Immanuel Kant - Realidade e Existência – Lições de Metafísica ÍNDICE Introdução A filosofia em geral História da filosofia. Metafísica Prolegômenos Ontologia O possível e o impossível Os juízos sintéticos e analíticos O princípio O princípio de razão suficiente O conceito de essência A existência A unidade, a verdade e a perfeição O necessário e o contingente O mutável e o imutável O real e o negativo O singular e o universal O total e o parcial As grandezas O grau da possibilidade A substância e o acidente A força O estado Que significa agir? O simples e o composto O espaço e o tempo O finito e o infinito A identidade e a diferença A causa e o efeito A matéria e a forma A filosofia transcendental A ideia e o ideal INTRODUÇÃO A filosofia em geral Todos os conhecimentos humanos no seu conjunto são, do ponto de vista da forma, de duas espécies: 1) históricos, os extraídos ex datis, isto é, derivados diretamente da experiência; 2) racionais, os deduzidos ex principiis, de certos princípios. Por sua vez, os conhecimentos racionais são: 1. Filosóficos, conhecimentos por conceitos; e 2. Matemáticos, derivados da construção de conceitos. Pode-se também distinguir os conhecimentos do ponto de vista da sua origem objetiva, isto é, com base nas fontes que se referem à possibilidade do conhecimento, e do ponto de vista da sua origem subjetiva, isto é, com base no modo como o homem pode obter o conhecimento. Em relação à primeira origem, os conhecimentos são ou racionais ou empíricos; em relação à segunda origem, são ou racionais ou históricos. Do ponto de vista do conhecimento em si mesmo, todavia, não importa o modo como se obtém. O sistema do conhecimento racional por conceitos seria, então, a filosofia. Mas primeiramente devemos considerar o conhecimento em si mesmo e, depois, o sistema. Uma vez que tanto os conhecimentos matemáticos como os filosóficos concordam em ser conhecimentos racionais, devemos primeiramente definir os conhecimentos racionais. Os conhecimentos racionais se diferenciam dos históricos: os primeiros são deduzidos ex principiis e os segundos ex datis, como foi dito acima. Os conhecimentos históricos não têm em si o princípio da possibilidade, isto é, são conhecimentos possíveis somente pelo fato que já são dados. Ao passo que os conhecimentos racionais são aqueles cujos princípios se conhecem e se produzem a priori. Isto requer esclarecimento. De fato, o conhecimento pode provir da razão e, apesar disso, ser somente histórico e, portanto, subjetivo; mas o conhecimento filosófico deve ser sempre o conhecimento objetivo. Portanto, pode-se ter conhecimentos de natureza filosófica sem saber filosofar. É por isso que quem pretende se tornar filósofo propriamente dito deve fazer uso livre da própria razão e não usá-la de forma simplesmente repetitiva, imitativa e, por assim dizer, mecânica. Dissemos que os conhecimentos racionais são conhecimentos ex principiis e, portanto, devem ser a priori. Existem duas espécies de conhecimentos a priori mas que apresentam diferenças notáveis entre si: a matemática e a filosofia. Costuma-se dizer que se diferenciam pelo seu objeto, mas isto é falso. A primeira, costuma-se dizer, ocupa-se da quantidade; a segunda, da qualidade. Mas a diferença dessas ciências não diz respeito ao objeto, pois a filosofia aborda tudo o que é conhecível e a matemática, sob certo aspecto, também, pois tudo tem uma grandeza. Também a grandeza é objeto da filosofia, mas somente a maneira como a trata é diversa daquela da matemática. Em que consiste, então, a diferença entre o modo do conhecimento racional próprio da matemática e o modo próprio da filosofia? A sua diferença específica consiste no seguinte: toda filosofia é conhecimento racional por simples conceitos, ao passo que os conhecimentos matemáticos são racionais derivados da construção dos conceitos. Construo conceitos quando os represento em mim na intuição a priori, fora da experiência, ou quando me represento na intuição um objeto que corresponde ao meu conceito. A intuição a priori é aquela que não depende da experiência, mas que cada um pode colher em si mesmo. O matemático não pode nunca valer-se da razão a partir de simples conceitos, como o filósofo não pode nunca usar a sua razão a partir da construção de conceitos. Na matemática usa-se a razão in concreto, mas a intuição não é empírica, pois, ao contrário, faz-se de coisa a priori objeto da intuição. Percebemos, então, que nisto a matemática tem vantagem sobre a filosofia porque, para a primeira, os conhecimentos são intuitivos; e, para a segunda, discursivos. A razão por que na matemática tomamos em consideração as quantidades é que as quantidades podem ser construídas a priori na intuição, ao passo que as qualidades não são representáveis na intuição. No sentido escolástico, a filosofia é, portanto, o sistema dos conhecimentos filosóficos racionais por conceitos, mas no sentido cosmopolítico ela é a ciência dos fins últimos da razão humana. Isso confere à filosofia uma dignidade, isto é, um valor absoluto, e é a única a ter um valor intrínseco e que dá valor às outras ciências. No sentido escolástico, a filosofia tende apenas à habilidade, mas, no sentido cosmopolítico, tende à utilidade. Na primeira acepção, a filosofia é a doutrina da habilidade, mas na segunda acepção é a doutrina da sabedoria. Ela é, portanto, a legisladora da razão. É necessário, entretanto, distinguir o filósofo do técnico da razão. Esta última expressão indica quem estuda as regras do uso de nossa razão, seja qual for o fim; tende somente a um saber especulativo, sem considerar à medida que tal saber concorre ao fim último da razão humana. O verdadeiro filósofo é o filósofo prático. A filosofia é a ideia de sabedoria perfeita, que indique os fins últimos da razão humana. A filosofia em sentido escolástico inclui dois elementos: 1) um conjunto suficiente de conhecimentos racionais; 2) a conexão sistemática deles. Nem todas as ciências permitem a conexão sistemática: de fato, é sistemática somente a conexão de diferentes conhecimentos numa só ideia. A filosofia é a única ciência que possui a conexão sistemática e é a que confere sistematicidade às outras ciências. Nossos conhecimentos históricos são úteis à medida que a nossa razão possa fazer uso deles em função dos próprios fins. Mas os fins, por sua vez, são subordinados de maneira que um fim é meio para outro fim; deve, portanto, haver um fim superior no qual os demais encontrem a sua unidade; os meios não têm valor senão em vista de um fim. O valor do uso da nossa razão não pode ser determinado relativamente a esta ciência senão à medida que estes conhecimentos levem aos fins últimos da razão humana. Se denominamos máxima o princípio interno da escolha entre os diferentes fins, então podemos dizer que a filosofia é a ciência das máximas mais elevadas no uso da nossa razão. Neste caso, o filósofo se caracteriza mais pelas suas atitudes que pelos seus conhecimentos. A filosofia, na noção escolástica, é apenas instrumento de habilidade. Ao passo que o filósofo, no sentido cosmopolítico, é quem possui a máxima do uso da nossa razão para determinados fins. De fato, o filósofo deve poder determinar: 1 - as fontes do saber humano; 2 - a extensão do seu uso possível e útil; 3 - os limites da razão. As perguntas da filosofia em sentido cosmopolítico podem ser as seguintes: 1 - O que posso saber? É isto que a metafísica indica. 2 - O que posso fazer? É o que diz a moral. 3 - O que posso esperar? Isso é ensinado pela religião. 4 - Quem é o homem? Isso a antropologia ensina. Poder-se-ia designar tudo com o termo antropologia, uma vez que as três primeiras perguntas se referem à última. Na concepção escolástica, a filosofia é habilidade, mas aquilo a que esta serve é a filosofia tomada no sentido nobre do termo. A palavra "filósofo" é palavra nobre e significa conhecedor da sabedoria, título ao qual ninguém, na verdade, pode pretender; mas habitualmente denominamos filósofos todos os que se empenham em torno aos conceitos, ainda que não saibam (de maneira desinteressada) para que sirvam. Como se pode aprender a filosofia? Os conhecimentos filosóficos se deduzem das fontes primeiras, isto é, dos próprios princípios da razão, ou se aprendem dos que já praticaram a filosofia. O caminho mais simples é o segundo, porém neste caso não se pode falar propriamente de filosofia. Também supondo que exista uma filosofia verdadeira, se a aprendêssemos não teríamos senão um conhecimento histórico. O verdadeiro filósofo deve saber filosofar, e para fazê-lo não lhe é necessário aprender a filosofia, sob pena de incapacidade, depois, de não saber julgar autonomamente. Crê-se, por exemplo, que tudo o que Platão disse seja verdadeiro porque não se pode questionar o seu ensinamento. Mas também quando alguém consiga aprender uma verdadeira filosofia, não se pode por isso concluir que seja capaz de filosofar. Não existe uma filosofia verdadeira deste tipo. Se aprendemos a filosofar podemos considerar todo sistema filosófico apenas como um episódio da história do uso da nossa razão e como simples objeto do exercício da nossa capacidade crítica. Daqui resulta que alguns fazem uso dialético do seu conhecimento e, assim, conferem aos seus conhecimentos a aparência de sabedoria. Mas este é o papel do sofista. Ao passo que o filósofo deve ter duas qualidades: 1. O cultivo da própria habilidade; é necessário porque a usamos para conseguir todo fim. 2. A facilidade no uso de todo meio em vista de qualquer fim. Ambas as qualidades devem existir em conjunto. Não se poderá jamais tornar-se filósofo sem conhecimentos, mas os conhecimentos sozinhos nunca fazem com que alguém se torne filósofo; deve haver unidade funcional na mencionada habilidade e visão exata da concordância dessa habilidade com os fins mais elevados. Diz-se que Epicuro tenha negligenciado a ciência e se tenha empenhado principalmente na pesquisa da sabedoria por esta única razão. Não procuraremos saber aqui se esta informação tenha fundamento histórico ou não; de qualquer modo, esta afirmação é falsa porque a sabedoria sem a ciência é apenas a sombra de uma perfeição que não atingiremos. Aquele que odeia a ciência e professa amar a sabedoria se chama misólogo. Acabam por entregar-se à misologia também pessoas que haviam iniciado a entregar-se com total dedicação à ciência, com empenho e sucesso; a misologia, neste caso, deriva do fato que o seu saber não os satisfez. A filosofia é a única fonte possível, para nós, de satisfação interior; ela determina uma espécie de círculo conceitual fechado no qual as ciências encontram seu princípio organizador e sua concatenação. Deveremos, pois, examinar o método no uso da razão, mais que os conteúdos a que tenhamos chegado através dele. Antes dos gregos não se pode falar de povos que se tenham empenhado no pensamento filosófico; antes deles tudo se representava por imagens e nada por conceitos. Os gregos foram os primeiros a descobrir que não era possível levar adiante o conhecimento racional deixando-se guiar por imagens sensíveis, mas era necessário recorrer à abstração (in abstracto). Nenhum povo tinha antes indagado o que é a virtude, embora houvesse regras formuladas para viver virtuosamente. A sabedoria egípcia não pode de modo algum comparar-se com a dos gregos. Nos conhecimentos matemáticos ocorre a mesma coisa: os gregos foram os primeiros a demonstrar toda proposição a partir dos elementos (simples); mas também neles isto não remonta a tempos muito antigos e não se pode saber exatamente quando e onde tenha surgido o espírito filosófico. Parece que os trácios tenham sido, no contexto do mundo mais antigo, um povo particularmente perspicaz. Foram eles que nos deram Orfeu. Pode-se fundadamente situar logo após a fundação de Roma o período em que os sete sábios se tornaram famosos na Grécia pelas suas sentenças, sentenças estas que os orientais já conheciam havia longo tempo. Chama-se sentença a expressão que resume muitas considerações em poucas palavras. Dentre os sete sábios, aquele a quem se atribui o conhecimento científico é Tales, cognominado o "físico". É tido como o fundador da escola jônica, à qual pertenceram Anaximandro, Anaxímenes e Anaxágoras. Existem ainda alguns povos, como os chineses e, em parte, os indianos, que discutiram questões como, por exemplo, a da imortalidade da alma, com fundamento só na razão. Porém não fizeram distinção entre o uso da razão in concreto e o seu uso in abstracto. Os persas e os árabes recorrem a Aristóteles e, portanto, aos gregos. Por outro lado, se se lê Zend-Avesta de Zoroastro, não se encontra o mínimo vestígio de filosofia. Deve-se dar atenção especial ao desenvolvimento pelo qual o conhecimento humano passou para elevar-se ao uso especulativo. Entre os gregos havia distinção entre físicos e teólogos. A escola eleata produziu numerosos teólogos, enquanto os epicureus foram os melhores físicos e assim pouco teólogos, de modo que eram considerados praticamente ateus. O primeiro impulso à filosofia veio, sem dúvida, do progresso executado pelo homem quando se elevou, mediante a razão comum, do mundo visível ao seu Autor invisível. Este desenvolvimento é também muito natural, pois a ordem da natureza atesta já um Autor ao qual se acrescenta, além disso, a série imperfeita das causas na própria natureza. O interesse da razão neste contexto é tão grande que fez com que fosse incluída também a matemática entre os conhecimentos especulativos, cujo objeto pareceu digno de todo o empenho que requer e de todas as tentativas ainda que frustradas. Assim, os primeiros filósofos puderam com razão ser considerados teólogos. O fato que alguns outros tenham sido físicos pressupõe a presença de cultura notável, pois nós, ao dedicar-nos à natureza física, não temos o mesmo impulso (que nos move a transcendê-la). De fato, a experiência permanece sempre no mesmo plano. A poesia é mais antiga que a prosa; por isso os primeiros filósofos revestiram tudo de imagens. O primeiro poeta é Orfeu, depois veio Hesíodo. Ferécides será o primeiro a escrever em prosa. Diz-se dele, como também de Heráclito, que foi muito confuso nos seus escritos; mas isto depende do fato que a língua filosófica era totalmente nova naquela época. No que diz respeito