sutis da razão. Chama-se desatino essa qualidade do perturbado de, ainda que sua doença não assuma um grau suficientemente notório, representar com frequência, na vigília, certas coisas ausentes como claramente sentidas. O desatinado é, portanto, alguém que sonha acordado. Se a habitual alucinação de seus sentidos é apenas parcialmente quimérica, sendo a maior parte uma sensação real, aquele que se encontra submetido num grau elevado a tal corrupção é um fantasioso. Quando, logo após despertar, permanecemos numa indolente e suave dispersão, nossa imaginação, partindo, por exemplo, de figuras irregulares do sobrecéu do leito ou de certas manchas numa parede próxima, desenha formas humanas com uma aparente veracidade, que nos entretêm de uma maneira agradável, podemos dissipar a alucinação no momento que quisermos. Então sonhamos apenas parcialmente, e ternos as quimeras em nosso poder. Se sucede algo parecido, em maior intensidade, sem que a atenção do homem desperto seja capaz de eliminar a alucinação na imagem enganadora, tal corrupção deixa presumir tratar-se de um fantasioso. Essa ilusão de si mesmo diante das sensações é, de resto, muito comum, e, enquanto for irrelevante, será poupado dessa denominação; tão logo, porém, se acrescenta uma paixão, a mesma fraqueza da mente pode degenerar numa verdadeira fantasmagoria. É comum que, por meio de um frequente deslumbramento, os homens vejam não o que está presente, mas antes, o que a inclinação apresenta a seus olhos: o naturalista enxerga vilas nas pedras de Florença; o devoto, a história da Paixão nas nervuras do mármore; enquanto uma dama vê a sombra de dois amantes na imagem que o telescópio oferece da lua, um pastor ali enxerga dois campanários. O sobressalto faz, dos raios de luz nórdicos, dardos e espadas e, no crepúsculo, torna um poste de indicação um fantasma gigante. Em ninguém mais que no hipocondríaco encontra-se a disposição da mente à fantasmagoria. As quimeras engendradas por essa doença não enganam propriamente os sentidos externos, mas produzem, sobre o hipocondríaco, a alucinação de uma sensação de seu próprio estado, quer do corpo, quer da alma, que, na maior parte das vezes, não passa de um capricho vazio. O hipocondríaco tem um mal que, seja qual for o lugar de sua sede, percorre - provavelmente de maneira inconstante - o tecido nervoso de todas as partes do corpo. Esse mal, porém, envolve com um vapor melancólico a sede da alma, de tal maneira que o paciente nota em si próprio a alucinação de quase todas as doenças das quais apenas ouve falar. Por isso, o seu assunto preferido é sua indisposição; lê com prazer tratados de medicina, encontrando por toda parte suas fraquezas; em sociedade, seu bom humor retoma imperceptivelmente, e então ri muito, come bem e, geralmente, possui a aparência de um homem saudável. No que se refere a sua fantasmagoria interior, as imagens em seu cérebro adquirem uma força e duração que, por vezes, lhe são penosas. Se uma figura ridícula lhe passa pela cabeça (mesmo que a reconheça apenas como uma imagem da fantasia), se esse devaneio lhe arranca uma risada indecente na presença alheia, sem que a justifique, ou quando representações obscuras provocam em seu interior um impulso violento para fazer um mal, com cuja irrupção ele mesmo temerosamente se aflige, e que, todavia, jamais se efetiva, então seu estado possui muita semelhança com o de um demente, embora não corra perigo. O mal não se encontra profundamente enraizado, e, no que concerne à mente, é geralmente extirpado quer por conta própria, quer por meio de medicamentos. Conforme o diferente estado mental dos homens, uma mesma representação atua sobre a sensação com graus inteiramente distintos. Daí haver uma espécie de fantasmagoria que é imputada a alguém apenas porque o grau do sentimento, nele suscitado por certos objetos, escapa, na opinião geral, à moderação de uma mente saudável. Desse ponto de vista, o melancólico é um fantasioso quanto aos males da vida. O amor possui inumeráveis encantos fantásticos, e o refinado artifício dos antigos Estados consistia em fazer, dos cidadãos, fervorosos sonhadores do bem-estar público. Quem, exaltando-se mais por um sentimento moral moralische Empfindung do que por um princípio, escapa aos padrões de que terceiros são capazes de admitir com seu sentimento pálido e por vezes vulgar, é considerado um fantasioso. Se imagino Aristides entre agiotas, Epiteto entre cortesãos e Jean-Jacques Rousseau entre os doutores da Sorbonne, parecer-me-á ouvir um riso sardônico e centenas de vozes gritando: Que fantasiosos! Essa ambígua aparência de fantasmagoria em sentimentos morais bons em si mesmos é o entusiasmo; e, sem ele, nada de grandioso foi feito no mundo. Coisa inteiramente diferente se passa com o fanático (visionário, profeta). Este é, a bem dizer, um desatinado que se supõe provido de inspiração imediata e intimidade com o poder celeste. Nenhuma