aos poetas, é a variedade de imagens e de expressões que se deve admirar. Após a escola jônica seguiu-se a escola eleata, cujo fundador foi Xenófanes. O seu princípio era que nos sentidos não existe senão ilusão e aparência, somente no pensamento reside a verdade. Essa escola tentou se desvencilhar de uma vez por todas dos poetas, que davam a tudo um ornamento sensível. Por outro lado, essa escola não produziu grandes frutos. Entre os pensadores dessa escola, Zenão de Eléia foi de grande inteligência e engenho. Na época o termo dialética significava o uso puro do intelecto ou caracterizava a faculdade de servir-se do intelecto segundo conceitos abstraídos de toda conexão com o sensível. Daí provém os numerosos elogios atribuídos à dialética pelos antigos e, neste sentido, de fato é digna de louvor. Entretanto, os filósofos que rejeitavam totalmente qualquer relação com a sensibilidade tiveram necessariamente de cair nas subtilezas, e assim surgiu a dialética no sentido (depreciativo) que lhe atribuímos; ela se tornou a arte de defender e indiferentemente contradizer qualquer proposição. Essa não é senão a prática dos sofistas, dos advogados e dos retóricos. Antes o nome de sofista era respeitável; dava-se este nome aos que sabiam falar de tudo com razão e inteligência. Mas quando pretenderam discorrer sobre tudo e fizeram disso o seu estudo, desde então este nome se tornou abominável e apareceu o nome de filósofo. A isto acresce o fato que Sócrates, através da sua ironia, levou os sofistas a um beco sem saída e os tornou ridículos. Carnéades, estoico, foi a Roma e ali proferiu discursos, e Cícero disse dele que não atacava nenhuma proposição sem discuti-la e destruí-la, e que não defendia nenhuma sem confirmá-la e demonstrar a sua verdade. Contudo, Catão o Censor, teria dito que, para ele, era impossível encontrar a verdade em seus argumentos. Na época da escola jônica apareceu na Magna Grécia (Nápoles) um homem de rara genialidade, Pitágoras de Samos, que instituiu uma escola e concebeu um projeto sem precedentes. De fato, fundou uma sociedade filosófica secreta; mas uma parte do ensino era exotérico, isto é, destinado ao povo. Havia alguns que se tornavam noviços e faziam votos; a estes o mestre revelava já muitas coisas; e alguns destes eram introduzidos por Pitágoras no círculo dos seus amigos, um círculo particular que formava um grupo à parte. Os primeiros eram chamados acusmáticos, e eram autorizados somente a ouvir; os segundos, acroamáticos, que podiam também fazer perguntas. O veículo mediante o qual Pitágoras transmitia a sua doutrina eram a física e a teologia, doutrinas respectivamente do visível e do invisível. Parece que o seu projeto consistisse em purificar a religião das ilusões populares, mitigar a tirania e introduzir maior justiça na ação do governo. Esta seita foi exterminada por completo pouco antes da sua morte. Nada se pode dizer das suas doutrinas porque não são conhecidas de forma autêntica. Dentre os seus discípulos, os que sobreviveram eram noviços que conheciam poucas coisas. Mais tarde foram atribuídos a Pitágoras numerosos preceitos, mas trata-se de afirmações controversas. Decerto permanece apenas que ele era matemático. Mais tarde apareceu entre os gregos um homem que, entre os especulativos, constitui figura ímpar e orientou os homens para o bem: Sócrates. Foi ele, entre todos, cujo comportamento mais se aproximou do ideal do sábio. Seu discípulo mais notável é Platão, que acentuou a doutrina prática de Sócrates. Por sua vez, teve um discípulo, Aristóteles, que ampliou a filosofia especulativa. Depois vieram os epicureus, que punham todo o bem na alegria do coração, que eles denominavam prazer; e os estoicos, para os quais a felicidade estava na elevação da alma, para cuja obtenção podem ser negligenciados todos os prazeres da vida sensível. O que quer que se pense dos primeiros, estes foram, contudo, os melhores filósofos da natureza entre todas as escolas da Grécia. As mais importantes escolas gregas eram indicadas com nomes particulares: a escola de Platão chamava-se Academia; a de Aristóteles, Liceu; a de Zenão de Cício, o Pórtico; a de Epicuro, o Jardim. O Liceu era lugar onde os jovens se exercitavam na ginástica. Os discípulos dessa escola eram também chamados peripatéticos. O Pórtico era passagem coberta, em grego stoá, de onde os estoicos tomaram o nome. A escola de Epicuro chamava-se hortus, porque ele ensinava num jardim. Entre os primeiros epicureus reinava a maior moderação no gozo de qualquer prazer. À Academia de Platão sucederam outras, fundadas pelos seus discípulos: Speusippus fundou a primeira; Arzesilaus, a segunda; Carnéades, a terceira. Platão expôs grande parte das suas doutrinas em forma de diálogos, isto é, eram expostas as razões pró e contra sem nada decidir, embora ele, por outro lado, fosse muito dogmático. O método de investigação da verdade deve ser dubitativo. O primeiro discípulo de Platão, Speusippus, praticava a dúvida; também Arzesilaus afirmava a sua necessidade; e Carnéades foi ainda mais longe. Por isso, os espíritos dubitativos (Zweifler) são também chamados de acadêmicos; mas em geral são conhecidos como céticos, e por céticos entendem-se filósofos subtis e dialéticos. Pirro, entre estes, foi grande cético. Na escola de Aristóteles não se encontram grandes sucessores, com exceção de Teofrasto e Demétrio de Faléreo, mas não deixaram escritos e, com base nos testemunhos dos antigos, não parece que tenham contribuído para o desenvolvimento da filosofia de Aristóteles. Os estoicos eram dialéticos na filosofia especulativa, práticos na moral e manifestavam grande dignidade em seus princípios. Esta escola começa com Zenão de Cício, a quem sucederam dois homens famosos: Cleantes e Crisipo. A seita epicurista jamais pôde obter a celebridade da escola estoica e as duas escolas eram inimigas entre si. Da escola Jardim pode-se mencionar apenas o testemunho do poeta romano Lucrécio ao qual, porém, não se pode dar total credibilidade. A Academia acabou no ceticismo que se inicia com Pirro e há toda uma escola de céticos (Zweifler) que se distinguem dos dogmáticos. Os dogmáticos afirmavam que se pode, com segurança, atingir a certeza simplesmente com o intelecto, ao passo que os céticos diziam que quando o intelecto deduz de si mesmo as próprias argumentações, não se tem nada senão pura aparência. Depois, eles foram mais longe, não se contentando apenas em afirmar que os juízos gerais do intelecto, separados da experiência, não são mais que aparências, mas diziam também que toda experiência é aparência. Destes céticos não resta senão a obra de Sexto Empírico, que fez uma coleção de todo tipo de dúvida. Quando a filosofia passou dos gregos aos romanos, não passou por nenhum desenvolvimento, porque os romanos não foram além de discípulos. Cícero, na filosofia, foi discípulo de Platão; na moral, estoico. Entre os romanos não se encontram naturalistas, com exceção de Plínio, o velho, que nos legou uma descrição da natureza. Entre os romanos pertencem aos estoicos: Epiteto e o filósofo Antoninor. Finalmente, a cultura foi se extinguindo entre os romanos e sobreveio a barbárie até que os árabes, que haviam parcialmente invadido o Império Romano, começaram no fim do século VII a dedicar-se à ciência e a repor Aristóteles numa posição de destaque. Quando as ciências ressurgiram no Ocidente, seguiu-se servilmente a Aristóteles. Nos séculos XI e XII destacam-se os escolásticos, que explicaram o pensamento de Aristóteles e desenvolveram ao infinito as suas subtilezas. Esta balbúrdia foi varrida pela Reforma, para dar lugar aos ecléticos, isto é, aos que não aderiam a nenhuma escola mas procuravam a verdade onde a encontravam. O progresso da filosofia na nossa época deriva do fato que um estudo mais aprofundado da natureza foi se firmando e se associou à matemática esse estudo. A organização do pensamento que daí resultou estendeu-se assim às outras partes da filosofia. O maior naturalista foi Bacon de Verulan, que chamou a atenção dos homens para as observações e experimentos. Também Descartes contribuiu amplamente para a clareza na argumentação. É difícil determinar de onde procede (hoje) o desenvolvimento do pensamento especulativo. Leibniz e Locke podem ser enumerados entre os que o aperfeiçoaram. O dogmatismo filosófico que era característico de Leibniz e de Wolff é muito imperfeito e de tal modo enganoso, que se torna necessário abandonar tal método. Em compensação, outro método que se poderia seguir seria a Crítica ou o método que submete a razão ao exame e ao juízo. Locke analisou o intelecto humano e mostrou que faculdades correspondem a um ou a outro conhecimento, mas não levou a cabo sua obra. Seu método é dogmático, mas ajudou-nos a compreender a necessidade de estudar a alma com maior profundidade. Atualmente, a filosofia da natureza (cujo desenvolvimento segue o fio condutor da própria natureza) está no auge. Mas na moral não avançamos mais que os antigos. No que diz respeito à metafísica, tem-se a impressão que a investigação da verdade esteja proibida; assiste-se a uma espécie de indiferentismo que se compraz em falar com desprezo das abstrações filosóficas, ainda que a metafísica seja a filosofia propriamente dita. O nosso tempo é o tempo da Crítica e se deve perceber a quais resultados levarão estas investigações críticas. Na verdade, não se pode dar um nome à filosofia atual, porque tudo flui, por assim dizer, ao sabor do vento: o que um constrói, o outro destrói. METAFÍSICA Prolegômenos Tanto a filosofia como a matemática podem ser divididas em duas partes, isto é, a parte pura e a aplicada. A metafísica é o sistema da filosofia pura; a palavra metafísica indica uma ciência que ultrapassa os limites da natureza (a natureza é o conjunto de todos os objetos da experiência). Um princípio é uma regra geral que, por sua vez, contém regras subordinadas. Quando reunimos conjuntamente todos os conceitos puros, isto é, aqueles que são totalmente separados dos conceitos empíricos, temos uma ciência. O conhecimento filosófico consiste no conjunto dos conceitos puros a priori. A física é a filosofia da natureza enquanto depende de princípios derivados da experiência; já a metafísica é a filosofia da natureza enquanto depende de princípios a priori. A moral ensina-nos os princípios práticos da razão. Os conceitos sobre os quais tudo parece apoiar-se constituem o conceito de um Ser supremo e o de outro mundo. A metafísica é necessária. A sua base é a razão que é absolutamente incapaz de satisfazer-se com conceitos empíricos. A razão não encontra satisfação nem na consideração dos objetos nem no campo da experiência, isto é, no mundo sensível. Os conceitos de Deus e da imortalidade da alma são os dois grandes motores que impeliram a razão a ir além do âmbito da experiência. Há uma pergunta de importância capital: Como são possíveis os conhecimentos a priori? Toda a matemática pura, no seu conjunto, é ciência que compreende simples conceitos a priori, sem fazê-los apoiarem-se em conceitos empíricos. Já é, portanto, provado que existem realmente conhecimentos a priori; efetivamente, existe toda uma ciência constituída de puros conceitos simples do intelecto. Mas resta saber como sejam possíveis os conhecimentos a priori. A ciência apta a responder a esta pergunta chama-se Crítica da razão pura. A filosofia transcendental é o sistema de todos os nossos conhecimentos puros a priori. Habitualmente ela é denominada ontologia. A ontologia trata, portanto, das coisas em geral e as abstrai de toda particularidade. Ela reúne todos os conceitos puros do intelecto e todos os princípios do próprio intelecto e da razão. As principais ciências que pertencem à metafísica são: ontologia, cosmologia e teologia. Toda ciência que tenha por objeto a natureza denomina-se fisiologia. A ciência dos objetos corpóreos chama-se física e a ciência metafísica da alma chama-se psicologia. Ambas constituem a fisiologia. A física pode ser empírica ou racional. Esta última pode também ser denominada geral. Igualmente a psicologia é empírica ou racional. A física empírica (physica empirica) e a psicologia empírica (psychologia empirica) na realidade não pertencem de modo algum à metafísica. Mas frequentemente põe-se a psicologia na metafísica porque não se sabe o que seja propriamente a metafísica. Deve-se, portanto, incluir a psicologia na metafísica porque, de fato, não pode ser exposta separadamente. A ontologia é a ciência elementar pura de todos os nossos conhecimentos a priori, isto é, compreende o conjunto de todos os conceitos puros que podemos ter das coisas a priori. A cosmologia é o exame do mundo por parte da razão pura, e o mundo é tanto o mundo corporal quanto o mundo das almas. A cosmologia divide-se, portanto, em duas partes. A primeira poderia ser chamada de ciência da natureza corpórea; e a segunda, ciência da natureza pensante. Consequentemente, existe uma doutrina dos corpos e uma doutrina das almas. A física racional e a psicologia racional são as duas partes principais da cosmologia metafísica geral. A última ciência metafísica fundamental é a teologia racional. ONTOLOGIA A ontologia é a primeira parte da filosofia que pertence claramente à metafísica. A própria palavra vem do grego e significa precisamente ciência dos entes, ou melhor, conforme o sentido literal da palavra, doutrina geral dos seres. A ontologia é a doutrina elementar de todos os conceitos que meu intelecto não pode ter senão a Priori. O possível e o impossível A primeira e a mais importante questão da ontologia é saber como sejam possíveis conhecimentos a priori. É necessário começar por resolver essa questão, pois toda a ontologia fundamenta-se na solução dessa questão. Aristóteles buscou a solução rejeitando todo conhecimento a priori e afirmando que todos os conhecimentos são empíricos ou se fundam nos primeiros princípios da experiência. De fato, o seu princípio fundamental era: nihil est in intellectu, quod non antea fuerit in sensu (nada existe no intelecto que não tenha antes estado nos sentidos). Dessa maneira, ele priva de validade todo conhecimento a priori. Platão, ao contrário, afirmava que todo conhecimento é a priori, porquanto todo conhecimento provém de uma intuição original. Não possuímos conceitos inatos (notiones connatae), mas os recebemos todos de fora, isto é, todo conceito nosso é adquirido (notiones acquisitae). a intelecto adquire os conceitos quando reflete sobre sua atividade própria. Tudo o que se pode dizer a este respeito é que existem certos conhecimentos a priori, ainda que pareça que sejam extraídos da experiência ou utilizados além dos limites da própria experiência. Na nossa razão existe certa dialética que poderia se chamar arte da aparência, isto é, a capacidade de demonstrar uma afirmação como verdadeira e, ao mesmo tempo, como falsa. Um bom dialético deveria ser capaz, às vezes, de sustentar uma tese e, com a mesma facilidade, o seu contrário; ou provar simultaneamente a verdade e a falsidade de uma coisa; ou ainda, indiferentemente, afirmá-la ou negá-la. A dialética contém uma contradição interna que demonstra a impossibilidade de poder levar a cabo o discurso metafísico de modo dogmático. Impossibile est simul esse ac non esse (é impossível ser e não ser simultaneamente). Simul significa ao mesmo tempo, mas o tempo não foi ainda definido. Portanto, preferimos dizer: nulli subiecto competit praedicatum ipsi oppositum (a nenhum sujeito compete um predicado que lhe seja oposto). O nihil negativum (nada negativo) é aquilo que é de todo impossível pensar. O conceito supremo de todo conhecimento humano é o conceito de um objeto em geral, não o conceito do ente e do não ente, nem o conceito do possível e do impossível, pois são contrários. Todo conceito que pode ter um contrário requer sempre um conceito mais elevado que contenha aquela oposição. Na realidade, dois contrários são divisões de um objeto superior. O conceito de possível e de impossível ou o de ente ou de não ente não podem, portanto, de maneira alguma constituir um conceito supremo do conhecimento humano. O princípio de contradição não constitui de modo algum a definição de impossível. É impossível aquilo que se contradiz. É apoditicamente certo aquilo cujo contrário não é pensável. Um juízo apodítico negativo necessário constitui a impossibilidade. Impossibile est illud, quod sibi ipsi contradicit (impossível é aquilo que se contradiz a si mesmo). Toda definição pode-se também inverter. Toda definição pode ser considerada idêntica àquilo que ela define e, quando não seja possível este intercâmbio, isto é sinal certo que não se trata de definição. O que contradiz a si mesmo é impossível. Segue-se daí, então, que aquilo que não contém alguma contradição não é impossível e o que não é impossível é possível. Portanto, quando os meus raciocínios não contêm uma contradição, isto significa que são possíveis. Aquilo sobre o qual o pensamento se contradiz a si mesmo é absolutamente impossível e constitui um nihil negativum. A realidade é alguma coisa; a negação não é nada, isto é, é o conceito da falta de um objeto. O ens imaginarium (ente imaginário) é não ente, mas é possível pensá-lo. Tal ser não é nada e não pode ser objeto de nossa intuição. Não podemos, portanto, confundir a possibilidade dos pensamentos como possibilidade de objetos; deve-se ter cuidado para evitar essa confusão. O princípio de contradição é critério de verdade ao qual não se pode opor conhecimento algum. O criterium veritatis (critério da verdade) é o sinal distintivo da verdade. O princípio de contradição é o supremo critério negativo da verdade. É conditio sine qua non de todo conhecimento, mas não é critério suficiente de toda verdade. Os juízos sintéticos e analíticos Um juízo é falso quando contém uma contradição, mas não se diz que um juízo que não se contradiz seja verdadeiro. Todos os juízos analíticos devem ser derivados do princípio de contradição. O nada (nihil) é aquilo que se contradiz por si mesmo e cujo próprio conceito é impossível: isto indica-se com o nome nihil negativum. O ens imaginarium é pura quimera e, contudo, é possível pensá-lo. O que não se contradiz é logicamente possível; de onde se segue que um conceito é possível mesmo que não corresponda a algo real. Existem, portanto, conceitos dos quais se pode dizer que não têm uma realidade objetiva. Alguma coisa significa cada objeto de pensamento e se trata de algo lógico. O conceito de um objeto em geral equivale ao conceito supremo de todo conhecimento. A expressão alguma coisa refere-se, portanto, sempre a um objeto, mas nem por isso se trata de objeto metafísico, mas de algo lógico. O princípio de contradição significa que nulli subjecto competit praedicatum ipsi oppositum (a nenhum sujeito compete um predicado que lhe seja oposto). A este princípio está subordinado ou coordenado o princípio de identidade, que afirma que omni subiecto competit praedicatum ipsi identicum (a todo sujeito compete um predicado que lhe seja idêntico). A contradição pode ser explícita (patens) ou implícita ilatens); também a identidade é explícita ou implícita, patens ou latens. Deve-se evitar a identidade explícita. Ninguém cai na contradição manifesta, porque a contradição é claramente explícita. O principium ou princípio de identidade aplica-se às proposições afirmativas do mesmo modo que o princípio de contradição se aplica às proposições negativas. No fundo podem-se considerar esses dois princípios como um só porque, posto o primeiro, segue-se imediatamente o segundo. O princípio de identidade já está contido no de contradição. O princípio do terceiro excluído entre dois contraditórios está igualmente contido no princípio de contradição. Isto enuncia-se nestes termos: cuilibet subiecto competit praedicatorum contradictorie oppositorum alterutrum (a qualquer sujeito compete um ou outro de dois predicados opostos de maneira contraditória). A contradição pode ser aparente ou verdadeira. Com frequência parece que nossos conceitos contenham uma contradição que na realidade não existe, como, por exemplo, quando se diz: apressar-se lentamente. Parece que aí existe uma contradição que não há, porque a expressão quer significar simplesmente: apressar-se de maneira que não seja excessiva, ao ponto de ultrapassar o objetivo fixado. Em tudo existem duas espécies de juízos: analíticos ou sintéticos. Um juízo analítico é aquele no qual nada se indica no sujeito que já não esteja contido no seu conceito e que se pode explicar através da análise. Um juízo sintético é aquele no qual uno ao sujeito um predicado que acrescento ao conceito, sem explicá-lo através da análise. Por exemplo, quando digo: o ouro é metal amarelo, trata-se de juízo analítico. Mas quando digo: o ouro não enferruja, trata-se de juízo sintético. Os juízos analíticos são simples juízos explicativos, mas os juízos sintéticos são juízos extensivos. A utilidade dos juízos analíticos está no fato de eles esclarecerem o objeto do qual se fala, são de grande importância e a filosofia está repleta deles. A moral compõe-se quase que totalmente de puros juízos analíticos. Como são possíveis juízos analíticos a priori? Todos os juízos analíticos são juízos a priori, porque o predicado é deduzido do próprio conceito do sujeito. Todos os juízos analíticos derivam do princípio de contradição. Mas o juízo sintético não se funda de modo algum no princípio de contradição. Os juízos sintéticos podem ser subdivididos da seguinte maneira: 1. Juízos a posteriori ou juízos de experiência, e 2. Juízos a priori. Toda a nossa experiência consiste em puros juízos sintéticos. Os nossos juízos de experiência são, portanto, todos sintéticos. Trata-se, então, de saber como sejam possíveis juízos sintéticos a posteriori. Estes se produzem graças à ligação de intuições empíricas, isto é, quando se acrescentam continuamente percepções a percepções. Mas que existem juízos sintéticos a priori pode-se constatar por grande número de exemplos. Todas as matemáticas o comprovam; a aritmética e a geometria contêm quase que exclusivamente puros juízos sintéticos a priori. Mas a questão surge quando nos perguntamos se existem juízos sintéticos a priori também na filosofia. Neste campo existem juízos sintéticos a priori por conceitos, ao passo que nas ciências matemáticas existem pela construção de conceitos. Toda a filosofia é repleta de juízos analíticos, porque tudo deve ser submetido à análise. Mas como podemos saber se os juízos são a posteriori ou a priori? Tudo o que acontece tem uma razão suficiente ou uma causa. Uma causa é algo diverso daquilo que deveria acontecer segundo uma regra constante. A substância perdura, somente a forma é que muda. Enquanto não se tenham conhecimentos analíticos, não vale a pena pensar em conhecimentos sintéticos. Um único caminho está aberto para mostrar como se pode conhecer alguma coisa sinteticamente sem a análise, isto é, como seja possível a síntese sem a análise, e é simplesmente o caminho da experiência. Mas quando posso descobrir alguma coisa mediante a análise já não tenho necessidade da experiência. Todas as experiências não são outra coisa senão juízos sintéticos. Não é a experiência que torna possíveis conhecimentos a priori mas, ao contrário, é mediante os conhecimentos a priori que a experiência é possível. Se não houvesse conhecimentos a priori, neste caso já não haveria experiência, porque esta se funda simplesmente em conhecimentos a priori. Em todo conhecimento que adquiro existem duas espécies de elementos: 1. Os conceitos; 2. As intuições. Todo conhecimento pressupõe um conceito e os conceitos, por sua vez, requerem as intuições. Podem-se utilizar os conceitos em concreto ou em abstrato. Se quero ter conceitos devo ter também intuições. A intuição é a representação imediata de um objeto particular, ao passo que o conceito é a sua representação mediata. Se temos conhecimentos a priori, então é necessário ter antes conceitos a priori e subsequentemente também intuições a priori, às quais os conceitos possam ser aplicados. A intuição é, portanto, a representação particular de um objeto. As intuições a priori são o espaço e o tempo. Um conceito a priori é a união do múltiplo dos conceitos puros do intelecto numa única consciência. A lógica fala somente de leis formais dos conceitos do intelecto. O espaço e o tempo são intuições a priori; de fato, existe muito que dizer sobre espaço e tempo antes da experiência. Além disso, existem conceitos a priori, pois se não existissem já não seria possível uma metafísica. Podemos determinar esses conceitos que o intelecto usa a priori com base num único princípio, com a finalidade de saber: 1. Qual seja a sua origem; 2. Qual seja o seu número. Graças aos conceitos a priori podemos tratar a metafísica como um sistema. Devemos ver sobre o que se fundam os conceitos a priori e de onde provêm. Todo o caráter formal do intelecto é tratado com detalhes pela lógica. Denominaremos os conceitos puros do intelecto, segundo a terminologia de Aristóteles, categorias. Todos os conceitos a priori têm a sua origem no caráter formal do uso do intelecto. Todos os juízos podem ser classificados da seguinte maneira: 1 - Segundo a quantidade, 2 - Segundo a qualidade, 3 - Segundo a relação, 4 - Segundo a modalidade. 1. Segundo a quantidade, os juízos podem ser universais, particulares e singulares; 2. Segundo a qualidade, são afirmativos, negativos, infinitos. Estes últimos são, em termos de conteúdo, da mesma espécie que os juízos negativos, mas são distintos dele em nível de forma lógica; 3. Segundo a relação, existem juízos categóricos, hipotéticos e disjuntivos; 4. Segundo a modalidade, estes são problemáticos, assertivos e apodíticos. A estes juízos correspondem os conceitos do intelecto. 1. Aos juízos segundo a quantidade correspondem os conceitos de unidade, pluralidade e totalidade (unitas, multitudo e totalitas). 2. Aos juízos segundo a qualidade correspondem os conceitos de realidade, negação e limitação (realitas, nega tio, limitatio). Esta última indica um defeito da realidade que é limitada. 3. Aos juízos segundo a relação, substância e acidente correspondem os juízos categóricos; causa e efeito (causa e causatum) correspondem aos juízos hipotéticos, e composto e partes (compositum e partes) aos juízos disjuntivos. Pode-se dar-lhes um nome: inerência, causalidade e relação recíproca. 