alucinação é tão nefasta à natureza humana quanto esta. Se sua irrupção é recente, se o homem acometido possui talentos e o vulgo encontra-se preparado para assimilar esse fermento, às vezes ocorre que mesmo o Estado seja arrebatado pelo êxtase. A exaltação conduz o inspirado ao extremo: Maomé ao trono do príncipe, Johann von Leyden ao cadafalso. De certa forma, posso ainda enumerar, entre as corrupções da mente - na medida em que dizem respeito aos conceitos de experiência -, a perturbação da memória. Pois esta engana o miserável por ela acometido através de uma representação quimérica de sabe-se lá qual estado remoto, que, efetivamente, nunca existiu. Aquele que fala dos bens que pretende ter outrora possuído, ou do reino que era seu, enganando-se, de resto, em relação a suas atuais condições, é um desatinado no que toca à memória. O velho resmungão, que acredita firmemente que em sua mocidade o mundo era muito mais ordenado e que os homens viviam melhor, é um fantasioso em relação à memória. Até aqui, o entendimento da mente perturbada não foi afetado, ou, ao menos, não é necessário que o tenha sido; pois o equívoco ancora-se propriamente apenas sobre os conceitos; os juízos mesmos, se se quiser tomar como verdadeira a sensação corrompida, podem estar inteiramente corretos, sendo até extraordinariamente razoáveis. Em contrapartida, um distúrbio do entendimento consiste em julgar de forma inteiramente corrompida partindo de experiências corretas; e o primeiro grau dessa doença é o delírio, que atua contra as regras gerais do entendimento nos juízos mais próximos da experiência. O delirante vê os objetos ou deles se recorda tão corretamente quanto qualquer homem saudável, só que, por meio de uma ilusão disparatada, geralmente remete o comportamento dos outros homens a si mesmo, e crê daí poder ler sabe-se lá quais propósitos duvidosos, cujo sentido lhes é inteiramente desconhecido. Se lhe dermos ouvido, deveremos acreditar que a cidade inteira dele se ocupa. Os mercadores, que comerciam entre si e que, porventura, o notem, tramam intrigas contra sua pessoa; o guarda-noturno adverte-o por troça; resumindo, não vê nada mais do que uma conspiração geral contra si. O melancólico, que é delirante quanto a suas suposições tristes e doentes, é um homem triste. Todavia, existem também delírios agradáveis, e a paixão amorosa lisonjeia-se e atormenta-se com muitas interpretações maravilhosas que se assemelham ao delírio. O soberbo é, em certa medida, um delirante, pois, a partir do comportamento dos outros, que o observam entre a perplexidade e a ironia, conclui ser admirado por todos. O segundo grau da mente perturbada no que toca à faculdade superior de conhecimento é, propriamente, a razão desordenada, na medida em que, de forma absurda, perde-se em refinados juízos ilusórios acerca de conceitos universais. A isso pode-se chamar desvario. No grau superior desse distúrbio, pretensas intuições requintadas atacam o cérebro em ebulição; a descoberta da extensão dos mares, a interpretação de profecias, ou sabe-se lá que mixórdia de disparates mentais. Quando o infeliz ao mesmo tempo perde de vista os juízos de experiência, é um demente. Porém, caso ele tenha por base muitos juízos de experiência corretos, mas seu sentimento seja de tal maneira excitado pela novidade e quantidade de efeitos apresentados por seu engenho, a ponto de não mais atentar à correção da ligação, origina-se frequentemente uma forte aparência de desvario, que pode subsistir ao lado de um grande gênio, visto que a vagarosa razão torna-se incapaz de acompanhar o engenho rebelde. O estado de perturbação mental, que a torna insensível a sensações externas, é a insânia Unsinnigkeit; esta, se dominada pela ira, é fúria. O desespero é uma forma passageira de insânia de alguém desesperançado. A veemência ruidosa de um perturbado chama-se, em geral, frenesi. O frenético, quando é insano, é um louco. O homem, no estado de natureza, está pouco exposto à insensatez e raramente à estultícia. Suas necessidades o mantêm tão próximo à experiência e proporcionam uma ocupação tão ligeira a seu sadio entendimento, que dificilmente se dá conta de que este seja necessário a suas ações. Seus apetites rudes e comuns obtêm da indolência uma moderação, que confere a pouca faculdade de julgar de que carece poder bastante para reinar com grande vantagem sobre eles. Onde deveria buscar matéria para estultícia, visto que, indiferente ao juízo alheio, não precisa ser nem vaidoso nem arrogante? Como não possui nenhuma representação do valor de bens de que não desfrutou, está imune ao disparate da cobiça avarenta, e, porque o engenho jamais encontra uma via de acesso a sua mente, também se vê precavido contra todo tipo de demência. Do mesmo modo, apenas raramente o distúrbio da mente pode ocorrer nesse estado de simplicidade. Caso o cérebro do selvagem sofresse algum choque, não saberia de onde deveria provir