4. Aos juízos segundo a modalidade correspondem os conceitos de possibilidade, de realidade e de necessidade. Não existem conceitos puros do intelecto que não estejam compreendidos entre estes. A modalidade é algo de particular: considera-se aí simplesmente a maneira como se propõe algo como problemático ou como possível, como assertivo ou como real, como apodítico ou como necessário. Uma representação que não se relaciona ao objeto, mas só ao sujeito, chama-se sensação. Através de sensações apenas não podemos conhecer coisa alguma. As intuições sem os conceitos e, inversamente, os conceitos sem as intuições, não proporcionam conhecimento algum. Devemos ter ao mesmo tempo intuições e conceitos a priori, pois sem eles não há conhecimento possível. A sensação torna empíricas as intuições. As intuições a priori podem ser denominadas intuições puras, e são aquelas nas quais não existe sensação alguma. As intuições a posteriori, ou intuições empíricas, são aquelas que estão ligadas às sensações. Denominamos dedução a argumentação que torna explícita a possibilidade dos conceitos puros do intelecto. A dedução é propriamente a resposta à pergunta: quid juris? A dedução dos conceitos puros do intelecto é prova da validade de tais conceitos. O princípio Os conceitos de princípio (Grund) e de consequência (Folge) pertencem à lógica e não à metafísica, mas são os seus pressupostos. Com referência a estes, podemos inserir aqui o seu estudo. O princípio lógico é a relação entre conhecimentos, a qual fornece o modo de conexão entre um conhecimento e outro. Em metafísica, o princípio remete ao conceito de causalidade. O termo categoria vem de Aristóteles, que enumera dez categorias: 1. A substância e o acidente (substantia e accidens), que constituem uma única categoria; 2. A qualidade (qualitas); 3. A quantidade (quantitas); 4. A relação irelatio); 5. A ação (actio); 6. A paixão (passio); 7. O tempo (quando); 8. O lugar (ubi); 9. A situação (situs); 10. A disposição (habitus). A ação e a paixão não são categorias propriamente ditas, mas predicáveis que pertencem à relação. Os conceitos de tempo, lugar e situação pertencem aos conceitos de espaço e de tempo, mas não há necessidade de enumerar o espaço e o tempo nas categorias. O habitus pertence à possibilidade, mas a possibilidade, a realidade e a necessidade não se encontram entre as categorias de Aristóteles. Percebe-se, portanto, facilmente que as categorias de Aristóteles por um lado não são suficientes e, por outro lado, não são adequadamente distintas. Procuraremos dar com precisão uma definição exata de princípio, porque é realmente necessária. O princípio é aquilo por força do qual é posto algo diverso. O conceito de princípio é conceito da relação. A consequência (rationatum) é quod non ponitur nisi posito alio (aquilo que é posto somente quando é posta alguma outra coisa). O princípio é aquilo do qual uma coisa procede de maneira totalmente necessária ou, ainda, o princípio é aquilo do qual alguma coisa procede segundo as regras universais, o que, no fundo, é a mesma coisa. Quando é posta uma consequência, necessariamente deve seguir-se um princípio, mas o princípio não é, por sua vez, determinado pela consequência. Mas quando ponho o princípio, deve necessariamente seguir-se uma consequência. Ratio est id, quo posito determinate ponitur aliud (o princípio é aquilo que, quando posto de maneira determinada, põe-se outra coisa). Mas existem casos em que, posta uma coisa, segue-se outra mas sem que uma seja princípio da outra. Por exemplo, a cegonha chega e logo faz bom tempo. O simples fato de acontecer alguma coisa não Justifica a conjectura que, por combinação, se siga outra. A cegonha poderia ter vindo pelo correio. O que se considera como consequência chama-se dependente. É dependente aquilo que contém consequências de outra coisa; um homem, por exemplo, pode ser dependente de outro. É independente aquilo que não contém nada que seja consequência de outra coisa. Somente Deus pode ser independente. O nexus, ou ligação entre princípio e consequência, pode ser de dois tipos: o nexo da subordinação e o nexo da coordenação. Todo nexo é relação. Mas o respectus (relação) também é de dois tipos: a ligação e a oposição. Ambas incluem um princípio, um princípio de posição e um princípio de supressão, uma relação que põe e uma relação que tira. Ambas requerem um princípio. Há duas espécies de princípio: um princípio lógico e um princípio real (Real-Grund). O princípio lógico é aquilo por força do qual alguma coisa pode ser posta ou tirada em função do princípio de identidade. O princípio real é aquilo por força do qual alguma coisa pode ser posta ou tirada em função do princípio de causalidade. O primeiro é analítico, o segundo é sintético. O acordo (consensus) é apenas um nexo negativo. O nexo lógico pode certamente ser compreendido também seguindo o princípio de contradição, mas muito mais clara e facilmente seguindo o princípio de identidade. O princípio lógico enuncia-se da seguinte maneira: quo posito ponitur aliud secundum principium identitatis (aquilo que, quando é posto, põe-se alguma outra coisa segundo o princípio de identidade). Eu extraio um conceito de outro conceito com base na dedução que resulta da análise. A consequência, portanto, reside no princípio e é, em si mesma, da mesma natureza do princípio implicitamente, mas não explicitamente. A diferença não é, pois, real, mas somente formal. Um princípio real é aquele cuja consequência é uma consequência real; por exemplo, a minha vontade é um princípio real do movimento do meu pé. Entre dois termos logicamente opostos, naturalmente não existe terceiro (tertium non datur); mas entre dois termos realmente opostos há terceiro (tertium datur). O conceito de princípio real é conceito sintético. Aquilo que contém o princípio real de alguma coisa chama-se causa. Não posso compreender o conceito de princípio real a partir da experiência, pois ele contém uma necessidade. É aqui que a questão sobre a possibilidade dos juízos sintéticos a priori encontra a sua melhor resposta. Todos os conhecimentos consistem num juízo, o que vale dizer que devo sempre relacionar uma representação, em quanto predicado, a um sujeito. No que diz respeito aos conceitos que procedem dos sentidos, é indiferente a forma como eu julgo. Mas se as representações devem referir-se a um objeto, a forma como eu julgo já não é indiferente, porque aquelas representações são determinadas pelo objeto em si mesmo. As representações, quando não são referidas a um objeto, são apenas predicados para possíveis juízos; mas quando se referem a um objeto, devo dar-lhes forma de juízo segundo a qual eu as refiro ao objeto. O conhecimento, então, é conhecimento empírico, em outras palavras, relação de representações a um objeto; esse conhecimento não é, pois, possível senão mediante juízos, isto é, a sua forma deve ser determinada. Ora, os conceitos que determinam, relativamente a todo objeto, a forma dos juízos que se lhe aplicam são puros conceitos do intelecto, ou categorias, as quais são, portanto, os princípios da possibilidade de toda experiência. Estes constituem aquilo que determina a forma dos juízos a priori para todos os objetos. O nexo entre princípio e consequência é a representação da ligação entre dois fenômenos, uma vez que esta é pensada com base em regras universais. Todo movimento deve ter uma causa. A experiência não é outra coisa senão o conhecimento do objeto mediante as representações sensíveis. A forma dos juízos mostra como as representações podem estar ligadas na consciência. Através dos sentidos não podemos conhecer senão as propriedades ou os predicados do objeto, o objeto como tal se situa no intelecto. Uma coisa pode ser considerada como internamente possível ou como externamente possível. A possibilidade interna denomina-se possibilidade absoluta, e a possibilidade externa, possibilidade hipotética. Esta última expressão é muito ambígua. Toda condição é limitativa e não tem validade universal; mas aqui a possibilidade não é considerada como limitada, mas como ampliada. Aquilo que é possível não somente in thesi, mas também in hypothesi, é possível não somente interna mas também externamente. A possibilidade condicionada é, portanto, um grau menor de possibilidade, mas deve ser extensiva. É absolutamente possível o que é possível de todo ponto de vista; é hipoteticamente possível o que é possível sob determinadas condições (sub conditione restrictiua), O que é impossível em si mesmo, é impossível sob qualquer condição (sub nulla hypothesi). O princípio de razão suficiente Nos manuais de metafísica, o principium rationis sufficientis- princípio de razão suficiente - enuncia-se da seguinte maneira: nihil est sine ratione (nada existe sem razão). Leibniz pensava que, se tal princípio fosse mais bem esclarecido, poder-se-ia fazer uso melhor dele. Mas Wolff utilizou esse princípio sem restrição alguma: tudo o que existe tem uma razão, portanto tudo o que existe deve ser consequência. Para perceber logo a falsidade dessa proposição universal basta expressá-la em outras palavras: quidquid est, est rationatum (tudo o que existe é consequência). Compreende-se logo que essa proposição não se sustenta. Todas as coisas seriam, pois, consequências? Mas de onde procedem? A impossibilidade de tal proposição salta logo aos olhos. Percebe-se isto claramente quando se diz: se alguma coisa existe sem ter uma razão, então de fato tal coisa não existe. Nesse caso, confunde-se o nada lógico com o nada transcendental. Eu não posso, pois, dizer que todas as coisas são consequências, mas utilizarei a proposição com determinada restrição. A relação da consequência com o princípio é relação de subordinação, e as coisas que se encontram em tal relação constituem uma série. Portanto, esta relação do princípio com a consequência é princípio da série, e não vale senão para o contingente. Todo contingente tem um princípio e é contingente aquilo cujo contrário é possível. O princípio de razão suficiente enuncia-se da seguinte maneira: tudo o que acontece tem um princípio. O princípio de razão suficiente não se aplica aos conceitos gerais mas, antes, ao sentido. Não houve ainda filósofo que tenha podido demonstrar o princípio de razão suficiente. A prova desse princípio é, por assim dizer, a cruz dos filósofos. Não é possível demonstrá-lo analiticamente, porque a proposição "quando alguma coisa acontece, deve haver uma razão pela qual tal coisa acontece" é proposição sintética. Ela não pode ser deduzida de conceitos simples, pois é possível a priori por força da relação dos conceitos com uma experiência possível. O princípio de razão suficiente é princípio no qual se apoia a experiência possível; o princípio é aquilo do qual, tendo sido posta uma coisa, segue-se outra coisa seguindo regras universais. A experiência é possível a priori somente por força de conceitos do intelecto. Todo juízo sintético nunca funda sua própria validade em coisas em si, mas somente na experiência. Toda experiência é síntese, isto é, conhecimento sintético de coisas, o qual tem validade objetiva. O princípio da necessidade empírica da conexão de todas as representações da experiência é conhecimento sintético a priori. A diferença entre a razão suficiente e a razão insuficiente é a seguinte: a razão que contém tudo o que se encontra na consequência chama-se razão suficiente, mas a razão que contém só uma parte daquilo que se encontra na consequência é a razão insuficiente. As razões se dividem em mediatas e imediatas. A razão mediata é a razão de uma razão, mas a razão imediata é razão sem razão intermediária. Pode-se indicar alguma coisa com o nome de razão suprema (ratio prima), e esta pode ser relativa (secundum quid) ou absoluta (simpliciter). A razão independente é a razão que não depende de nenhuma outra. As razões podem também ser consideradas como coordenadas. Quando se põe a razão, também a consequência é posta; mas não se pode dizer o inverso, isto é, que quando seja posta uma consequência, é dada também a razão dela. Alguma coisa (aliquid) no sentido lógico é o objeto de pensamento, e este é o conceito supremo. Um conceito não pode conter dois opostos. Determinar não é outra coisa que estabelecer apenas um entre dois termos opostos. Os objetos que obtemos através dos conceitos não são determinados. Todo conceito se diz determinável se for universal. Determinar completamente (omni modo) toda coisa é impossível, pois seria necessário conhecer todos os predicados de todas as coisas, e isto ninguém pode a não ser que seja onisciente. O princípio é determinante. Não denominamos determinações os predicados analíticos mas os predicados sintéticos. O que distingue as determinações é que elas podem ser afirmativas ou negativas. Isto pertence à qualidade dos juízos. O fato de eu utilizar os predicados afirmativos ou negativos, em lógica é a mesma coisa; de fato, a lógica considera somente a forma dos juízos. A realidade e a negação são categorias, isto é, puros conceitos do intelecto. A diferença entre a realidade e a negação consiste em que na realidade o conceito contém em si um ser, enquanto na negação o conceito contém em si um não ser (Nicht-sein). É fácil distingui-los, mas às vezes surgem dificuldades, e isto se refere às coisas intelectuais. O erro não é negação; de fato, existe terceiro termo que não é intermédio entre os dois mas ligado a eles: é a limitação. Toda determinação é determinação interna ou relação, relação a outros. O conceito de essência O conceito de essência pertence de per si à lógica. A essência pode ser essência lógica e essência real. A essência lógica é o primeiro princípio de todos os predicados lógicos de uma coisa; a essência real é o primeiro princípio de toda determinação de uma coisa. De fato, a essência pode ser lógica ou real. Dá-se uma essência lógica mediante a análise de um conceito. O primeiro princípio de todos os predicados reside, portanto, no conceito, mas isto não é ainda essência real. Por exemplo, o fato de os corpos se atraírem pertence à essência das coisas, embora isto não esteja contido no conceito de corpo. Isto ocorre porque a essência lógica é o primeiro princípio interno de tudo o que está contido no conceito, enquanto a essência real é o primeiro princípio interno de tudo o que é inerente à própria coisa. Quando se tem a essência lógica não se tem ainda a essência real. Em metafísica, a essência não pode jamais ser entendida como essência lógica, pois esta se põe no plano da lógica. A essência lógica se descobre mediante os princípios da análise, enquanto a essência real por meio dos princípios da síntese. Os predicados que pertencem à essência chamam-se atributos, mas somente como consequência da própria essência; ao contrário, os predicados que por princípio pertencem à essência são chamados essenciais. Os atributos e os essenciais pertencem à essência, enquanto os modos e as relações são extra-essenciais e não pertencem à essência. Os modos são extra-essenciais externos. Certos predicados competem ao conceito da coisa enquanto são um seu princípio interno, outros somente enquanto consequências de dado conceito. Os primeiros são essenciais, os segundos são atributos. O complexus essentialium (conjunto dos essenciais) é a essência (essentia). A essência real não é a essência de um conceito, mas de uma coisa. Por exemplo, o predicado da impenetrabilidade é próprio da existência dos corpos. Ora, eu observo na experiência grande parte daquilo que pertence à existência como, por exemplo, a extensão no espaço, a resistência a outros corpos etc. O princípio interno de tudo isto é a própria natureza da coisa. Não podemos chegar ao princípio interno senão a partir das propriedades que nos são conhecidas, por isso, a essência real da coisa nos é inacessível, ainda que conheçamos dessa coisa grande número de elementos essenciais. Ao contrário, aprendemos progressivamente, pela experiência, as forças que operam nas coisas. Se as propriedades de uma coisa pertencem unicamente a esta, elas são próprias; mas são comuns se pertencem a mais coisas. Um atributo próprio deve derivar de todos os essenciais; ao passo que uma propriedade comum deriva de alguns ou de um só essencial. A existência Embora o conceito de existência seja simples, é contudo um tanto difícil, pois o aplicamos a conceitos que transcendem toda experiência e, portanto, não admitem alguma exemplificação, como no caso do conceito de Deus. Pertence à classe da modalidade, isto é, à possibilidade de julgar em geral. A diferença entre juízo problemático e juízo assertivo consiste no fato que no caso do juízo problemático eu penso algo a propósito de um objeto, ou que no meu pensamento eu acrescento um predicado ao sujeito; no outro caso, isto é, no juízo assertivo, acrescento um predicado ao objeto que está fora de mim e, portanto, não contido no meu pensamento. É assim, precisamente, que se distinguem as categorias da possibilidade e da realidade. A realidade não acrescenta ao sujeito nada que já não esteja no âmbito da possibilidade; a realidade com todos os seus predicados não se pode pôr senão de maneira absoluta, mas na possibilidade esses predicados são postos no pensamento apenas relativamente. A primeira é posição absoluta, a segunda é posição relativa. Reconhecemos a possibilidade lógica através do princípio de contradição. De fato, tudo o que existe é completamente determinado; mas na existência a coisa se propõe com todos os seus predicados e, portanto, é completamente determinada. Contudo, a existência não é o conceito da determinação completa; não a posso conhecer, pois isto comportaria a onisciência. Portanto, não se pode dizer que a existência dependa do conceito de determinação completa, mas sim o contrário. Se algo é simplesmente pensado, neste caso significa que é possível. Se algo é pensado porque já se dá, então é real. Se alguma coisa se dá porque é pensada, então é necessária. Acrescentando a existência a uma coisa, não penso nada a mais do que eu pensaria julgando-a possível, somente o modo de apresentá-la é diverso, isto é, é diversa a relação para comigo. A existência não dá, pois, ao objeto algum predicado a mais. Na linguagem escolástica se diz que a existência é complementum da possibilidade. Mas a existência acrescenta-se só no meu pensamento, não na coisa. A verdadeira proposição que esclarece o conceito de existência é a seguinte: existentia est positio absoluta (a existência é a posição absoluta). Esta não pode constituir algum complemento ou predicado da coisa, mas a posição da coisa com todos os seus predicados. A existência não é uma realidade particular, embora tudo o que existe deva ter realidade. A existência, a possibilidade, a realidade e a necessidade são tipos especiais de categorias que de modo algum se referem aos predicados das coisas, mas são apenas modos de propor os predicados das coisas. Ab esse ad posse valet consequentia (da existência à possibilidade é válida a consequência), mas não: a posse ad esse valet consequentia (da possibilidade à existência é válida a consequência). Pode-se deduzir, da existência a possibilidade, mas não vice-versa: da possibilidade não se pode deduzir a existência. A non posse ad non esse valet consequentia (da impossibilidade à não existência vale a consequência), mas a non esse ad non posse non valet consequentiatia (da não existência à impossibilidade não vale a consequência). Da impossibilidade deduz-se a não existência, mas não a impossibilidade da não existência. Com base nos nossos conceitos limitados com os quais não podemos captar a priori a possibilidade das coisas, devemos deduzir somente ab esse ad posse. Ente e não ente. Alguma coisa (aliquid) significa, em sentido lógico, um objeto em geral; no sentido metafísico (in sensu reali) indica o que é possível (ens imaginarium), Habitualmente se diz também ente de razão (ens rationis), cujo conceito é possível, mas do qual não podemos dizer senão que é possível aquilo que ele indica; mas não é contraditório. Assim consta em livros completos de pneumatologia, como, por exemplo, Perspectivas sobre a eternidade, de Lavater, em que se fala muito de comunidade dos espíritos; não são outra coisa senão entia rationis ratiocinantis (entes de razão raciocinante). Por exemplo, que o nosso espírito após a morte vá de um mundo corpóreo a outro, pode ser pensado pela razão e de modo algum é contraditório. O ens rationis ratiocinantis é um ideal. A razão deve admitir tal ideal de perfeição como um máximo em função do qual se mede tudo o mais, por exemplo, o modelo da maior e mais perfeita amizade. Tal ideal é um máximo e, portanto, também único: de fato, existe um único máximo. Entia ficta imaginaria (entes fictícios imaginários) são coisas que podemos imaginar, mas não são ideais, já que os ideais são um produto da razão, sem elementos intuitivos. São substratos necessários da razão. Quimeras e ideais são claramente distintos. Um ideal nasce de uso necessário da razão; uma quimera, ao contrário, é predicado qualquer da razão divagante. A unidade, a verdade e a perfeição. Um antigo enunciado escolástico afirma que quodlibet ens est unum, verum, bonum seu perfectum. 1. Toda coisa é única. 2. Toda coisa é verdadeira. Atribuir verdade a uma coisa é, todavia, contrário ao uso do discurso; é mais adequado dizer: o conhecimento de uma coisa é verdadeiro. Mas o princípio da verdade deve estar na coisa. 3. Toda coisa é perfeita, o que vale dizer que toda coisa contém tudo o que se requer para a própria coisa. A representação de cada objeto contém: 1 - A unidade do determinável; 2- A pluralidade e o acordo das diversas determinações entre si; 3 - A totalidade das determinações, desde que tal totalidade consista no conjunto das múltiplas determinações do objeto. A verdade transcendental, distinta da verdade lógica, consiste na concordância dos predicados pertencentes à essência com a própria essência, pois sendo predicados da coisa eles devem concordar também com a sua essência. Toda coisa é verdadeira no sentido transcendental. A perfeição, sob o aspecto transcendental, é a totalidade ou a integralidade das múltiplas determinações. Toda coisa é transcendentalmente perfeita. Os critérios do ser e do não ser de uma coisa são os seguintes: 1 - A unidade do objeto que é pensado no conceito; 2 - A verdade transcendental que consiste na conexão das diversas determinações; 3 - A integralidade ou totalidade. As coisas podem ser consideradas sob os seguintes aspectos: 1. Fisicamente, à medida que possam ser representadas mediante a experiência; 2. Metafisicamente, à medida que possam ser representadas mediante a razão pura; 3. Transcendentalmente, à medida que possam ser representadas pela razão pura segundo o que pertence necessariamente à sua essência. Tem-se a perfeição física quando as representações empíricas são suficientes. A perfeição metafísica consiste nos graus de realidade atingidos. A perfeição transcendental consiste no fato de conter tudo o que é requerido pela própria coisa. Uma coisa é mais perfeita metafisicamente do que outra, uma tem mais realidade do que outra. Mas sob o aspecto transcendental, toda coisa é perfeita. O necessário e o contingente A conformidade de um objeto com as condições da sua pensabilidade é o que o torna possível; a realidade, ao contrário, é posição absoluta, isto é, o objeto é posto em si e não em relação com o pensamento. A realidade, à medida que possa ser conhecida a priori, é a necessidade. Esta necessidade pode ser hipotética, quando a existência de uma coisa é conhecida a priori relativamente (secundum quid), ou absoluta, quando a existência de uma coisa é conhecida a priori absolutamente (simpliciter). Conhecer alguma coisa a priori relativamente significa conhecer alguma coisa a partir de conceitos, independentemente da própria experiência, mas conhecer o seu princípio por experiência. Jamais posso conhecer a existência de uma coisa completamente a priori, a partir de simples conceitos, pois a existência não pode derivar de simples conceitos, mas ela passa originariamente pela experiência. É necessário que haja um princípio que seja também cognoscível pela experiência. De fato, se este fosse conhecido por meio de conceitos simples, teria a sua consistência mais na consequência do que no princípio, uma vez que um conceito indica somente a relação da coisa com o meu pensamento em geral. Mas a realidade é posição absoluta que requer que o objeto seja posto em si e não relativamente ao meu intelecto. Consequentemente, não posso deduzir a realidade da possibilidade, mas antes da realidade de uma coisa reconheço a sua possibilidade. Não posso, portanto, conhecer completamente a priori a existência de uma coisa; a necessidade absoluta é aquela que deve ser conhecida absolutamente (simpliciter) a priori. É necessário que fora do pensamento seja adicionada alguma coisa que é a intuição de algo de real, isto é, a percepção. A percepção é a representação do real, portanto sem a experiência o conhecimento da existência de uma coisa jamais é possível; ou conheço as coisas totalmente através da experiência, ou conheço os princípios da experiência. A necessidade absoluta é, portanto, totalmente impossível de se conhecer, embora entendamos a sua possibilidade. Daí resulta que o conhecimento da necessidade é conhecimento hipotético. Toda coisa tem uma necessidade derivada, aquela que posso conhecer a priori relativamente (secundum quid) a partir dos princípios da experiência. É necessário aquilo cujo contrário é impossível; é possível aquilo que concorda com as regras do pensamento; é contingente aquilo cujo contrário é possível. Estas são definições nominais, simples esclarecimentos de termos. A possibilidade, a realidade e a necessidade lógicas são conhecidas por força do princípio de contradição. A necessidade lógica não prova a existência de uma coisa. A possibilidade lógica, como foi dito, não é a possibilidade real. A possibilidade real é a concordância com as condições de uma experiência possível. O nexo de uma coisa com a experiência é a realidade. Essa ligação, à medida que possa ser conhecida a priori, é a necessidade. Esta é, como se viu, sempre hipotética. Da necessidade absoluta temos um conceito lógico. A necessidade pode ser subdividida em real e lógica. A necessidade lógica absoluta dos juízos é sempre uma necessidade hipotética dos predicados dos juízos, ou seja, uma necessidade submetida a condições precedentes. A necessidade real absoluta não pode ser esclarecida por algum exemplo. Somente a necessidade hipotética pode ser entendida. O mutável e o imutável Propõe-se a questão: a quais categorias pertencem os conceitos de mutável e de imutável, ou daquilo que muda e daquilo que não muda? É necessário primeiramente explicar o que significa mutação; trata-se da successio determinationum oppositarum in eodem ente (sucessão de determinações opostas no mesmo ente). Por exemplo, um corpo muda exteriormente quando passa do repouso ao movimento. Os conceitos de mutável e imutável pertencem, portanto, à categoria da existência. Coexistir quer dizer existir no mesmo e idêntico tempo. As coisas se sucedem ou seguem uma à outra quando se propõem em tempos diferentes. Consideramos como fenômenos todas as coisas que pomos no tempo e no espaço. A existentia determinationum oppositarum in eodem ente (existência de determinações opostas no mesmo ente) é conceito do intelecto. A existência, a determinação, a oposição, a coisa são simples conceitos do intelecto. A possibilidade da mutação pressupõe o tempo. As determinações opostas que se seguem uma à outra são opostas como contrários. As determinações opostas como contrários não se contradizem. É contingente a coisa em cujo lugar se pode pensar o oposto. Da existência de opostos que se sucedem não se pode ainda deduzir a contingência. Deduzir da mutação a contingência parece, contudo, muito natural, porque o contrário não é efetivamente possível. Mas se não se pode chegar a esta conclusão é porque a mudança não prova o contrário contraditório. A oposição lógica é negação que tira a oposição precedente. Importa muito aqui saber como a mutação seja possível, isto é, como podem encontrar-se numa coisa determinações opostas. Não é necessário sempre crer que o homem entenda (einsehen) tudo o que ele compreende, pois entender significa conhecer alguma coisa a priori mediante a razão. Em relação à experiência sempre temos necessidade da mutação. Existe um cânon metafísico universal: essentiae rerum sunt immutabiles (as essências das coisas são imutáveis); esta afirmação funda-se no seguinte princípio: essentiae rerum sunt necessariae (as essências das coisas são necessárias), mas uma vez que da necessidade procede a imutabilidade, então essentiae rerum sunt immutabiles (as essências das coisas são imutáveis). No mesmo sentido em que a coisa é mutável, ela é também contingente; e no mesmo sentido em que a coisa é imutável, ela é também necessária. Mas a essência lógica das coisas é necessária e falamos aqui não da essência real, mas da essência lógica. Ao invés de dizer: essentiae rerum sunt immutabiles, dever-se-ia dizer: a cada coisa compete necessariamente a essência das coisas. Não podemos mudar a essência das coisas sem suprimi-la; se se quer manter a essência da coisa, aquilo que lhe pertence necessariamente, não se pode mudar em nada. Quando, pois, se diz: essentiae rerum sunt immutabiles, entende-se aí a mutabilidade lógica das coisas e não a mutabilidade real. Crê-se que se aprende uma quantidade de coisas novas quando se exploram os caminhos da metafísica, mas não se faz mais que encontrar proposições idênticas em vez de proposições hipotéticas. Uma proposição idêntica aparentemente parece apresentar conteúdo particular. A causa disto é que o termo essência é assumido em dois significados diferentes. No primeiro significa substância; neste sentido era entendida por Aristóteles quando afirmava que as substâncias são imutáveis. Porém na ontologia não nos referimos à essência neste sentido, mas indica-se apenas o primeiro conceito que me faço de uma coisa. O real e o negativo Em tudo aquilo que se torna objeto da nossa consciência, pode-se distinguir um elemento real e um elemento negativo. A negação opõe-se à realidade. O contrário pode ser lógico ou real. Quando se nega alguma coisa, trata-se de um contrário lógico. A realidade e a negação não podem ser postas numa só e mesma coisa. A oposição real consiste na conexão de dois princípios reais, um dos quais anula a consequência do outro. Entre as realidades pode haver oposição. À realidade não se opõe somente