a fantasmagoria capaz de reprimir as sensações ordinárias que o ocupam ininterruptamente. De que delírio pode ser tomado, se jamais possui razões para aventurar-se em seu juízo? Já o desvario com certeza se encontra inteiramente acima de sua capacidade. Se uma doença mental o acomete, ele será parvo ou louco, e também isso deve acontecer muito raramente, pois é, na maioria das vezes, sadio, visto ser livre e poder se movimentar. É no estado civil que se encontram os fermentos para todas essas perversões, que, se não as produzem, servem para mantê-las e fortalecê-las. O entendimento, na medida em que se restringe às necessidades e satisfações simples da vida, é um entendimento são; contudo, quando requerido pela luxúria artificiosa, quer na fruição, quer nas ciências, torna-se um entendimento refinado. O entendimento saudável do cidadão já seria muito refinado diante daquele do homem natural, e conceitos que, em certas condições sociais, pressupõem um entendimento refinado, não convêm àqueles que, ao menos no que toca à compreensão, encontram-se próximos à simplicidade da natureza, geralmente fazendo com que, quando deles se utilizam, tornem-se estultos. Nalgum lugar, o abade Terrasson distingue, entre os que têm a mente perturbada, aqueles que concluem corretamente a partir de representações falsas, daqueles que, a partir de representações corretas, concluem erroneamente. Essa divisão concorda com o presente ensaio. Naqueles do primeiro caso, os fantasiosos ou desatinados, não é propriamente o entendimento que sofre, mas a faculdade de despertar na alma os conceitos, dos quais em seguida a faculdade de julgar se serve para compará-los. A esses doentes, pode-se muito bem contrapor juízos racionais, se não para suprimir seu mal, ao menos para suavizá-lo. Visto, porém, que naqueles da segunda espécie - os delirantes e os desvairados - o entendimento mesmo é afetado, raciocinar com eles não é apenas imprudente (pois, caso pudessem apreender estes fundamentos racionais, não seriam delirantes), mas igualmente nocivo. Isso apenas serviria para oferecer a sua mente corrompida mais matéria para maquinar disparates; a contradição não os corrige, mas, antes, os excita, e é absolutamente indispensável que, em sociedade, se adote em presença deles uma postura indiferente e afável, como se não notássemos que lhes falta algo ao entendimento. Chamei de doenças mentais as fraquezas da faculdade de conhecimento, assim como se chama o desvirtuamento da vontade uma doença do coração. Voltei minha atenção apenas a suas manifestações na mente, sem querer considerar-lhes a raiz, que, a bem dizer, reside no corpo, devendo ter sua sede principal mais nas partes digestivas do que no cérebro, como demonstrou o apreciado semanário, conhecido geralmente como O Médico, nº 150, 151 e 152. De maneira alguma estou convencido de que os distúrbios mentais devam resultar, como em geral se crê, do orgulho, do amor, de reflexões excessivamente fortes e sabe-se lá de que mau uso das forças da alma. Esse juízo, que toma o doente e sua desdita motivo de uma censura algo sarcástica, além de muito duro, é propiciado por um equívoco comum que toma o efeito pela causa. Que se atente o mínimo que seja aos exemplos, e restará fora de dúvida que, em primeiro lugar, é o corpo que sofre; que no início, visto que o germe da doença se desenvolve insensivelmente, é percebida uma dúbia corrupção que ainda não permite supor um distúrbio mental, e que se exprime quer por extravagantes fantasias amorosas, quer por uma postura presunçosa, quer por inúteis e profundas meditações. Com o passar do tempo, irrompe a doença, propiciando apontar sua causa no estado mental que a precedeu. Mas dever-se-ia dizer que tal sujeito tornou-se orgulhoso porque em algum grau já se encontrava perturbado, e não que se perturbou porque era orgulhoso. Esses tristes males, se não são hereditários, permitem esperar uma recuperação bem-sucedida, que depende principalmente da assistência do médico. Mas, por uma questão de honra, não gostaria de excluir o filósofo, que poderia prescrever a dieta para a mente - sob a condição de que, aqui como em suas outras numerosas atividades, não cobre honorários. Como reconhecimento, o médico não negaria tampouco sua assistência ao filósofo, quando, de tempos em tempos, buscasse para a estultícia sua grande (porém inútil) cura. No frenesi de um vociferador instruído, ele consideraria, por exemplo, se não surtiria algum efeito ministrar, em fortes doses, remédios catárticos. Pois, visto que, de acordo com a observação de Swift, um mau poema nada mais é do que uma higiene mental, que permite ao poeta doente aliviar-se de muitos humores nocivos, por que deveria ser diferente com um miserável e quimérico tratado? Nesse caso, contudo, seria aconselhável indicar à natureza outro meio de higiene, a fim de que o mal seja radical e silenciosamente extirpado, sem com isso inquietar a comunidade.