a negação, mas também outra realidade que anule a consequência da primeira. A oposição dos princípios reais possibilita todas as mudanças. Onde se encontra a negação no mundo, aí estão presentes dois princípios, um dos quais é real e o outro um princípio oposto. Toda realidade concorda com as outras realidades. As realidades podem ser fenômenos ou númenos. Todas aquelas que se apresentam positivamente aos nossos sentidos chamam-se realidades fenomênicas e todas as que se apresentam positivamente ao nosso puro intelecto são realidades numênicas. A realitas phaenomenon ou realidade fenomenal (ou realidade aparente) é a que se encontra nos sentidos. Tais realidades fenomênicas constituem a maior parte de todas as coisas. Podemos considerar em uma coisa: a realidade, a negação e um terceiro elemento que se adiciona: a limitação. A limitação é a negação que contém a realidade. Esta tem relação estreita com a quantidade. A realidade é aquilo cujo conceito já significa por si um ser; ao passo que a negação é aquilo cujo conceito é em si mesmo um não ser. Toda coisa é realidade; a coisalidade, por assim dizer, repousa somente na realidade. A perfeição de uma coisa em geral não é senão a grandeza da realidade. Perfeita em absoluto é, pois, uma coisa sem nenhuma negação, e neste caso ela possui a realidade máxima. Um ens omnimode reale (ente absolutamente real) é, no sentido metafísico, o mais perfeito. O singular e o universal Um ente universal não pode ser pensado, e é só um conceito de ente (conceptus entis); um ente completamente determinado é ente singular. A disputa escolástica entre realistas e nominalistas travava-se sobre a questão se os universais eram simplesmente coisas ou apenas nomes. Um indivíduo ou ente singular é tal à medida que é em si completamente determinado. Toda diferença é ou numérica (e está no mesmo número ou num número diverso), ou genérica, ou específica. O total e o parcial O conceito de todo está na quantidade. A multiplicidade, enquanto unidade, é a totalidade. Id, in quo omnitudo plurium, est totum (aquilo em que se encontra a totalidade de várias coisas é o todo). Seja o quanto (quantum), seja o composto (compositum) contêm o conceito de pluralidade. Mas o conceito de composto é universal, porque as partes aqui podem ser heterogêneas. Ao passo que no conceito de quanto pressupõe-se sempre que as partes sejam homogêneas. Portanto, todo quanto é um composto, mas nem todo composto é um quanto. Seja sobre o quanto, seja sobre o composto me pergunto: existe como um todo ou só como uma parte? Todas as partes que pertencem a um composto chamam co-partes. Uma coisa que pode ser pensada só como parte de um todo é ente incompleto. Todo quanto é pluralidade. Todo quanto deve, portanto, consistir também de partes homogêneas. Mas uma quantidade infinita é maior que todos os números, e não podemos ter dela nenhum conceito claro. Todo quanto é contínuo ou discreto. Um quanto cuja grandeza deixa indeterminada a quantidade das partes chama-se contínuo; ele consiste de tantas partes quantas lhe quero atribuir, mas não consiste de partes singulares. Ao contrário, todo quanto cuja grandeza me permite representar a quantidade das partes é discreto. Um quanto discreto deve distinguir-se do quanto contínuo, que é representado somente como discreto. Um quanto cujas partes determino é discreto, mas não em si mesmo (per se). Um quanto contínuo em si mesmo é aquele cujo número das partes é indeterminado; um quanto discreto em si mesmo é aquele cujo número das partes é determinado arbitrariamente por nós. O número é, portanto, um quanto discreto. Através do número nos representamos todo quanto como discreto. Se me faço um conceito de quanto discreto, penso um número. Partes atribuíveis (partes assignabiles) são as partes que, ligadas entre si, constituem um conceito de número. A pluralidade que pode ser pensada num quanto contínuo é sempre maior que toda parte atribuível. Uma coisa é maior que outra quando esta última é igual somente a uma parte da primeira. Mudar uma coisa em outra maior significa aumentá-la; mudar uma coisa numa menor significa diminuí-la. Todo quanto pode ser aumentado ou diminuído. Um quanto que de modo algum pode ser diminuído chama-se mínimo. No quanto contínuo não se pode pensar nenhum mínimo porque toda parte, por sua vez, é um quanto e, portanto, não há mínimo algum. Tampouco há tempo mínimo, porque toda pequena parte é, por sua vez, um quanto contínuo que consiste de partes. Tais conceitos Leibniz os denomina por conceitos enganadores (conceptus deceptores). Espaço e tempo são quantos contínuos. Não se pode pensar um máximo e um mínimo no espaço e no tempo. O espaço no qual estão contidas todas as partes atribuíveis chama-se espaço infinito ou absoluto. O tempo no qual estão contidas todas as partes atribuíveis é a eternidade. Mas estas são ideias que não podemos conceber. As grandezas Todas as grandezas (quantitates) podem ser consideradas de dois modos: extensivamente ou intensivamente. Existem objetos nos quais não distinguimos uma multiplicidade de partes homogêneas: esta é a grandeza intensiva. Essa grandeza é o grau. Todos os objetos nos quais distinguimos uma multiplicidade de partes homogêneas têm grandeza extensiva. A grandeza intensiva é a grandeza do grau, e a grandeza extensiva é a grandeza do agregado. Tudo o que é representado no espaço e no tempo tem grandeza extensiva. Toda realidade no espaço e no tempo tem um grau. - Uma coisa simples pode ser pensada como grandeza, portanto como grandeza intensiva, embora nela não se possa encontrar nenhuma multiplicidade. O grau da possibilidade A possibilidade interna não tem grau nenhum, porque nós podemos conhecê-la somente segundo o princípio de contradição. Ao passo que a possibilidade hipotética tem grau, porque toda hipótese é princípio e todo princípio tem grandeza. Todo princípio tem grau, mas as consequências, por sua vez, podem ser consideradas extensiva e intensivamente. Um princípio que tem muitas consequências chama-se princípio fecundo. Um princípio que tem grandes consequências chama-se princípio importante. A possibilidade hipotética pode ser considerada evanescente, porque pode ser diminuída ao infinito. Nas escolas filosóficas fala-se da grandeza da unidade, da verdade e da perfeição. Mas a unidade, a verdade e a perfeição transcendentais não têm nenhuma grandeza e não podem ser comparadas segundo a grandeza. Segundo a grandeza as coisas podem ser comparadas somente com terceira coisa, mas não com a sua própria essência, como no caso da unidade, da verdade e da perfeição transcendental. Somente a coincidência de uma coisa com um princípio pode ser maior ou menor. A coincidência com o princípio suficiente é a conformidade máxima. A substância e o acidente Há relação tríplice: a relação dos juízos do sujeito com o predicado, a relação de um princípio com a consequência e a relação dos membros da subdivisão com o conceito subdividido. Conforme a relação os juízos são: categóricos, hipotéticos e disjuntivos. A estes correspondem as categorias da subsistência, da inerência e da relação recíproca (commercium). Substância é aquilo que existe em si mesmo só como sujeito; acidente é aquilo que existe somente como predicado ou determinação de uma coisa, ou cuja existência é simplesmente inerência. Aquilo cuja existência é simplesmente subsistência é substância. Alguns defendem que as substâncias poderiam também existir como inerências, só que isto não é necessário; mas é erro. Acidentes são os modos de pensar a existência de uma coisa, e não diferentes existências, como Locke afirma que a substância é suporte dos acidentes e, portanto, ela denomina-se também substrato. A relação dos acidentes com a substância não é a relação da causa com o efeito. É certo que a substância pode existir como consequência (rationatum), mas não como predicado. Estes são conceitos completamente diferentes. Conhecemos os acidentes, mas não o substancial. Este é o sujeito, que existe depois de serem eliminados todos os acidentes, e isto nos é desconhecido, porque conhecemos as substâncias somente através dos acidentes. Este substancial é o "algo" em geral. Não posso conhecer nada de uma coisa a não ser através de juízos, e na sua base encontram-se sempre predicados. Podemos conhecer as substâncias somente através dos acidentes. Através da razão a priori não podemos perceber como uma coisa possa subsistir só como sujeito e alguma outra coisa, por sua vez, só como predicado de outra coisa. Não podemos perceber a priori a possibilidade de subsistir, a impossibilidade de subsistir e a necessidade de inerir. E o fato de não podermos perceber o substancial, mas só os acidentes, deriva de que temos uma visão muito curta e nosso intelecto pode pensar somente através de conceitos, e os conceitos, por sua vez, não são senão predicados. Descartes dizia: a substância é aquilo cuja existência não requer a existência de outra coisa, isto é, o que existe sem ser consequência de outra coisa. Mas esta não é a substância, e sim um independente (independens). Também Spinoza seguiu este conceito, e isto foi a causa do seu erro. A existência de uma substância é a subsistência, a existência de um acidente é a inerência. - Na base das substâncias e dos acidentes temos também um princípio: o princípio da permanência das substâncias. Todos os filósofos empregaram a lei da permanência da substância. Essa lei é de extrema importância, porque sem ela não é possível nenhuma física. Denominemos vicissitudo (instabilidade) a mutação, e perduratio ou stabilitas (perduração ou estabilidade) a permanência. Todas as mutações pressupõem um sujeito ao qual seguem os predicados. O conceito de mutação pressupõe continuamente a permanência da substância. Mas não compreendemos o motivo pelo qual necessariamente alguma coisa permanece. A força No conceito de força encontra-se o conceito de causa. A substância é considerada como sujeito, e este como causa. Acidente é, portanto, alguma coisa de real, porque existe como inerência (inhaerendo) e não por si mesmo. A causalidade é a determinação de uma coisa mediante a qual outra coisa é posta segundo regras universais. O conceito de respectus ou de relação da substância com a existência dos acidentes, à medida que a primeira contém o princípio da segunda, é a força. Todas as forças são subdivididas em primitivas ou forças fundamentais e derivativas ou forças derivadas. Nós procuramos reconduzir as forças derivativas às forças primitivas. Toda física, tanto a dos corpos como a das mentes (esta última chamada psicologia), tende ao seguinte: remeter o quanto possível às forças fundamentais as diversas forças, que conhecemos somente mediante a observação. A qualitas occulta é qualidade oculta das coisas; de fato muitíssimas qualidades das coisas nos são desconhecidas, como, por exemplo, a verdadeira causa da força magnética, a causa pela qual o salitre resfria a água, e outras mais. O estado O estado significa a determinação completa de uma coisa no tempo. Não se pode atribuir estado algum a um ser necessário, porque quando o estado externo é modificado, a própria coisa se modifica. Portanto, para Deus não se pode empregar o termo estado. Deus não tem estado algum. Certamente ele se encontra em relação com coisas externas, mas estas não o modificam, e sim modificam somente o mundo; por isso ele é imutável. Que significa agir? O agir e o produzir efeitos podem-se atribuir somente às substâncias. A ação é a determinação da força de uma substância como causa de determinado acidente. A causalidade é a propriedade de uma substância, ao passo que esta é considerada como causa de um acidente. Podemos conhecer as forças das coisas através das modificações. A ação é imanente ou transiente. Quando se executa uma ação interna ou ação imanente, isto significa que a substância age. A ação transiente é denominada também influxo (influxus). Ao influxo corresponde evidentemente o padecer, mas este não se atribui à ação interna. O padecer é a inerência de um acidente de uma substância mediante uma força que está fora dela. A ação recíproca (commercium) é a relatio substantiarum mutuo influxu (relação entre substâncias por influxo recíproco). Capacidade e força são distintas. Na capacidade nós nos representamos somente a possibilidade de uma força. Entre capacidade e força encontra-se o conceito de tentativa (conatus). Se o princípio de determinação de um efeito é internamente suficiente, neste caso é força morta. Mas se é interna e externamente suficiente, então é força viva. A força que é suficiente apenas internamente, sem poder produzir o efeito, é sempre oposta a uma força contrária que impede o seu efeito, um impedimento. Portanto, logo que o impedimento seja eliminado, a força morta torna-se viva. Uma capacidade que seja suficiente para coisas de qualquer gênero é disposição (habitus). Aqui deve-se distinguir entre produzir efeitos, agir e fazer. Agir (agere) pode conter tudo o que seja possível, relativamente à consequência da ação. Tem-se a ação quando dela resulta uma consequência real. Fazer (facere) significa agir com base na liberdade; o factum é atribuído sempre somente a uma substância agente. O impedimento é formal ou real; o impedimento formal ou negativo é a carência; o impedimento real ou positivo consiste numa causa atuante que se opõe à outra. O simples e o composto O conceito de composto pressupõe partes. Se as partes de um composto podem existir antes da composição, então temos composto real. Mas se elas não podem existir antes da composição, neste caso é composto ideal. Na verdade, parece que as partes podem sempre ser pensadas antes da composição e que, portanto, não existam compostos ideais; mas na realidade eles existem, como, por exemplo, o espaço e o tempo. De fato, no espaço não podem ser pensadas partes sem antes pensar no todo. O composto substancial é aquele que se compõe de substâncias. A composição é uma relação; antes da relação devo poder pensar os elementos correlatos. O composto substancial é complexus plurium substantiarum in uno nexu (complexo de várias substâncias num único nexo). Um complexo não é ainda um composto; apenas me é permitido pensá-lo como composto. Assim é, por exemplo, a Igreja invisível: aqueles que são parte dela estão reunidos na ideia. Um composto formal é aquele cujas partes não podem ser representadas de outra maneira senão na composição; não podem ser pensadas separadas. Na verdade, posso representar-me partes de espaço; mas, ao fazê-lo, a ideia do todo sempre se encontra na base. Existe somente um único espaço. O surgir e o desaparecer (ortus et interitus) não são modificações. A criação não é modificação. As determinações sucessivas na coisa são modificações; essas determinações na coisa surgem ou desaparecem: esta é a mutação. O surgimento da coisa significa que o ser segue ao não ser, o que sempre pressupõe um tempo. O surgir é o existir ao qual se segue a total duração. O desaparecer é o não ser que se segue à total duração. A questão principal é se um composto substancial consiste de substâncias simples. Se eu quiser imaginar um composto substancial, como isto será possível senão através de ação recíproca, isto é, à medida que elas tenham influência recíproca uma sobre a outra? De fato, a ação recíproca consiste na influência recíproca. Em todo composto substancial existem matéria e forma. A matéria é a substância; a forma é a relação das substâncias. Portanto, em todo composto substancial posso imaginar partes simples. O princípio fundamental é este: em todas as modificações do mundo permanece a matéria, enquanto a forma se modifica. A substância não desaparece. Esta lei da perdurabilidade da substância deve ser confrontada com a lei da causalidade, que afirma que nada acontece sem causa, e chega às mesmas conclusões. Todas as modificações são surgimento ou desaparecimento de acidentes, isto é, se consideramos as coisas no tempo e a mudança do tempo, então podemos dizer que o estado de todas as coisas é fluente, que tudo se encontra no fluxo do tempo. Mas jamais poderíamos notá-lo se não houvesse algo de permanente; o tempo, a sucessão das diversas coisas, não poderia jamais ser percebido se tudo mudasse e não houvesse nada de permanente. Toda mudança, toda modificação requer ao mesmo tempo algo de permanente, para que a nossa experiência disso seja possível. A substância permanece; só os acidentes se modificam. O que muda está sempre ligado ao permanente, e a determinação da existência no tempo ou no espaço é possível somente se algo for permanente. Não há nenhuma possibilidade de experimentar que acontecem modificações, se algo não permanece. Fazendo uma comparação um tanto grosseira, o navegante no mar não poderia observar os seus movimentos se o mar se movesse juntamente com ele, e se não houvesse algo de permanente, por exemplo uma ilha, de onde ele pudesse notar como está se movendo. O espaço e o tempo Se elimino toda a existência das coisas, ainda permanece a forma da sensibilidade, isto é, espaço e tempo; de fato, estes não são propriedades das coisas, mas propriedades nos nossos sentidos; não são propriedades objetivas, mas subjetivas. Posso, portanto, representá-los a priori, porque eles precedem todas as coisas. Espaço e tempo são as condições da existência das coisas, são intuições singulares e não conceitos. Estas intuições não se referem a algum objeto; são vazias, são forma puras e simples das intuições. Espaço e tempo não são coisas, não são propriedades nem características das coisas, mas formas da sensibilidade. A sensibilidade é a receptividade, a susceptibilidade de modificação. As formas da intuição não têm nenhuma realidade objetiva, mas somente subjetiva. Se eu admitisse o espaço como um ser em si, eu não teria como confutar o spinozismo, isto é, estaria afirmando que as partes do mundo são partes da divindade. O espaço é a divindade: é único, onipresente, nada pode ser pensado fora dele, tudo está nele. - O tempo é ou protendido ou extensivo ou intensivo; protendido, à medida que um se segue ao outro. O extensivo refere-se à pluralidade das coisas existentes ao mesmo tempo; o intensivo refere-se à realidade. O espaço é atribuído às coisas somente como fenômenos. Os fenômenos não nos ensinam como as coisas são, mas como elas atingem os nossos sentidos. Uma substância simples não pode ser extensa. - A divisão é ou lógica, ou metafísica, ou física. A divisão do conceito puro é a divisão lógica. Todo conceito tem uma esfera (sphaera), que pode ser subdividida. Assim é o conceito de homem; o conceito de animal, por sua vez, abrange mais coisas em si. Estas são subdivisões, não divisões. A divisão metafísica consiste na distinção das partes; a divisão física na separação das partes. Espaço e tempo podem ser divididos metafisicamente, mas não fisicamente, isto é, não podem ser separados. A distinção das partes não é uma separação. Divisível é tudo o que é extenso. Toda parte da matéria é móvel, todo movimento é uma separação. A divisão é ou quantitativa ou qualitativa. A primeira é a divisão das substâncias enquanto elas consistem de partes homogêneas; a segunda é a divisão das substâncias enquanto ela se refere a partes não homogêneas; essa se chama dissociação. Tal dissociação deve às vezes acontecer no pensamento. O finito e o infinito O conceito de máximo pertence ao conceito de quanto, de pluralidade; ao passo que a totalidade pertence ao conceito de todo (totum). O máximo é conceito relativo, isto é, não me dá nenhum conceito determinado. Assim, posso dizer: este homem é o mais culto, isto é, dentre muitos cultos; mas não sei ainda até que ponto ele seja culto; dentre outros cultos ele poderia ser, por sua vez, o menos culto. A totalidade é um conceito absoluto. O conceito de infinito é muito diferente de ambos. O infinito é grandeza da qual não se pode indicar nenhuma medida determinada. Toda grandeza é infinita quando é impossível medi-la e avaliá-la; mas a impossibilidade encontra-se no sujeito, isto é, em nós. Se quisermos medir uma grandeza, então deve ser-nos dada uma medida, por exemplo, uma vara (medida de comprimento), uma milha. O conceito de grandeza é sempre expresso por um número. É verdade que a posso ver, mas para exprimir a grandeza por meio de um conceito devo ter uma unidade, que isso certo número de vezes, para desta maneira poder medir certa grandeza e ter dela determinado conceito. O espaço do universo é o maior dos quantos, do qual não posso dar algum conceito determinado, o qual não pode ser medido. O infinito pode ser propriamente tomado em dois sentidos diversos. No primeiro sentido o conceito de infinito é conceito puro do intelecto e, neste caso, chama-se infinito real, isto é, no qual não há nenhuma negação, nenhuma limitação. No segundo sentido o conceito de infinito refere-se ao espaço e ao tempo, e depois aos objetos dos sentidos; e este é o infinito matemático, que resulta da adição sucessiva de uma unidade à outra. Diz-se que o espaço é infinito, isto é, o conceito de grandeza do espaço jamais é total. No caso do infinito real imagino a totalidade e, assim, obtenho determinado conceito; mas no caso do infinito matemático jamais posso imaginar a totalidade coletiva. O infinito matemático significa um quanto in infinitum datum seu dabile (que existe ou pode existir ao infinito). "Datum" refere-se ao espaço, "dabile" ao número. A qualquer número posso acrescentar outro ainda maior e posso imaginá-lo; mas o infinito matemático datum supera todo poder humano de conhecimento. Deve ser a totalidade dos fenômenos. A grandeza dos fenômenos não pode ser dada, porque o fenômeno não é uma coisa em si e não tem nenhuma grandeza. Esta é, portanto, simplesmente a grandeza do meu progresso no espaço e no tempo. Do conceito de ente real e da sua infinitude real não se pode concluir a sua infinitude matemática. Neste caso, o termo infinitude não é sequer adequado. Contudo, o ente real se chama infinito porque esta palavra indica ao mesmo tempo a nossa incapacidade. E não podemos compreender que tipo de relação a infinitude real tenha com a infinitude matemática ou com o número. Se espaço e tempo fossem propriedades das coisas em si mesmas, então a infinitude do mundo seria sim incompreensível, mas não por isso impossível. Mas se espaço e tempo não são propriedades das coisas em si mesmas, neste caso da incompreensibilidade resulta já a impossibilidade de um mundo existente de modo infinito. A identidade e a diferença Considerados em seu princípio, estes dois conceitos são postos na lógica; mas eles ocorrem aqui por causa da lei de Leibniz, o princípio de identidade dos indiscerníveis (principium identitatis indiscernibilium). Este princípio afirma que as coisas que coincidem em todas as características são numericamente idênticas (sunt numero eadem). Interne totaliter eadem non sunt diversa (as coisas internamente idênticas não são distintas) (por determinações internas de uma coisa entendem-se qualidade e quantidade). Mas isto é falso. Quando pensamos,por meio do intelecto, coisas que são absolutamente iguais, que coincidem em todas as suas características, neste caso é evidente que elas são numericamente idênticas, como númenos. Contudo, nos objetos dos sentidos as coisas se posicionam diversamente, pois todas as partes do espaço estão uma fora da outra, são determinações externas. Os objetos no espaço são, portanto, distintos pelo fato que estão no espaço. Por exemplo, se duas gotas de água ou dois ovos que, segundo a determinação interna, segundo a quantidade e a qualidade, fossem absolutamente iguais, coincidissem em tudo (embora isto não ocorra na natureza), não obstante isto seriam distintas (não numero eadem), precisamente porque se encontram em lugares distintos, uma coisa fora da outra, não no mesmo e idêntico lugar. O instante é o limite do tempo; é aquilo que determina o positum. É aquilo que é o ponto no espaço; por isso, pode-se chamá-lo também de ponto temporal. Mas o tempo não se constitui de instantes; de fato, não podemos imaginá-lo antes de ter um tempo; não posso imaginar o limite da coisa antes de ter a própria coisa. A determinação da grandeza de uma coisa por intermédio da comparação com a unidade chama-se medição. Tampouco o conceito de dimensão pertence à metafísica. O espaço tem três dimensões, ao passo que o tempo apenas uma. Dimensão é propriamente a representação da grandeza de uma coisa, mas esta, segundo a forma, é distinta das outras coisas. O tempo que é contemporâneo ao pensamento do tempo é o presente; aquele que se segue ao pensamento do tempo é o futuro; aquele que o precede é o tempo passado. A existência que se segue ao não ser é o início. O não ser que se segue à existência é o fim. Tudo o que existe no tempo existe ou num instante ou numa duração (in instanti ouperdurabile). A duração é a grandeza da existência de uma coisa. A existência que é menor que todo tempo é o instante; é o limite do tempo. A existência que é maior que todo tempo, o tempo sem limite, é a eternidade. A sempiternidade é a duração futura infinita, sem que se veja o início infinito. A eternidade como conceito intelectual é apenas uma duração ilimitada; mas a eternidade no tempo é a sempiternidade. Com o conceito de confim, que é conceito intelectual puro, está ligado o conceito de limite, que é conceito matemático, assim como o conceito de infinito. A medida de uma coisa em si é a totalidade, e esta é a grandeza absoluta, que é a unidade verdadeira e própria de medida das coisas, pois todas as coisas são possíveis graças a uma posição de confins nesta totalidade. O conceito de limite faz parte somente dos fenômenos, mas o de confim pertence aos númenos. O espaço corpóreo tem como limite a superfície, o espaço superficial a linha, e a linha o ponto. O ponto é a posição determinada do espaço. O ponto está no espaço, mas não é parte dele. Limite é a negação, de maneira que não haja um ente máximo. Mas o tempo só tem um limite, isto é, o instante. A causa e o efeito Deve-se distinguir entre causa e princípio. Aquilo que contém o princípio da possibilidade é razão (ratio) ou princípio do ser (principium essendi). O princípio da realidade (principium fiendi) é a causa. Aquilo que contém o princípio de alguma coisa em geral se chama principium. A causa é aquilo que contém o princípio da realidade da determinação ou da substância. As três linhas de um triângulo são o princípio, mas não a causa. Costuma-se dizer causa também a respeito de uma negação; por exemplo, a desatenção é a causa dos erros. Toda causa deve ser em si mesma algo de real, porque o que contém o princípio da realidade é algo de positivo. A consequência da causa é o causado. Aquilo que é causado por uma causa é dependente. A causa, não sendo por sua vez causada, é independente. Ens independens est ens a se (ente independente é ente por si mesmo). Chama-se ens a se não porque deva derivar de si mesmo, mas porque existe sem causa. Na sequência dos efeitos e das causas é o primeiro. O contingente não é ens a se, mas dependente de outro, portanto causado. Na sequência dos efeitos e das causas é elemento sucessivo. Também um ser contingente é necessário, mas necessário apenas de maneira condicionada; ao passo que os entia a se (entes por si) são necessários de maneira absoluta. Portanto, tudo é necessário absolutamente ou hipoteticamente; de fato, se fosse contingente, valeria apenas em relação ao sujeito e não ao objeto. Contingente é aquilo cujo não ser é possível. Não posso conhecer este não ser segundo o princípio de contradição. Não podemos compreender a contingência absoluta de uma coisa, e tampouco a sua necessidade absoluta, nem com a razão nem com a experiência, mas só podemos compreender sua contingência ou necessidade relativa. Não se pode saber com base em conceitos puros se alguma coisa é contingente em si, porque posso imaginar tudo como não existente; o contrário de todas as coisas é possível, pensável; nisto não há nenhuma contradição no meu conceito. Da mutação subsequente da coisa, ou do seu não ser, não posso deduzir a contingência, assim como da existência não posso deduzir a necessidade da existência. De fato, a questão aqui é se uma coisa poderia ser ou não ser ao mesmo tempo, no mesmo instante. Mas isto é impossível que eu o compreenda. É verdade que admitimos um ser absolutamente necessário, mas não podemos compreender como um ser supremo possa existir de modo absolutamente necessário; de fato, o contrário, o não ser, é pensável, isto é, nada disso se contradiz no meu intelecto. Podemos conhecer a contingência das coisas somente no seu surgir e no seu desaparecer, e não pelo conceito puro; é contingente aquilo que vem a ser sem que antes seja, e vice-versa. Diz-se propriamente contingente aquilo que acontece, e tal coisa deve ter uma causa. O que acontece é ou um surgir ou um desaparecer, ou simplesmente a mutação de uma coisa. A mutação simplesmente pertence ao estado e, neste caso, posso dizer: o seu estado é contingente, mas nem por isso a própria coisa é contingente; posso deduzir a contingência da própria coisa somente pelo seu surgir ou pelo seu desaparecer. Portanto, os estados devem ter uma causa, mas nunca me questiono sobre a causa da matéria. Aquilo que contém o princípio de alguma coisa, como já foi visto, chama-se principium. Aquilo que contém o princípio da realidade chama-se causa ou principium fiendi; aquilo que contém o princípio da possibilidade denomina-se principium essendi. Aquilo que contém o princípio do conhecimento chama-se principium cognoscendi. Várias causas podem, em conjunto, ser causas da realidade de uma coisa e, neste caso, chamam-se co-causas. A causa é solitária quando é única. As co-causas são ou coordenadas ou subordinadas; são subordinadas quando uma co-causa é o causado de outra. Mas se várias co-causas são causas de um causado, então elas são coordenadas. Causae coordinatae concurrunt (as causas coordenadas concorrem), mas não as subordinadas. Cada causa é, então, um complemento para a suficiência e é considerada um complemento do causado; são coordenadas entre si. Somente Deus é causa solitária; todas as outras causas são subordinadas a ele, e nenhuma é coordenada. Causa eficiente. Na verdade, muitas coisas contêm o princípio de uma coisa, mas não são a causa real. Existem causas positivas e negativas. Causa eficiente é causa por intermédio de uma força agente. A condi tio sine qua non é determinação das coisas, que não é negativa, mas não se chama tampouco causa agente, embora seja considerada como causa. Assim, na bala de um canhão a pólvora é a condi tio sine qua non, mas a causa eficiente é o soldado que põe fogo no canhão. Entre as causas coordenadas, uma é principal, a outra é secundária. Se uma é a causa principal e a outra menos principal, então a segunda é a causa auxiliar. As causas instrumentais são causas subordinadas, enquanto elas, no que diz respeito à causalidade, são determinadas pela causa principal; por exemplo: os soldados. Aquilo que é atribuído à causa instrumental é imediatamente atribuído à causa principal, isto é, quando a causa instrumental depende totalmente da causa principal. Mas se não depende totalmente da causa principal, então não se atribui totalmente à causa principal, mas é causa espontânea; por exemplo, aquilo que um subalterno faz por ter recebido plenos poderes do seu patrão é atribuído ao patrão como causa principal, mas o mesmo não acontece nos assuntos em que ele não depende do patrão. Uma ação isolada juntamente com os seus efeitos chama-se evento. A relação em que um evento acontece é uma circunstância (circumstantia). Essa relação externa diz respeito ao espaço ou ao tempo. A relação de tempo e espaço é constituída pelas circunstâncias. O conjunto de todas as relações de espaço e tempo que concorrem para o evento chama-se ocasião. Portanto, existe ocasião do lugar e do tempo. A ocasião do lugar chama-se opportunitas (oportunidade), a do tempo chama-se tempestivitas (tempestividade). Desta última se diz: deve-se aproveitar, porque o tempo passa. Diz-se: as circunstâncias modificam a coisa. Minima circumstantia variat rem (até a mínima circunstância modifica uma coisa). Se as circunstâncias não concorrem, então elas não modificam o evento. O fato de posita causa ponitur effectus (posta a causa é posto o efeito) resulta já do acima exposto. Mas o fato de sublata causa tollitur effectus (tirada a causa tira-se o efeito) também é certo; ao passo que o fato de sublato effectu tollitur causa (tirado o efeito tira-se a causa) não é certo, é certo apenas que tollitur causalitas causae (tira-se a causalidade da causa). Afirmar "tal causa tal efeito" não significa que a causa é semelhante ao efeito, porque causa e efeito não têm relação de semelhança ou conexão nos conceitos, mas nos fatos. Isso significa que os efeitos se comportam como as suas causas, ou que as denominamos causas somente em função dos efeitos. Se o efeito é diferente, então também a causa deve ter outro nome. Mas causa e efeito não podem ser pensados tautologicamente, porque são coisas completamente distintas. A lei "o efeito deve ser semelhante à causa e vice-versa" aplica-se somente à fisiologia dos seres orgânicos. Effectus testatur de causa (o efeito dá testemunho da causa). Podemos considerar alguma coisa já como efeito também antes de conhecer sua causa, por exemplo: tudo o que é contingente. Mas esta lei deve ser entendida da seguinte maneira: effectus testatur de causa quoad qualitatem causalitatis (o efeito dá testemunho da causa quanto à qualidade da causalidade), porque através da totalidade de todos os efeitos imediatos conheço as forças eficientes da causa, mas somente segundo a causalidade. Com base nisso não podemos conhecer a Deus completamente, mas somente tanto quanto ele se revelou através do mundo, em proporção à grandeza do mundo. Portanto, o conhecimento que temos de Deus só é igual ao conhecimento que temos dos efeitos de Deus. Ora, isto depende da extensão dos conhecimentos que tenho dos efeitos de Deus. Portanto, a lei effectus testatur de causa não deve ser tomada em sentido estrito. Esta conexão é o nexus causalis, e em particular effectivus. É fundamental distinguir este nexus effectivus do nexus finalis, sobretudo no método de praticar a filosofia, para não substituirmos o nexus finalis pelo effectivus. Por exemplo: por que uma ferida do corpo se cicatriza? Se respondêssemos: porque a Providência assim o dispôs, isto seria o nexus finalis, mas não o effectivus. Aqui desejo saber as causas pelas quais isto acontece; a verdadeira filosofia consiste em compreender o nexus effectivus. Se não progrido na investigação das causas e me apóio no princípio do nexus finalis, isto é petitio principii. Muitos filósofos admitiram o principium nexus finalis, e também acreditaram que podiam descobrir muitas coisas com base no mesmo. Por exemplo, Leibniz supôs que um raio de luz percorre o caminho mais curto de um lugar a outro, e disso deduziu as leis da dióptrica. Epicuro rejeitou totalmente o nexus finalis; ao contrário, Platão o aceitou inteiramente. Ambas as posições estão erradas; elas devem ser conjugadas. Devo procurar deduzir tudo de causas, pelo simples motivo que isto sempre é possível e,depois, admitir também um ser que ordenou tudo em conformidade com fins. - Se admito só o nexus finalis, não conheço ainda todos os fins; aliás, posso imaginar fins que podem se basear em quimeras e deixar de lado a causa. Mas isto é grave dano para a pesquisa. Apelar só para o nexus finalis é uma cômoda almofada da filosofia preguiçosa. Na filosofia deve-se, antes de tudo, procurar derivar tudo de causas, isto é, segundo o principium nexus effectivi. E ainda que isto com frequência falhe, não é fadiga inútil, porque o método de investigar algo desse modo está em conformidade com a filosofia e com o intelecto humano. Muitos pressupostos são falsos; contudo, quando se continua a investigar, entre tais pressupostos descobrem-se às vezes outras verdades contra as suposições. Por exemplo, Rousseau pressupôs que o homem é bom por natureza e todo mal deriva do fato que o homem não se mantém longe dele; consequentemente, segundo ele, a educação deveria ser negativa e os homens deveriam ser mantidos longe do mal por meio da educação. Isto agrada muito, embora o princípio seja falso. Mas se suponho que o homem seja mau por natureza, ninguém se esforçará para impedir o mal, porque este já se encontraria na natureza. Nesse caso a educação se baseará nas expectativas voltadas para um ser supremo, para que ele ponha fim ao mal através de força sobrenatural. Portanto, deve-se permanecer no nexus effectivus, ainda que se preveja não ser possível progredir em todos os sentidos. A matéria e a forma Na própria natureza da nossa razão já se encontra esta distinção de matéria e forma. A matéria é o datum, aquilo que é dado, isto é, o material. A forma, ao invés, é o modo como esses dados são postos, a maneira como o múltiplo está em conexão. Em todas as coisas vemos matéria e forma. Nos nossos juízos e nas nossas obras encontramos matéria e forma. Os antigos diziam: o universal ou o gênero é a matéria, a diferença específica é a forma. Por exemplo, o homem seria o gênero, portanto matéria; mas o homem culto, é a diferença específica, isto é, a forma. Os antigos atinham-se muito à forma; diziam que é a essência das coisas. Isto é muito correto, porque em nenhuma coisa podemos produzir a matéria, mas só a forma, é isto que fazem, por exemplo, todos os artistas e os artesãos. Em nossa alma as sensações são a matéria, mas todos os nossos conceitos e juízos são a forma. A matéria no sentido físico é o substrato dos objetos extensos, a possibilidade dos corpos. Mas no sentido transcendental todo dado é matéria, enquanto a relação dos dados é a forma. Matéria transcendental é o determinável; ao passo que a forma transcendental é a determinação ou o ato de determinar. A matéria transcendental é a realidade ou o dado para todas as coisas. A limitação na realidade constitui a forma transcendental. Todas as realidades das coisas se encontram, por assim dizer, na matéria infinita onde, depois, algumas realidades se separam para constituir uma coisa, o que é a forma. A matéria distingue-se em materia ex qua, in qua e cirea quam. - Materia ex qua é o próprio determinável; uma coisa que já é determinada. Materia cirea quam significa a matéria no próprio ato da determinação (in ipso determinationis aetu); por exemplo, o texto de um sermão não é matéria ex qua mas cirea quam, isto é, matéria sobre a qual alguém trata. - Materia iri qua significa o sujeito da inerência. Materia cirea quam propriamente significa os pensamentos por intermédio dos quais é dada a forma a uma coisa. Por exemplo, o projeto de um edifício é materia cirea quam; mas as pedras, a madeira etc. são a materia ex qua. - A diferença é muito subtil. A filosofia transcendental A filosofia transcendental é a filosofia dos princípios, dos elementos dos conhecimentos humanos a priori. Isto é ao mesmo tempo o princípio pelo qual uma geometria a priori é possível. Mas é extremamente necessário saber como uma ciência possa ser produzida a partir de nós mesmos, e como o intelecto humano tenha podido produzir algo semelhante. Certamente esta investigação não seria tão necessária no que diz respeito à geometria, se não tivéssemos outros conhecimentos a priori que para nós são muito importantes e interessantes; por exemplo, sobre a origem das coisas, sobre o necessário e o contingente, se o mundo seja necessário ou não. Estes conhecimentos não têm uma evidência tal como a da geometria. Se, pois, queremos saber como seja possível um conhecimento a priori no homem, devemos distinguir e indagar todos os conhecimentos a priori; depois podemos determinar os limites do intelecto humano, e todas as quimeras que de outro modo são possíveis na metafísica, são referidas sob determinados princípios e regras. Mas agora vamos subdividir os princípios do conhecimento humano a priori em: 1) princípios da sensibilidade a priori, e esta é a estética transcendental, que inclui em si o conhecimento e os conceitos a priori de espaço e de tempo, e 2) princípios do conhecimento humano intelectual a priori, e esta é a lógica transcendental. Estes princípios do conhecimento humano a priori são as categorias do intelecto, como já se mostrou acima. Estas exaurem tudo o que o intelecto contém em si a priori, mas das quais ainda podem ser deduzidos outros conceitos. Se decompuséssemos os conceitos transcendentais dessa maneira, então teríamos uma gramática transcendental, contendo o princípio da linguagem humana; por exemplo, como o presente, o pretérito perfeito, o mais-que-perfeito se encontram em nosso intelecto, o que são os advérbios etc. Se se refletisse sobre isto, ter-se-ia uma gramática transcendental. A lógica conteria o uso formal do intelecto. Então poderia seguir-se a filosofia transcendental, a doutrina dos conceitos universais a priori. A ideia e o ideal Existem conhecimentos a priori pelos quais os objetos são possíveis. É surpreendente que um objeto seja possível simplesmente por meio de um conhecimento; contudo, todas as organizações, todas as relações em conformidade com fins são possíveis através de um conhecimento. Por exemplo, uma verdade não é possível sem um conhecimento que a preceda. O conhecimento a priori pelo qual o objeto é possível é a ideia. Platão dizia que se devem estudar as ideias. Dizia que as ideias são intuições em Deus; e nos homens, reflexões. Afinal de contas, ele falava delas como se fossem coisas. – A ideia é imutável; ela é o essencial, o princípio através do qual os objetos são possíveis. Um protótipo é propriamente objeto da intuição, pois é o princípio da imitação. Assim Cristo é o protótipo de toda moralidade. Contudo, para considerar algo como protótipo, devemos antes ter uma ideia segundo a qual possamos conhecer o protótipo, para retê-lo como tal; porque do contrário não poderíamos, evidentemente, conhecer o protótipo e, portanto, poderíamos nos enganar. Mas se temos uma ideia de algo, por exemplo da suprema moralidade, e agora nos é dado um objeto da intuição, é-nos apresentado alguém como aquele que é congruente com esta ideia, então podemos dizer: este é o protótipo, segui-o! - Se não temos nenhuma ideia, não podemos admitir nenhum protótipo, ainda que viesse do céu. Devo ter uma ideia para procurar o protótipo in concreto. - O modelo é um princípio da imitação. Podemos, sem dúvida, executar ações e objetos em conformidade com um modelo, mesmo sem ideia; mas nesse caso essas ações e objetos estão em conformidade com o modelo apenas aproximativamente. Na moral não se deve aceitar nenhum modelo, mas seguir protótipo, que se iguala à ideia da santidade.